quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Eleições 2018: falta combinar com os russos

Com o golpe de Estado praticamente consagrado, parece não haver outra alternativa às forças progressistas e esquerda em geral que discutir estratégias de retorno para 2018 - assunto que já vinha sendo abordado desde o início do ato final do golpe, o impeachment. Quem se propõe a discutir 2018 sempre esquece uma questão básica: combinou com os russos? Que eleição? Ou ao menos, em que termos? Aceitar a derrota e discutir 2018 é ignorar o que está se passando: vivemos uma ditadura sorrateira: sai a ostensividade da farda, entra a sisudez formalista da toga e dos camicie nere. O golpe é só a parte visível de uma ditadura que se articula nas entranhas do poder: temos um judiciário sem qualquer controle externo e com liberdade para legislar, aliada a uma imprensa sem controle, sem ética e sem pudores, escolada nos ideais nazistas de comunicação, ambos patrocinados pelo capital internacional - financeiro e das seis irmãs -, e um legislativo corrupto que se vende por preço de banana. Nesse contexto, o chefe de executivo vira só um detalhe, pronto para ser descartado, caso saia da linha - basicamente caso se contraponha ao reforço da estrutura perversa de desigualdade social e subordinação total aos interesses estadunidenses (me sinto tão anos 1960 falando isso).
Com o desenrolar dos fatos, volto meu pensamento ao dia seguinte à reeleição de Dilma, e me pergunto se ali já não estava dado o golpe e suas concessões eram tentativas desesperadas e infrutíferas de manter a casca democrática - que permitiria ao menos um alento de reversão do quadro. Sem sucesso na sua empreitada, veio o golpe de Estado encabeçado pelo informante dos EUA, mas que pode durar pouco - ao que tudo indica, dura somente até permitir eleições indiretas, ano que vem. 
Grande imprensa, judiciário e capital internacional formam o triunvirato que determina o que pode e o que não pode no país - de políticas macro-econômicas a questões menores de cidadãos quaisquer. Temer é tosco demais para o cargo, e tenho dúvidas se seu saco de bondades ao triunvirato é suficiente para mantê-lo no cargo. Contudo, também tenho dúvidas se o judiciário quer assumir a cabeça da ditadura, ou prefere seguir comandando da surdina - há vantagens e custos em cada uma das escolhas (o §4 do Art. 5º da lei que regulamenta a eleição indireta, de 2013, anula as exigências de desincompatibilização de cargos e funções públicas). Vale lembrar que em 1964, Castello Branco não tomou de assalto o planalto: Jango quem teria abandonado o cargo, e o presidente do congresso chamou eleição indireta, na qual foi eleito o militar - tudo dentro da mais estrita legalidade constitucional e democrática.
Pode soar sem sentido falar em ditadura sem ditador, mas vale lembrar que o Brasil conviveu com uma "ditabranda" em que havia eleições e alternância de poder - jabuticabas é aqui mesmo, por que não uma ditadura sem um ditador, mas um consórcio sem rosto, pouco definido ao grande público?
Independente de quem seja o chefe de Estado ano que vem, há um esboço do que nos espera para os próximos sabe-se lá quantos anos (os otimistas dirão 2, os receosos, 21, os pessimistas preferem não chutar). 
A lei será respeitada, como sempre. Se acaso a lei não servir ao donos do butim, muda-se a lei - todo golpe de Estado, depois de sacramentado, se torna legal. Se a lei não for respeitada, também não é problema, a grande imprensa deixa passar - desde que seja um ilegalidade de "boa-fé". Há um exemplo dessa democracia vindo da Argentina: Macri atropelou as leis e o congresso para desmontar programas kirchneristas que não dependiam do seu voluntarismo - programas que tiveram que passar pelo crivo do legislativo antes de serem implementados. 
A exemplo do que fez em São Paulo, em que polícia militar foi transformada em milícia política do PSDB, é de se esperar que as forças de segurança sigam o padrão político de repressão ao crime - por exemplo: PCC pode, torcida organizada que protesta contra o golpe, não. MST é terrorista e estudante logo vai virar. Mesmo diante da imprensa internacional a repressão política tem tido vez - um amadorismo surpreendente. 
Não acredito no fim puro e simples do programas sociais - a relevância deles é tanta que não dá pra acabar -, mas haverá um componente extra de humilhação aos que precisarem depender deles - o fiscal de pretitude é um primeiro passo.
A possibilidade de um Estado de bem-estar social, isso virará lenda: a depender do grupo golpista no poder não sobrará pedra sobre pedra: papel do Estado é reprimir movimentos sociais, oposição política e ladrões de galinha. E é aqui que está o ponto fraco do governo atual: Temer sabe fazer política de sombras dos corredores de Brasília - ameaçar, chantagear, corromper -, não sabe fazer política de negociar e conciliar: nisso pode mexer em setores ainda fortes o suficiente para pôr o governo em xeque - professores universitários e diplomatas, por exemplo, ainda que estejam quietos, como se vivessem na Terra do Nunca -, e pôr tudo a perder. Não me parece digno do cargo que ocupada e pode ser ejetado tão logo seja dispensável.
Independente do que se passe na presidência, é de se esperar algumas mudanças legais. Provavelmente virá a tão apregoada reforma política, como modo de dar aparência de legalidade democrática à ditadura em curso e afastar por um tempo mais qualquer força progressista das esferas de decisão. Não consigo nem imaginar muito do que viria numa possível reforma do tipo - Coronel Mendes deve ter o projeto já pronto. Haverá substancial reforço às oligarquias partidárias e regionais, os setores arcaicos-tecnicamente equipados da política tupiniquim. As chances de aprovação do parlamentarismo também são grandes - por mais que o sistema já tenha sido duas vezes rechaçado pela população, mas a população é de pouca importância aos ditadores. Ainda que não haja clima pra tanto, provavelmente novas regras limitarão o número de partidos, e calarão aqueles que se põem à esquerda.
Daí perguntas fulcrais e por ora sem respostas aos que tentam vislumbrar 2018: haverá eleição? Se houver, quem poderá disputar? Se se seguir pelo caminho brando, PSOL poderá participar sem direito a participar de debates - fazendo antes papel de legitimador da farsa. O PT pode sequer existir - se existir, terá novamente a forte oposição goebbelsiana da grande imprensa. O principal nome da disputa, Lula, pode ser considerado desde já um ficha-suja, por mais que ainda não tenha sido julgado - pior, por mais que não tenham conseguido achar crime para imputá-lo. A perseguição aos seus familiares mostra o estado da obra do judiciário brasileiro; Protógenes Queiroz conhecia de dentro e tratou de pedir asilo político na Suíça, seria de bom tom os parentes do ex-presidente fazerem o mesmo, uma vez que se atacado por esse lado, Lula pode sentir. Quanto a Lula, infelizmente se tornou personagem fundamental para tentar evitar um retrocesso gigantesco do país, dado seu peso político interno e externo.
Ao que tudo indica, Temer conseguirá algo que parecia impossível: fazer com que a ditadura militar seja vista até com certa nostalgia: ao menos os militares tinham um projeto de nação e um concepção de desenvolvimento - excludente, parcial e subordinado aos EUA, mas desenvolvimento -; o grupo que tomou o poder tem como único projeto a pilhagem e o butim para fins pessoais, sua subordinação aos EUA não inclui nenhuma perspectiva de desenvolvimento e a exclusão social que suas propostas claramente acarretarão chocaria muitos dos escravocratas do segundo reinado (não, não estou defendendo a ditadura civil-militar, apenas alertando aos que tanto a criticam e acham que a situação está razoável o suficiente para não se mobilizar e ocupar as ruas).

10 de agosto de 2016.

domingo, 7 de agosto de 2016

Quadrilha versão pocket

Em minha última visita a Pato Branco, um amigo me levou a um café recém aberto na cidade - a cafeteria a que eu estava habituado ele se recusou a ir, depois que encontrou bigatos em sua comida, motivo que me pareceu digno.
Estamos lá, conversando sobre várias coisas, dentre elas relacionamentos, quando a dona do estabelecimento se aproxima, troca duas palavras e sai. Nesse breve diálogo, ele diz seu nome. Apesar de ser ruim pra juntar rosto com nome, me esforcei pra ver aquele rosto como conhecido - o nome era. Perguntei se o sobrenome dela era aquele que eu imaginava - confirmou. Então contei: quase apanhei por causa dessa mulher, uns vinte anos atrás. Acho que foi a única vez que (quase) briguei por causa de mulher.
Eu tinha treze, no máximo quatorze anos. Tinha tido uma paquera que não foi muito além disso com a irmã do meio da dona do estabelecimento, quando freqüentávamos a AABB - adolescente tímido em sociedade machista é uma maravilha! A mais velha, tenho a impressão, também havia me olhado estranho algumas vezes - pouco depois seria miss Pato Branco, mas era a menos bonita, na minha opinião. A mais nova, quem se interessou foi um amigo. Falava e falava e falava dela. Louvores e louvores à beleza da menina (se eu tinha, se muito, quatorze, ele tinha treze e ela, doze) declamados em meus ouvidos já um pouco cansados daquela lenga-lenga, seguidos sempre de lamentos e lamúrias de não conseguir nada com ela. Até que ele resolveu me perguntar o que fazer. Idéia de jacu, como dizíamos na época. Eu não tinha experiência alguma, mas tinha um ano a mais que ele, que tampouco tinha qualquer experiência. Sugeri que parasse de enrolar: "chega, diz que está a fim dela e convida pra ir no cinema" (na época havia um cinema na cidade). Ele fez quase como sugeri, apenas acrescentou um "oi, tudo bem" antes. Recebeu um não da menina, que passou então a evitá-lo, e ele quis descontar o fora pra cima de mim - não chegamos às vias de fato.
Hoje a menina é uma bela mulher, casada com um dos herdeiros da família dona da cidade; adotou, é claro, o sobrenome do marido - não sei se o marido fez o mesmo, desconfio seriamente que não. Suas irmãs, desconheço o paradeiro, nem me interessei em pesquisar. Meu amigo de infância, que há mais de uma década não troco qualquer mensagem, entre coquetéis antidepressivos e inferninhos da Augusta se formou em medicina, conseguiu arranjar uma namorada, até casou - ela trocou o sobrenome, ele, claro que não -, mora nos Estados Unidos, onde é pastor (e eu torço para que ele não seja dos que agradeceram a deus pelo massacre na boate Pulse, nem ache Trump um cara razoável). E eu, bem... eu não casei, mas tentei trocar oficialmente de sobrenome - sem sucesso, por causa do hífen e da minha preguiça -; a única vez que fui líder ou dono de algo foi de um grupo de humor em que eu era o único integrante (ao menos foi divertido), e os domingos, invés de celebrar missas ou encontrar figurões locais, passo escrevendo crônicas bobas.

07 de agosto de 2016

ps: nesse ritmo de Drummond revisitado, lembrei de um poema de Jefferson Vasques, "Quadrinha revisitada":

João comia Teresa que trepava com Beth
que não gozava com Carlos que olhava (demais) pro Fred
que enrabou o Fábio que nunca havia transado.

João saiu do Brasil, Teresa, do armário,
Beth pediu o divórcio, Carlos pulou do oitavo,
o Fred purpurinou e o Fábio,
agora é Fábia e descobriu o amor por si própria
(que não tinha entrado na história)

em: Subverso, 2009, p. 74.