sábado, 25 de outubro de 2014

O homem-panacéia e a mulher-burocrática-prepotente [Eleições 2014]

 O debate da rede Globo não teve nenhum golpe baixo da emissora contra a candidata petista. Não assisti ao jornal Nacional, mas pelo que vejo nas redes sociais, nenhum revival de 1989 - convenhamos, trechos de Veja sobre a Petrobrás são coisa pouca diante de seqüestradores de burgueses vestindo camisetas do PT (direção de figurino: Romeu Tuma). Isso não impediu de Aécio Neves trajar a plumagem collorida de salvador da pátria e caçador não de marajás, mas de bandidos (dentro da mais pura lógica "aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei"), traje usado com menos alarde por Marina Silva nas duas últimas eleições. 
 Provavelmente por um cálculo publicitário de tentar ganhar aquela parcela da população carente de um líder forte, Aécio buscou posar de homem-panacéia, determinado a sanar todos os problemas do país, pouco importa qual, se da alçada federal, estadual, municipal ou particular (parênteses: não deixa de ser curioso que os maiores defensores do estado mínimo estas eleições fossem justo os que mais pregam a interferência estatal máxima em assuntos de foro íntimo), se atribuições do executivo, legislativo, judiciário ou mercado. Dilma fez o contraponto dentro do seu estilo burocrático (afinal não era ela quem dizia, em eleição passada, que "o Brasil precisa de um gerente"? Ah, não, era o Alckmin), contestando as promessas tucanas com explicações sobre o desenho constitucional e as atribuições do executivo federal. 
 Espero que a candidata à reeleição tenha sido feliz em seu intento. O que não posso deixar de ressaltar, com grande preocupação, é o discurso de Aécio: homens firmes e salvadores da pátria, há uma razoável lista na história, sempre de amarga lembrança. Por exemplo: a face sombria do governo Vargas de 1930 a 1945: se criou a CLT e lançou as bases da industrialização do país, prendeu e matou uma série de opositores políticos. Ou os militares na ditadura civil-militar da segunda metade do século passado, instituição "forte" a curar as mazelas do país e pô-lo nos eixos.
 Em uma eleição caracterizada não por uma mera polarização, mas por encarar o outro não como adversário a ser batido, e sim como inimigo a ser aniquilado, com direito a conflitos de rua, o discurso de Aécio Neves, reverberando uma imprensa adepta de Goebbels, abre um perigoso paradeiro - um fantasma que anda a rondar o globo, ainda que com diferenças da sua versão original, da primeira metade do século XX. Para piorar, é endossado por um dos maiores partidos do país. Torço, no meu humanismo ingênuo, para que, passadas as eleições, o PSDB faça uma autocrítica e chegue à conclusão de que o mais importante não é seu projeto de poder, mas o futuro do país: que haja como oposição dentro dos limites aceitáveis, nas casas legislativas e nas ruas, pedindo investigações, barrando projetos, sem, contudo, desqualificar ou atropelar nossa constituição.   

São Paulo, 25 de outubro de 2014

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Faltam três dias - tempo demais para nossos Berlusconis tentarem mudar o resultado da eleição [Eleições 2014]

   Em 1993, um Lula ainda adepto da Política nos termos de Jacques Rancière, ou seja, política como conflito e inclusão de marginalizados na Ágora, dizia que se eleito uma das suas prioridades seria quebrar com o monopólio das Organizações Globo, império midiático porta-voz oficial da ditadura civil-militar que reinou sobre o Brasil entre 1964 e 1985. Está no documentário de Simon Hartog, Beyond Citizen Kane (Além do cidadão Kane), produzido para a televisão britânica e censurado no Brasil pela emissora que acusa de censura qualquer tentativa de pôr seu poderio sob o guarda-chuva legal, assim como demais poderes estatais e para-estatais, ou empresas de todos os demais ramos. 
 Em 2002, tão logo conquistou a presidência da República, qual o ato de Lula? Conceder com exclusividade à rede Globo a primeira entrevista. Era já o Lula adepto da tal "concertação", que abandonava o conflito por um pacto social menos retrógrado - progressista apenas para um país que ainda não se conforma com o fim da escravidão -, e incluía marginalizados não na Ágora, como atores políticos, mas nos mercados, como consumidores (de celulares e carros, mas também de saúde suplementar e educação privada).
 É certo que Lula tratou de diminuir o poder da Grande Imprensa, principalmente Globo, ao alterar regras de distribuição da publicidade oficial, suangrande galinha dos ovos de ouro. Teve a chance de enquadrar a revista Veja, quando esta publicou acusações falsas de contas do então presidente na Suíça - foi matéria de capa. Não é exagero dizer queno PT se acovardou diante da Grande Imprensa. 
 Dilma foi além, e devolveu a César o que a Grande Imprensa dizia ser de César, devolvendo-lhe a verba publicitária pulverizada entre outros veículos. Talvez tenha imaginado que seria capaz de comprar se não seu apoio, ao menos afagar a raiva dos barões da mídia contra o PT. Errou vergonhosamente, e agora paga por seu erro: há três dias das eleições, Veja deu o primeiro sinal para a tentativa do último golpe na decisão de voto, em uma capa que acusa Dilma e Lula de "saberem de tudo", e a crise hídrica de São Paulo ser culpa do aquecimento global, não do apagão local de planejamento. Amanhã, sexta, haverá o último debate, na rede Globo: um show de horrores pode ser esperado: MMA deve ter mais cavalheirismo. Sábado, os jornais da emissora falarão do tal debate. Um revival de 1989 não está descartado, e não por um apego à moda retrô, e sim por apego ao poder e ao golpismo. Que fique apenas na capa de Veja, que não tenhamos uma Dilma apática diante de um Aécio seguro de si, aclamado no dia seguinte como salvador da Pátria.
 O que me assusta é o PSDB, na sua ânsia de vitória a qualquer custo, aceitar toda espécie de golpe baixo - não apenas a ocultação da verdade, como em 1998, mas a mentira e a manipulação espúria. Nenhum partido ou político deveria aceitar atentar contra a democracia em nome de um projeto de poder. Diante desse udenismo tucano, não resta outra alternativa que torcer por uma vitória petista, ainda que os governos Lula e principalmente Dilma me soem pusilânimes, mesmo nos seus momentos de grandeza. Que a presidenta saia vitoriosa e aprenda com mais essa eleição: de que certo estava o Lula de 1993, e uma lei que regulamente a Grande Imprensa brasileira, nos moldes da estadunidense, por exemplo, seja a prioridade máxima - sem ela, uma reforma eleitoral será uma tentativa de tornar mais eqüânime um jogo de dados viciados.   

São Paulo, 23 de outubro de 2014.  

 Ps: análise das mais precisas sobre a Grande Imprensa e as eleições, do Guilherme Boulos: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilhermeboulos/2014/10/1533264-massacre-midiatico.shtml