terça-feira, 14 de outubro de 2014

Picotes eleitorais (II) [Eleições 2014]

Assisto a um dia da propaganda eleitoral dos postulantes ao Planalto. O PT se centra na comparação entre seus mandatos e os do PSDB, aposta na polarização "governo para os pobres x governo para os ricos". Em um discurso que parece mais interessado em consolidar votos do que angariar mais, deixa o raciocínio pela metade, esquecendo de explicitar o porquê da melhora das condições de vida da base da pirâmide social trazer ganhos para o conjunto da sociedade - fator de diminuição de violência, pressão por melhorias nos serviços públicos, aumento nos salários. Já o PSDB recebeu não só o apoio de Marina Silva e do PSB, como teve seu discurso moralizante a la UDN repetido pela representante da nova política. Aécio, ao menos nesse programa, deixou passar a oportunidade de se apresentar como o candidato da uniâo contra o partido da divisão social. Além disso se focou em certo discurso da emoção - por conta do apoio da viúva de Campos -, próximo daquele usado por Marina durante o primeiro turno, uma tentativa, talvez, de ganhar o eleitorado pernambucano, ou de inflar a presumida onda que embala sua candidatura - Marina Silva foi uma mostra de que discurso da emoção não se sustenta por muito tempo. O mais deprimente foi vê-lo repetir discurso dos formadores de opinião da direita brasileira - essa que diz que o Brasil passou por uma "ditabranda" -, de que o país vive sob a hégide de um partido anti-democrático, uma quase ditadura (bolivariana): essa fala desligitima não só o processo de escolha como todo o sistema democrático! Que tenha sido um lapso, não um chamado ao "restabelecimento da ordem" (com Deus pela família?).
*
Eduardo Campos tem sido alçado a político com legado para o Brasil - absurdo exagero. Tratava-se de um político hábil e com futuro, mas sem legado que garanta um lugar no panteão de políticos como Cipriano Barata, Rui Barbosa, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola - para ficar nos falecidos. Se não for esquecido tão logo se encerre a disputa eleitoral, seu presumido legado o tornará um grotesco espantalho para uso de ocasião pela Grande Mídia.
*
Dois gigantescos desserviços dos eleitores ao Brasil: a substituição de Eduardo Suplicy por José Serra, como senador por São Paulo, e a de Pedro Simon por Lasier Martins, no Rio Grande do Sul.
*
Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Pastor Feliciano, José Serra, André Sanchez (até agora não vi cartola que não seja uma decepção: ou um fracasso ou um Eurico Miranda com sutis diferenças), Lasier Martins, Paulinho da Força, Pedro Taques, Fernando Collor, Renan Filho, Raimundo Colombo, Celso Russomano. Parece que ao se olhar pro lado, o nível dos eleitos é sempre horrível. Para a Assembléia Legislativa do Paraná, graças à votação de Ratinho Jr (começamos bem), o PSC (Partido Nacional-Socialista Cristão, do Pastor Everaldo, Pastor Feliciano e tantos outros Intolerantes Cristãos) será o maior partido da Assembléia Legislativa. Daria para ser pior?
*
Xico Sá sofreu censura prévia da Folha de São Paulo - expediente que dizem há tempos ser aplicado também a um dos polemistas do jornal (que acata obediente, enquanto anuncia o PT como partido ditatorial). Motivo: a Folha repudiaria proselitismo político em suas páginas. Em um jornal que tem Reinaldo Azevedo, proselitismo político significa ser favorável ao PT, porque qualquer coisa contra o Partido dos Trabalhadores e a favor dos tucanos, desde que se vista com uma tosca roupagem de informação, é autorizado. Xico Sá (de quem este escriba é fã de longa data e o assume como uma de suas influências) soube se dar o devido valor, e dignamente pediu demissão.
*
Nada contra o voto em Aécio Neves, quando se trata de uma escolha racional, como comentou Antônio Prata ou Gregório Duvivier. Problema é o voto de cabresto - ignaro, para não dizer preconceituoso - que quer tirar o PT do poder federal por ser O partido corrupto. Não se trata de defendé-lo dizendo que todos roubam, mas convém ressaltar que nenhum outro partido até agora, em qual nível for, deu tanto apoio e tanta liberdade às investigações sobre malversação de dinheiro público. Não é a corrupção que cresceu, foi seu combate: os crimes foram muito semelhantes, mas José Dirceu está preso e Fernando Henrique Cardoso ou Eduardo Azeredo, não.
*
Muito se tem comentado sobre os impressionantes erros dos institutos de pesquisa. Falei sobre isso após as eleições de 2010, na qual o índice de acerto das três principais empresas de medição de pretensão de voto teve acerto de 0% (isso mesmo, zero porcento). Está em http://j.mp/cG151010e. Este escriba insiste na sua tese de que as pesquisas de opinião divulgadas pela Grande Imprensa são uma forma discreta de tentar influenciar o voto: há quem vote no candidato favorito para "não perder o voto", por exemplo, ou então um candidato chega ao segundo turno em uma "empolgante crescente", pronto para desbancar a murcha presidente candidata à reeleição.


Pato Branco, 14 de outubro de 2014.

sábado, 11 de outubro de 2014

Qual marca te habita?

Esperava o metrô quando chegou na mesma baia em que eu estava uma bela moça, que logo se pôs a mexer despreocupadamente no celular. O que primeiro me chamou a atenção foi que a bela moça não ficou atrás da faixa amarela, sequer em cima - depois que amigos meus metroviários contaram de casos como o do homem que perdeu a cabeça ou do homem-pião, por desrespeitarem a tal faixa, me tornei um fervoroso seguidor das indicações de nunca ultrapassá-la. Pensei em cutucar a tal bela moça e falar que seria mais prudente ela dar dois passos atrás, mas como ela estava de fone de ouvido, achei que seria trabalho muito para pouco tempo - logo o trem chegaria. Mais: a bela moça poderia achar que eu estava dando uma cantada de tiozão pra cima dela e, pior, aceitar a cantada!, me deixando perdido como um cachorro que late para roda e esta pára. Assim sendo, diante dessa possibilidade de ficar sem reação para com a bela moça que se insinuaria para mim atrás da faixa amarela, preferi ficar na minha, e observá-la à frente da faixa amarela.
O que segundo me chamou a atenção nela foi que era uma bela moça - como o leitor e a leitora mais atentos devem ter deduzido do parágrafo anterior -, acentuado por um visual que eu julgo golpe baixo, a saber: saia de tenista e camiseta que deixa um dos ombros de fora (me lembrei de Machado). Um terceiro ponto que me chamou a atenção - móbil desta crônica -, foi que seu tênis, sua mochila, sua saia eram todos da mesma marca esportiva - a camiseta eu não consegui averiguar, aparentemente não era.
Presenciei uma vez conversa nesse mesmo sistema de transporte de massa, em que um rapaz defendia uma marca contra a outra, quase como um corinthiano a justificar a superioridade do seu time sobre o Palmeiras: absolutamente irracional e sem sentido. Tênis, calça, camiseta, boné, tudo da mesma marca, como um torcedor ou um religioso fanático, como se aquelas marcas dissessem algo sobre ela, como se aquelas marcas dissessem tudo - ou ao menos o essencial - sobre ela. É certo que uma roupa dá sinais de qual tribo você gostaria de ser enquadrado, a qual clichê você quer ser reduzido - eu mesmo, ao usar um tênis Super-Star dou a deixa de que tenho um quê meio urbano-alternativo e bastante mão-de-vaca. Se identificar tanto a uma marca, contudo, me soa se reduzir de uma maneira ainda mais absurda: não é apenas um estilo no qual você se acomoda - que esse até permite certas liberdades -, é você subordinando sua identificação a uma marca, como se sua auto-estima não sustentasse sem tal logo - e isso vai além de roupa, tênis e acessórios, alcança também nossa vaca-sagrada, o carro, a marca de bebida (para quem nunca gostou de refrigerante de cola, por exemplo, as duas marcas principais são igualmente horríveis), o celular e o computador-fetiche, dentre outros, nos quais se inclui o já citado time de futebol. Quando vejo pessoas assim - ou então extremamente bem enquadradas em um estilo, tipo emo, patricinha, etc -, me pergunto o que sobraria delas se lhes tirassem os acessórios: haveria essencial? Elas suportariam mostrar o que há por baixo desses signos todos - o corpo falando por si próprio?
O trem chegou, a bela moça seguiu mexendo no celular enquanto eu li uma propaganda do Metrô em que convidava empresários a anunciar na rede, com garantia que a empresa tinha perfil detalhado do tipo de público atingido em cada linha e cada estação.

São Paulo, 11 de outubro de 2014.