domingo, 12 de setembro de 2021

12 de setembro: o fiasco da tentativa de uma nova onda antipetista

Se o 7 de setembro bolsonarista foi um fiasco, o 12 de setembro da tal terceira via é até difícil de classificar. Houve forte discussão se a esquerda estaria sendo sectária ao não participar do ato convocado pelo MBL - assim como muito se debateu se o Grito dos Excluídos, que acontece há 27 anos no dia 7 de setembro, deveria ser mantido ou a esquerda e os movimentos sociais deveriam fugir e deixar a rua para os fascistas. 

Modestos mas não esvaziados, os Gritos dos Excluídos aconteceram em todo o país - e tive a impressão de terem sido maiores que em anos anteriores (quando eu participava, ainda que discretamente, da sua organização). O 12 de setembro, mesmo com convocações na grande mídia e sem o temor de "conflito nas ruas", foi um fiasco digno de nota.

Contudo, as notas tem sido postas sempre no MBL, responsável pela convocação e, portanto, pelo fracasso. Nada mais falso. MBL nunca teve organicidade nem relevância, se não for a reboque de outros movimentos - sempre de tendências fascistas, fascistóides ou fascistizantes.

Muitos temiam que o 12 de setembro tivesse considerável adesão e a esquerda ficasse escamoteada num pretenso movimento de impeachment, com a pauta capturada pela extrema-direita - tal qual aconteceu em 2013, pelo próprio MBL (surgido para confundir os incautos com o MPL que puxava os protestos) e afins. Parte da esquerda já tinha ajudado a preparar o terreno para o putsch mblista da pauta, ao focar demasiadamente na figura do presidente da República, com o #ForaBolsonaro se sobressaindo a temas mais importantes de quem o conduz (e que, sabemos, serão mantidos por um eventual governo Mourão). Era limitar todo o movimento a tirar o presidente (seja da cadeira presidencial, seja da corrida de 20220) e deixar a boiada seguir passando - tal qual explicitara o ex-secretário de Geraldo Alckmin, então ministro de Bolsonaro.

Não houve fracasso do MBL nos pífios atos de 12 de setembro. O que fracassou foi toda uma estratégia de parte das elites de repetir o movimento de impeachment de Dilma, derrota de Haddad em São Paulo e eleição de Bolsonaro: o ato deveria ter sido um fato político novo, ele marcaria uma nova grande comunhão nacional dos que não estão fechados com nem o fascismo bolsonarista nem com a social-democracia e entulhos do estado de direito (como foi o impeachment de Dilma). Não estar junto com os fascistas de sapatênis do tucanato, com a #TurmaBoa do coronel esclarecido do Ceará ou com empreendedores do movimento bolsonarista light (como bem classificou Pablo Villaça) seria pactuar com setores minoritários e radicalizados da sociedade, com os corruptos, com os autoritários. 

Com a meia dúzia que conseguiram aglutinar, apesar de toda mobilização, fica evidente quem são os minoritários, mas ainda assim devem insistir no discurso de que são eles os democratas - as análises de certos jornalistas porta-vozes do capital já apontam essa tentativa, ao culpar o PT pelo fracasso, por se recusar ao participar do ato contra o partido e contra Bolsonaro.

O ponto agora para essas elites é como conseguir derrubar Lula e o PT, para não serem obrigados a fazer uma escolha muito difícil em 2022. Devem fazer mais algumas tentativas com uma terceira via civil, enquanto aumentam os ataques às esquerdas e analisam se o enquadro de Gilmar Mendes e Temer a Bolsonaro de fato colocou o mandatário na linha que eles gostariam - ou se Mourão teria alguma viabilidade política, ou Santos Cruz. Lula, por seu turno, deve fazer também acenos, já que, em tese, sai ainda mais forte desses dois fracassos seguidos dos movimentos anti-lulistas.

Esquerdas e movimentos sociais marcaram suas mobilizações para o dia 02 de outubro. Será um teste vital para ver sua capacidade de mobilização e, principalmente, sua capacidade de articular pautas importantes para o conjunto da sociedade - desemprego, inflação, educação, saúde, comida, vacina -, e sair da armadilha de encarnar todos os males em Bolsonaro (seria interessante que conseguisse furar a cortina de ferro posta pela mídia corporativa, mas isso é mais complicado). Uma mobilização que consiga pautar o debate de temas e não de nomes.


12 de setembro de 2021

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Apetrechos que nos permitem poupar tempo e atrofiar a atenção

Logo que saí da cidade de meus pais para estudar, eles compraram os móveis para minha nova casa, e dentre eles estava uma máquina de lavar roupas - meus amigos geralmente tinham tanquinhos, ou levavam no fim de semana para a mãe lavar (impossível para mim e as vinte horas que me afastavam da minha cidade natal). Como a máquina faz tudo, é pôr sabão e amaciante nos devidos compartimentos, ligar e ir fazer outra coisa: nunca tive necessidade de esfregar uma roupa, para decepção da minha mãe, que se queixa do que ela chama de "encardido" nas minhas camisetas brancas - que eu prefiro chamar de "cor adquirida naturalmente com o tempo e com o uso e que não a desabona". Por muito tempo acho que esse foi o único facilitador das atividades corriqueiras que tive.

Já morando na capital, comprei uma máquina de fazer pão (em Campinas eu preparava na mão): era pôr os ingredientes, decidir a hora pra ficar pronto (geralmente pela manhã, logo quando eu acordo) e não me preocupar mais. Tempos depois, influenciado por uma ex-companheira, adquiri uma panela de arroz: ainda que seja algo fácil de fazer, a referida panela evita que o arroz queime (e também que fique bom como quando preparado com temperos e tudo o mais no fogo). Outra aquisição foi uma chaleira elétrica: ao invés de ter que ficar cuidando para ver a hora certa de desligar o fogão para a água do chimarrão, correndo o risco de ora desligar muito fria, ora muito quente, é marcar os 80ºC e atender os insistentes pedidos de carinho que Guile, meu gato, sempre faz quando me ponho diante da pia da cozinha ou do fogão. Faz um tempo também que me muni de um robô de limpeza, um modelo recomendado, ainda que antigo, por não ser controlado por aplicativo, e que parece ter um sensor que identifica onde há focos de maior sujeira e se desvia deles.

Ou seja, enquanto escrevo esta crônica, é possível que "eu esteja" também lavando a roupa, limpando a casa, preparando pão, arroz e esquentando a água do chimarrão (além de ouvindo música, claro). 

Mais provável, contudo, que esse tempo que ganho com as quinquilharias que tenho em minha casa sirvam para eu perder uma hora a mais na internet com desnecessariedades supérfluas e redes sociais. Guy Debord, na tese 153 de seu livro de 1967, comentava que os avanços no ganho de tempo das atividades e deslocamentos ordinários das pessoas era revertido em tempo defronte a televisão: no século XXI, o avanço tecnológico nos permitiu ganhar ainda mais tempo e nos oferece como contrapartida um verdadeiro ralo de tempo, um meio de perder ainda mais tempo de modo demi-produtivo - produtivo para o sistema capitalista, não para nós.

Contudo, há algo mais que esses facilitadores da nossa rotina alteram, que é a nossa percepção e a própria relação com tudo o que nos rodeia: o pão que fica pronto na hora definida é diferente daquele que você decidiu pôr mais ou menos farinha na hora da sova, e que a depender da fome, preferiu não deixar crescer tanto; o robô que faz a faxina mudou drasticamente minha relação com minha própria casa: que sempre limpei por conta, e desde uma residência artística em dança com Edu Fukushima e Bia Sano, em 2016, passei a passar pano na mão e não mais com rodo (https://bit.ly/cG170107), era uma forma de me irmanar de meandros invisíveis dos entre-móveis - experiência hoje cada vez mais rara. 

Notei isso recentemente, quando comprei uma máquina de café expresso - com pandemia, não vinha mais tomando café fora de casa, e sentia falta do expresso. Como acho máquinas de cápsulas uma produção cretina de lixo - e ainda por cima cada café fica caro como beber fora -, optei por uma máquina "comum", dessas que se põe o café no cachimbo, aciona o botão e desliga quando julga que há líquido suficiente. Cada vez mais desacostumado a ter atenção a esse tipo de tarefa, num de seus primeiros uso, liguei a máquina e fui fazer outra coisa, resultando em café transbordando da xícara. 

Então é isso? Não posso ter trinta segundos de atenção ao que está sendo preparado por mim e para mim, porque preciso otimizar meu tempo e curtir mais seis ou sete fotos que aparecerem no Instagram? E questiono: se não conseguimos mais ter atenção e dedicação em tarefas simples e rápidas do dia a dia que nos afetam direta e imediatamente, na hora que precisamos estar presentes e concentrados em tarefas mais complexas, teremos mesmo capacidade para tanto? Ou vamos picotar nossa atenção a cada apito do celular, para ver qual é a notificação e para não nos entendiarmos em fazermos a mesma coisa por uma hora (ou dez minutos) sem interrupção?


30 de agosto de 2021.