terça-feira, 9 de abril de 2024

Tilt Test [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Dia desses andei tendo umas vertigens estranha. Uma vez, vá lá, acontece. Duas, a gente fica alerta. Quatro, aí a preocupação aperta - ainda mais depois de consultar o Google. Porque se as vezes que tive essas vertigens foram em casa, sem maiores riscos, imagina se a tenho na rua, se desmaio no meio do centro de São Paulo num início de noite ermo. Ou, então, acontecer de eu ir num restaurante caro e logo em seguida ter a tal vertigem e devolver a comida, como aconteceu na terceira vez - em que acreditei que a tontura era por conta de algo que comi, mais especificamente um gorgonzola com nozes, macadâmia e damasco, turbinado por fungos outros, que só vi depois de vários pedaços -, seria muito frustrante e uma grande perda de um dinheiro que não me sobra tanto assim.

Após a quarta vertigem em menos de um mês, como disse, fui perguntar ao Google o que mais poderia ser, além da óbvia labirintite com a qual eu já havia me auto diagnosticado. As opções iam de estresse e ansiedade a tumor no cérebro em estágio avançado - e eu estou com uma pinta estranha nas costas, já faz um tempo, que temo poder ser um melanoma, vai que já se espalhou...

Conto para o Brotinho, que praticamente me obriga a marcar médico - o que eu já ia fazer, a diferença é que por influência dela acabo indo para um neurologista e não para um oncologista, como pretendia.

O médico me faz uma série de perguntas, descartando logo de cara minha nova certeza (de início, achei que era só porque não é a área dele): tem dormido bem? Não. Se exercitado? Não. Tem andado estressado? Muito - afinal, nos encarregaram de preparar pequenos cursos de apresentação do setor aos novos contratados, o que já me desagradou, mas tudo piorou quando Desembargador propôs que sejam teleaulas, proposta aceita com entusiasmo pelo chefe, que anunciou esses dias que já tinha alugado o estúdio.

Até a labirintite ele praticamente descartou de cara, centrando no estresse. Por via das dúvidas, preferiu que eu fizesse alguns exames. Um deles, que necessitava de acompanhante, era o “Tilt Test”. Chamei Macedo para me acompanhar, e ele concordou que o exame soava assaz interessante pelo nome.

Sabe como é?

Segundo o médico, me amarram numa mesa e medem minha reação às inclinações dela.

Achamos muito pouco para um exame de nome tão convidativo. E enquanto esperávamos eu ser chamado, ficamos imaginando o quão interessante não seria.

Lembramos dos tempos do fliperama, quando chacoalhávamos demais a mesa de pinball e vinha o aviso de tilt. Nos pareceu razoável, chacoalha pra lá, chacoalha pra cá, tipo o brinquedo samba dos antigos parques de diversões, mas em versão compacta, e vê como o sujeito lida com todo o sacolejo: se só fica tonto, se passa mal a ponto de querer devolver o que poderia ter no estômago (fica como caso hipotético porque eu estava em jejum, inclusive de água), até o ponto de desmaiar - daí a necessidade do acompanhante. Achamos que um chapéu mexicano compacto seria pouco provável, pois exigiria uma sala muito grande - mas não deixaria de ser interessante, a pessoa presa pelos pés, sendo rodada alucinadamente, ver se reagem bem a esse teste, ao que eu lembrei que aí não seria tilt.


Entrei na sala, colocaram o eletrocardiograma em meu peito e o medidor de pressão no braço. Me amarraram numa maca simples. Fiquei a me perguntar se seria manual o tal tilt test, um enfermeiro bombado dando trancos na maca, sacolejando-a e inclinando-a até eu passar mal - não seria um emprego tão chato assim, além do mais. Mas, quê?! Eu imaginando que seriam poucos minutos sem fim de angústia e sensações diversas no meu corpo, mas nos quarenta minutos que durou, tudo o que passei foi tédio. Vinte minutos inclinado a vinte graus, outros vinte a quarenta graus, depois volta. Me perguntei se o jejum antes de evitar sujar a sala toda, não era para evitar refluxo, mesmo.

Está tudo bem? Não está passando mal, muito enjoado?

Me pergunta a enfermeira, como se eu tivesse passado por um teste pesadíssimo.

Do lado de fora, Macedo me esperava ansioso pra saber como foi.

Todo esse tempo, deve ter sido sofrido, não? Ou essa demora foi para conseguir ficar bem até conseguir se levantar de novo?

Como a desocupada leitora, o desocupado leitor que chegou ao fim deste texto, Macedo também murchou com todo o sem graça do tal "Tilt Test". E, sim, era só estresse, mesmo.


09 de abril de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

domingo, 24 de março de 2024

Minha beleza peculiar [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Meu Brotinho tenta ser uma boa pessoa e sincera, sempre que possível - e nem sempre é possível, aí ela acaba ficando calada. Já eu, também tento, mas muitas vezes deixo a sinceridade falar mais alto. E o Broto tem como um de seus principais defeitos a dificuldade em aceitar críticas, o que faz com que discutamos seguidamente sobre os mesmos assuntos, em especial, sobre seu mau gosto.

A primeira vez aconteceu pouco depois de ela me mostrar fotos de alguns de seus ex: era um mais feio que o outro. Não disse nada de início, mas ao me ver no espelho, no fim daquele mesmo dia, vi que ela seguia um padrão, e precisei admitir que eu também sou provido de marcado comedimento estético. Comentei com ela no nosso encontro seguinte, da minha sorte por ela ter mau gosto para homens, ao que ela se ofendeu. E segue se ofendendo, sempre que a recordo disso - quando ela quer mudar a decoração da minha casa, por exemplo. A história parece esquete de humor repetida à exaustão, sempre que recuso alguma sugestão ligada à estética por parte dela.

Vai dizer que agora você não confia no meu bom gosto?

Olha para ela com meu olhar 46, aquele assim, meio de lado, já descrendo, indo embora (sim, fugi da métrica), fazendo meia careta, apesar da admiração, e ela sempre pergunta:

Que foi?

Bom gosto, meu Broto? Desculpa...

Ela se emputece (fica até mais bonita nessas horas), enfileira filmes ou peças de teatro que me indicou e eu gostei, como se isso fosse prova de bom gosto. 

Claramente ela acredita nessa história de cara-metade e, pior, que a tal cara metade é seu espelho e não seu negativo. Como eu disse, apesar da sinceridade, tento também ser bonzinho, então evito constrangê-la, e nunca perguntei no que eu seria esteticamente belo - e ela também, além de dizer genericamente que eu sou bonito, nunca conseguiu fazer nenhum outro elogio: seu amor à sinceridade a impede. Claro, isso não quer dizer que eu não tenha minhas belezas interiores, ou não seguiria comigo - mesmo eu sendo um baita mão de vaca que já fez ela subir a Augusta de salto agulha, sob a desculpa de que o trânsito ali nos faria ficar parados e vulneráveis a assaltos, quando era óbvio que o problema era gastar para andar tão pouco (e, confesso, esse nível de emputecida não deixa ela mais bonita).

Mas as coisas mudaram, e após mais de um ano, finalmente ela me elogiou por algo específico! Sei lá o que estávamos fazendo (na verdade, eu sei, mas deixa quieto), sei que ela pegou meu braço e quase o torceu:

Olha isso!

Que foi?!

Perguntei assustado, imaginando que havia algum problema, um furúnculo, um osso fora do lugar, uma pinta que mostra um melanoma avançado.

Que cotovelo hidratado!

Hein?

E você nem passa creme, né?

Não...

Pois, então, é muito difícil ter um cotovelo hidratado assim!

Pois é, ela achava finalmente o que me elogiar: meu cotovelo hidratado. Achei que estava tirando sarro, mas não estava. E ficou tão empolgada com isso que, dias depois, quando encontramos com Fernández FDT, ela fez questão de mostrar meu cotovelo para ele.

Olha, olha que cotovelo hidratado ele tem!

Ele concordou, ainda que sem entender muito o porquê daquilo. Até perguntou se o dele não era também, ao que meu Broto fez uso de sua sinceridade sem abandonar sua boa pessoa:

Até é hidratado, perto do normal, mas nada se compara ao do Sérgio!

Tive a impressão de que Fernandez ficou com inveja de meu cotovelo. Já eu, agora sei do que posso me gabar esteticamente: de meu cotovole hidratado.



24 de março de 2024.


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.