quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Desalienando (mais um pouco) e cafeinizando (um pouco demais) meu sobrinho [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]


Tem gente, viu, que vou te contar: não aprende. Eu sou uma delas, mas não é de mim que vou falar hoje. Não sobre isso. E sim sobre meu irmão, que resolveu ficar bravo comigo por ter cuidado de meu sobrinho.

Pois eis que ele, querendo tirar um fim de semana para o casal, despacha o moleque para passar o fim de semana comigo. Isso não é de todo um problema, gosto do garoto, que tem entre seis e doze anos - não sei direito e, já disse, não vejo três ou seis anos como grande diferença para precisar toda essa precisão de idade -, ele é bem comportado e permite exercer meus dotes pedagógicos. 

Junto com a criança chegou uma mala de roupas, outra de comidas, como se na minha casa só tivesse pão e água, e uma lista com um sem fim de proibições que a escola Woldemorf impõe, que faz eu me sentir um carcereiro, um São Pedro laico, um não-cuidador - além de ficar com dó da criança, de não poder tanta coisa numa idade em que se deveria experimentar muito da vida. Dentre os itens estão a proibição de celular, tablet, televisão e cinema, “mesmo de filmes que VOCÊ julgue educativos”; de esportes radicais, programas noturnos, uso de furadeira, roçadeira, serras de todo o tipo; o uso de serrote é permitido, desde que “com supervisão de um adulto responsável” - e achei que havia aí alguma indireta, porque ele não falou “sob sua supervisão”, mas de um genérico “adulto responsável”. Também estavam proibidos “refrigerantes industrializados, sucos prontos, drogas lícitas e ilícitas, cappuccino, café com ou sem açúcar”. E isso reforçou minha impressão de que ele me acha um idiota, como se eu fosse dar conhaque no café da manhã pro menino antes de ele fazer dezoito anos. Reforçou também minha impressão de que à pobre criança melhor não conhecer a felicidade, para não sofrer quando adulto - ainda que a pedagogia Wondermort diga o contrário. Sobrou, então, teatro infantil e parque durante o dia, leituras e conversas durante a noite.

Creio que meu irmão deixa a criança comigo como forma de cobrar a dívida que tenho com ele - um empréstimo que fez para que comprasse meu teto, e que pago religiosamente 2% ao ano (2% é a quantidade que devolvo do empréstimo, não os juros, afinal, usura entre família é pecado; a não ser com os parentes fascistas, como ele mesmo faz, e eu acho que 2% de juros ao mês é pouco, mas o dinheiro é dele).

O fim de semana passou relativamente tranquilo. No sábado assistimos à peça "Quando eu morrer vou contar tudo pra deus", sobre uma criança africana tentando migrar para a éden europeia, que fez com que eu tivesse que explicar algumas coisas sobre o mundo a ele, já que os pais o mantinham na ignorância. Expliquei sobre guerras, genocídios, exploração capitalista, hipocrisia europeia-ocidental, a inexistência de deus, tudo, claro, adaptado à sua presumida idade e sem detalhes chocantes - até porque eu mesmo não gosto desses pormenores do mundo-cão. Ele se mostrou impressionado, quis saber mais sobre o genocício palestino e porquê as pessoas passam fome na África.

No domingo pela manhã que, talvez, eu tenha dado vacilo. Seguindo os hábitos adquiridos em minha experiência portenha, acordei cedo e preparei um mate - aqui conhecido como chimarrão -, com a melhor das minhas ervas (leia-se a mais forte) e ofereci uma cuia ao menino. Pus açúcar, claro (antes que algum eventual gaúcho venha me criticar, aviso que na Argentina eles tomam com açúcar, porque a erva deles é forte demais). Na lista de proibição falava-se em café, não em cafeína. A primeira cuia ele tomou lentamente, como se degustasse da bebida. Foi bonito de ver, era um novo mundo de sabor que desabrochava à minha frente. Seguimos a conversa enquanto mateávamos, sendo que a segunda e a terceira cuia ele tomou mais sofregamente. 

Comecei a notar alguns comportamentos diferentes, de modo que neguei a quarta cuia. Ele até tentava permanecer sentado, mas o bicho simplesmente quicava no sofá à minha frente, falava numa velocidade de locutor de futebol em transmissão AM tudo o que tinha aprendido durante a semana na escola. Juro que vi ele tremendo. Temi que a cafeína tivesse ligado o temido botão de ligar do garoto, que se tornaria o saci de duas pernas e viraria minha casa de ponta cabeça, roendo os pés do meu sofá e arranhando as almofadas, enquanto não lhe oferecesse mais um pito, digo, cuia - óbvio que eu não ofereceria um calmante natural a ele, já fiz duas vezes o famoso “curso do padre Ticão”, e aprendi com Sidarta Ribeiro que maconha só depois dos trinta. Lembrei do Tweek, personagem do South Park. Para redução de danos, fomos ao parque, bater uma bola - na verdade, eu jogava a bola para ele ir buscar, pra ver se ele gastava todo aquele excesso de cafeína antes de voltar para casa. Como o método Wondermort cria a criança para ser quase um golden retriever (que sabe cozinhar, costurar e cantar, além da taboada), deu certo. Quando meu irmão veio buscá-lo, início da noite, estava babando no sofá (e agora tenho isso para jogar na cara dele, pois a mancha segue lá, três dias depois, sei lá que alimento radioativo tinha na mala de alimentação saudável da criança).

Mas não foi só a mancha que me sobrou para além do final de semana. Na segunda-feira, logo cedo, recebi um áudio absolutamente irado de meu irmão, me criticando ferozmente por ter apresentado um pouco do mundo a uma criança alienada (claro, os termos dele não foram esses), ao comentar das guerras, da fome, do genocídio, do lawfare e da falta de sentido na existência - o que não nega que a vida tenha valor, segundo Camus, que cheguei a ler um trecho para ele. 

Eu acho que esse pretenso esporro foi só para agradar à esposa - ou então eles tem problemas cognitivos e não conseguiram ainda entender que eu sou eu, para confiar o filho a mim, assim, sem uma lista deverasmente extensiva do que não fazer e do que fazer, e que eu vou desrespeitar em parte, de qualquer modo. E se ele ficou pistola só de termos tido uma conversa saudável, estou só esperando a hora que souberem que dei chimarrão pro menino.


29 de fevereiro de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Musculoso e desmoralizado [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem g

Você que me acompanha, a desocupada leitora, o desocupado leitor, deve ter notado que falei do meu brotinho recentemente - a que me ensinou que o novo cringe é não ser cringe -, o que significa que a alergia dela a gatos passou, assim como a vontade de motel, para alívio do meu bolso, e de transar no quarto ao lado do dos avós, para alívio da minha consciência. 

Sem ter que gastar em motel e querendo ganhar (ou seguir com, segundo ela) uma boa impressão, decidi começar a fazer academia e usar cremes, até para não acabar acabado como o colega doutor Sabujinho. E também para ninguém ficar achando que sou o tiozão decadente que pega moças mais novas todas lindinhas só porque paga as contas, vulgo suggar daddy - ou mecenas, para não ser cringe -, sendo que essa possível impressão é algo que incomoda muito meu broto. 

Minha primeira sorte é que ela tem mau gosto para homens (já brigamos por causa isso e não tem como ela me provar o contrário estando comigo). A segunda é que salvo o motel, todas as demais contas, cada um paga a sua - a vez que ofereci pagar o Uber dela, não teve papas na língua:

Quando você pagar meu aluguel e meus luxos, deixo gastar com essas miudezas.

Contudo, quando saímos juntos, eu pago a conta inteira, e ela me faz o piques em seguida. Não, isso não é um desejo de fingir que sou o tiozão da lancha, é só que meu cartão dá o triplo de milhas e vamos viajar para o estrangeiro nas próximas férias escolares. Calma, meu brotinho não é tão jovem, ela é pedagoga, e não estudante, muito menos secundarista (não sou o doutor Sabujinho, por favor!).

Hoje, no almoço, até o nobre colega Macedo notou que minha pele estava melhor - o que mostra que eu estava já meio mal encaminhado. Isso mostra que o creme faz alguma diferença, assim como a expectativa para encontrar meu broto depois do expediente. À noite foi a vez dela notar minha evolução estética e falar de meus músculos recém surgidos. O duro é que ela o fez de uma maneira não muito lisonjeira.

Estávamos no banho, ela foi esfregar minhas costas quando notou minha nova forma, e não se furtou a exclamar:

Nossa! Que costas musculosas são essas?! Eu já tinha notado os braços.

E antes que eu pudesse perguntar “gostou?”, ela me questionou de pronto:

Você tem batido muita punheta?

Eu desacreditei incrédulo da desconfiança dela. Murchei.

Poxa, como assim punheta? Tenho ido na musculação quase todo dia!

E eu lá vou saber? Você nunca posta!

Também não posto vídeo me masturbando.

Mas é diferente.

Parece que é a foto que faz ficar musculoso, não os exercícios.

Não é isso, mas selfie de academia é bom tanto para estimular a continuar quanto para acompanhar a evolução.

Entendi seu argumento milenal, ou geração z, ou geração y, ou funeral, ou geração a, ou b, ou x (nunca sei quem é de qual geração nessa classificação dos publicitários de segunda categoria), e tomei uma resolução: a partir de agora, me esperem, vai ter todo dia uma dúzia de fotos comigo defronte o espelho  da academia, mostrando os músculos e o suor escorrendo. E fazendo duck face! E com frases motivacionais de pura vida e gratidão! Mentira! Minha resolução é ver se se masturbar dá mesmo tanto músculo, porque é bem mais interessante que ir puxar ferro. 

Me desejem sorte (e mandem um vídeos motivacionais para isso).


21 de fevereiro de 2024

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.