sábado, 18 de julho de 2015

Gatos mágicos somem com toalha!

Logo ao acordar notei que faltava a toalha de chão que eu havia deixado secando na porta da máquina de lavar (parênteses: minha casa é "estilo londrino", conforme uma amiga que morou em Londres, isto é, a lavanderia fica no banheiro. Fecha parênteses). Não fui tomado por nenhum espanto com esse sumiço, sabia que era coisa da dupla com quem divido apartamento. Procurei no banheiro, não achei. Estranhei que tivessem arrastado para fora dele sem deixar qualquer marca, uma vez que a toalha estava bem molhada. No quarto, embaixo da cama, nada. Na sala, nada. Na cozinha também não, já que ela fica fechada. Encafifei onde os dois teriam enfiado a toalha - e como?! Busquei mais uma, duas vezes, nada. Sai para meus afazeres, perplexo da toalhar ter desaparecido assim: seriam meus gatos mágicos? Descartei que pudessem tê-la comido: era muito grande, mesmo que cada um ficasse com metade. Mais plausível que tivesse conseguido enfiar no canto onde somem bolas, canetas e outras coisas que dou pra eles - ou eles pegam sem eu dar -, apesar de toalhas não rolarem, ainda mais molhadas. Voltei para casa, me pus a buscar a dita toalha - agora, com mais calma, eu daria conta que estava na minha fuça, mas me passara despercebido. A contar que eu sabia onde estava minha fuça, a toalha não estava junto a ela. Nem embaixo dos móveis, nem em cima deles. Nem embaixo da colcha - vai que na pressa para arrumar a cama, não tivesse notado que eles tinham subido ela para meu leito. Gatos mágicos? Comecei a ficar preocupado: eventualmente tenho o sono bem pesado - já perdi concurso por ter desligado quatro despertadores sem acordar de fato -, e sonhei algumas vezes que eles haviam tentado (e conseguido) escapar pela porta - num dos sonhos Guile se atirava do corredor, quatorze andares abaixo. Seria eu sonâmbulo, e parte do que eu achava que eram sonhos se tratavam, na verdade, de fatos mal-percebidos pela minha consciência semi-desperta no meio do deambular dormente? Teria eu levantando à noite, aberto a porta, posto a toalha no lixo e voltado a dormir? Temi não só pelos gatos, como por mim mesmo! Outra busca pela casa, nada. À noite eu conversava com minha mãe pelo telefone, falava justo dessa preocupação que ia me tomando, de que eu fosse sonâmbulo nível hard, abrisse a porta de casa pela madrugada, perseguisse gatos fugitivos e jogasse toalhas no lixo. Ou seriam meus gatos realmente especiais? Foi quando abri a janela da sala para eles irem um pouco "fora" (os cinco centímetros entre a janela e a rede de segurança): a toalha estava no trilho da janela (e assim que se chama?): então lembrei! Eu havia posto ela ali durante a madrugada, quando começou a chover forte e com vento, para evitar que entrasse água no apartamento. A sensação de alívio, admito, foi enorme! Resumo da história: nem gatos mágicos ou comedores de toalhas, nem sonambulismo hard, apenas um lapso causado pelo sono e uma crônica sem graça.


18 de julho de 2015.

E o medo que eles tivessem levado uma toalha molhada pra cima dos meus livros?

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Tudo o que é leve se desfaz no chão [Diálogos com a dança]

"Dançar na selva de pedra" - foi a leitura feita pela amiga que me acompanhou ao espetáculo Sim, da KeyZetta&Cia, na Galeria Olido. De minha parte, não saí com leitura alguma, e mesmo depois, pouca coisa consegui captar do que o espetáculo pretendia comunicar. Não, isso não é uma crítica ao espetáculo: não quer dizer que não aproveitei ou não gostei, apenas não entendi, não consegui decifrá-los em códigos que me são familiares - e como o estranho, o estrangeiro, me atrai, estar em território desconhecido, me deparar com signos alienígenas pode ser algo prazeroso, ainda que um prazer diferente de quando me deparo com algo que me é familiar.
Este blablablá sobre mim mesmo pode soar egocêntrico e sem muita relação com o espetáculo que me propus comentar, contudo mostra ou uma severa limitação deste escriba ou algo sobre a companhia. Sem negar limitações razoáveis de minha parte, prefiro atribuir o estranhamento ao mérito de Key Sawao, Ricardo Iazetta e demais integrantes. Sim foi o quarto ou quinto espetáculo da companhia a que assisti - já deveria estar, portanto, mais familiarizado com sua linguagem. Sem contar que há um ano e meio sou aluno da Key Sawao.
A KeyZetta&Cia parece sempre disposta a pesquisar e experimentar elementos exógenos ou pouco usuais à sala de espetáculos e a apresentações de dança: sua veia é claramente na performativa, em jogos - questionadores - com o logos ou com o espaço. Sim dialoga com o espaço - e com a própria dança. Logo de cara, causa estranhamento a paisagem de um bosque pintada ao fundo, como cenário - não parece ornar com dança contemporânea. O chão, coberto de pedras brita, também desloca o espectador da sua zona de conforto - inclusive olfativa (daí haver máscaras cirúrgicas para o público se proteger da poeira) e sonora. A união entre esses dois elementos, admito, eu não consegui concatenar, diferentemente da minha amiga - talvez pelas pedras me remeterem imediatamente a estacionamento (não sou da cidade grande, onde shoppings oferecem estacionamentos asfaltados).
E são as pedras, em especial seu barulho, o que mais me chama a atenção: elas dão um grande peso aos gestos, a toda a dança. Me fazem lembrar de um dos meus trechos favoritos de Em busca do tempo perdido, no qual Proust comenta da importância da audição para dar corpo ao que é visto: “quanto ao surdo integral, visto que a perda de um sentido acrescenta tanta beleza ao mundo como o não faria a sua aquisição, é com delícia que passeia agora por uma Terra quase edênica onde o som ainda não foi criado. As mais altas cascatas se desenrolam, para os seus olhos apenas, mais calmas que o mar imóvel, como cataratas do Paraíso. Como o ruído era para ele, antes da surdez; a forma perceptível sob a qual jazia a causa de um movimento, os objetos movidos sem rumor parecem movidos sem causa”
Pode não ser agradável, mas Sim está intimamente ligado à audição, ao barulho das pedras sob os corpos que dançam sobre elas. Assim, todo gesto do espetáculo ganha corpo, esse corpo pesado que o balé clássico tenta fazer esquecer em seus saltos, que muito da dança - ao menos para o senso comum - tenta ocultar com seu ideal de leveza e superação da gravidade. Foi nos solos de Beatriz que essa condição e contradição me saltou aos olhos: seus gestos são leves, o movimento de seus braços me soam aquosos, mas o som desfaz a impressão de leveza que os olhos captam. Não querendo acreditar que aqueles gestos fossem capaz de tamanho peso, desconfio que o chão seja microfonado - minha amiga diz que não, e ela tem razão, uma vez que não há variação na altura do som, esperado conforme se aproxima ou se distancia do microfone.
Saio da Olido sem fazer ligação entre os movimentos dos intérpretes com o cenário e a trilha sonora de bosque com os sutis movimentos de luz com o chão cheio de pedras. A única ligação que consegui fazer foi entre a leveza e o peso - e para tanto, alguma coisa, algum preconceito, algum conceito há muito arraigado, se rompeu.

17 de julho de 2015