quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Efeito borboleta de um e-mail corporativo enviado equivocadamente [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça.]

A história começa de um modo simples e despretensioso: um funcionário mandou e-mail em que perguntava se havia vaga em outro setor. Tudo certo, não fosse um erro: ao invés de mandar para a pessoa responsável, o e-mail foi para todos os funcionários. Isso também não é novidade: ao menos uma vez por mês recebemos um e-mail que era para alguém bem específico - infelizmente, até hoje nunca chegou algo picante, digno de embalar o horário do café. Também não é novidade vários colegas responderem reclamando do equívoco, que isso está enchendo a caixa de e-mails deles (como se tivessem 10mb de espaço), pedindo pra sair da lista (o que só é possível mediante pedir as contas), criticando quem não sabe usar e-mail.

Desconheço o colega que queria transferência de setor, mas a novidade foram as respostas que surgiram e os seus desdobramentos. Primeira novidade: o setor respondeu de pronto, mas para todo mundo também, solicitando o currículo. A seguir, vieram os clássicos de estarem enchendo a caixa de e-mails (e são esses os que mais enchem as caixas de e-mail), de  querer sair da lista de todos os funcionários e xingamentos a quem não sabe usar e-mail em pleno 2023.

No meio do caminho, nova novidade: alguém foi mais específico, e naquele tom de educadamente puto, respondeu “Por gentileza, encaminhar o e-mail somente ao interessado”. Pessoal gostou e resolveu repetir a frase, enchendo ainda mais a caixa dele e de seus colegas que se incomodam com mensagens do tipo. Virou praticamente uma hashtag nos e-mails institucionais - inclusive foi nessa hora que o nobre colega Macedo me avisou dessa treta interna. Talvez o colega que queria transferência tenha feito isso - eu, ao menos, não recebi seu currículo -, mas a discussão ganhou corpo e outros colegas aproveitaram o ensejo para mandar o currículo de conhecidos - e eu acho que fizeram para provocar os que só reclamam. Mais que isso: alguém puto com os emputecidos que enchem a caixa de e-mails alheios reclamando que estão enchendo suas caixas de e-mail mandou um e-mail para todos criticando quem critica quem comete esse tipo de equívoco e gerando nova contenda, em outra discussão por e-mail, que enche a caixa de e-mail de todos.

Voltando à discussão inicial. O funcionário do setor de compras, pelo visto uma pessoa bastante estressada e desgradável, que já tinha mandado dois e-mails reclamando que estavam enchendo a caixa de e-mails dele, apareceu mais uma vez, agora dizendo que aquele era um e-mail corporativo e não pessoal, e se fosse por esse caminho, logo estariam anunciando venda de veículos - o que nunca tinha acontecido até então, apesar de todo mês ter e-mail desse tipo, com respostas reclamando e blábláblá, como eu já disse acima. 

Contudo, a ideia do colega do setor de compras parece que encontrou eco. Se não chegou ao ponto de anunciar carros, o povo começou a anunciar de brigadeiro gurmê a casa na praia para o carnaval. Virou praticamente uma feira do rolo virtual interna, para desespero dos mal humorados, que seguiram se queixando, agora em meio a ofertas de produtos variados. 

De minha parte, minha queixa até agora é não ter aparecido nada que me apetecesse, mas avisei o nobre colega Goreti, que revende óleos essenciais e produtos de babosa.


16 de fevereiro de 2023

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Meu primeiro carnaval (na Avenida Faria Lima)

Digamos que carnaval nunca foi algo que me atraiu. Gosto do feriado, não reclamo, como muitos: foliões lá, eu cá, e está tudo bem. Em 2013, quando os bloquinhos ainda podiam ser tratados no diminutivo, Misson muito insistiu para que eu fosse com ela - e eu cogitei aceitar o convite, desde que fôssemos fantasiados de palhaços depressivos. Ficou para o ano seguinte, mas Misson partiu antes, e a ideia de pular carnaval acabou por aí.

Mas eis que dez anos depois, num sábado fresco e chuvoso, estou eu pronto para estrear na segunda festa mais popular do Brasil, meu primeiro carnaval de rua em São Paulo - ainda no pré-carnaval. O que mudou assim tão repentinamente? Fácil: o trabalho exige que eu vá. Dá para imaginar minha animação, ainda mais diante do que acompanhei dos bastidores e vivenciei na “organização”.

Vestido com o “abadá” da prefeitura (que alguns amigos acreditaram se tratar de fato de fantasia), desço na estação Eucaliptos e vou caminhando até a avenida Faria Lima. O caminho pelo bairro de Moema me é indigesto: assumo que regiões endinheiradas e segregadas me soam anti-cidade. Frequentei o bairro algumas vezes, acompanhando minha ex-namorada e sua família em restaurantes (pago pelo pai dela, claro, pois não tenho condições), e assumo que isso é algo que não sinto falta: diante da miséria que nos circunda (por mais que não seja visível em Moema, que é um bunker a lá Nós, do Zamiatin, assim como Perdizes e Pinheiros), gastar valores absurdos para comer me soa ofensivo - sim, aproveitei a oportunidade e comi em restaurantes caros, mas nunca tive orgulho disso, não. Assim como nesse sábado de pré-carnaval vivencio a experiência de caminhar entre foliões (mesmo que poucos) da avenida onde circulam os mais executivos mais endinheirados e descolados do Brasil. 

Parafraseando Belchior: cabelo à chuva, gente branca reunida. Me senti num Sesc: foliões brancos em sua enorme maioria, poucos negros, e todos com um estilo de vestir muito óbvio, um descolado caro; as pessoas todas muito bem comportadas, nem mesmo um grupo mais POC - que fosse POC de carnaval! Tanto que a festa correu sem nenhuma ocorrência. 

No trio elétrico, os blocos cantavam em meio a loas à prefeitura e aos patrocinadores, repetindo o slogan da cerveja ruim do trio de golpistas da 3G. Faço uma correção: negros havia: nos vendedores de cerveja, nos garis, nos seguranças, nos policiais - nos serviçais em geral, como no Sesc.

Eu poderia alegar que, por estar a trabalho, não entrei no clima da festa, mas estaria mentindo: não entrei porque há algo que está para além do meu campo de possibilidades existenciais (serei eu moderno, demasiadamente moderno, a ponto de não conseguir experienciar vivências mais comunitárias, carnaval, religião, transes, grupos homogeneizados?). Admiro quem tem efetivamente essa capacidade de festa comunitária (suspeito que a maioria apenas vive um kitsch de comunidade e transcendência), e ainda o faz com senso crítico.

Eu sigo observando à distância, mesmo próximo, percorrendo essas experiências como um estrangeiro que há muito não é turista, e está ciente e conformado da sua condição estrangeira.


11 de fevereiro de 2023


PS: No domingo trabalhei na Henrique Schaumann, em Pinheiro, basicamente a mesma coisa: ainda que com um pouco mais de negros, a maioria dos poucos que apareceram era branca.