segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Ah, as maravilhas da tecnologia...

A tecnocracia da Unicamp encheu a boca para falar das maravilhas do Cartão Universitário, conhecido inicialmente como CU, que depois eles tentaram chamar por Cartão Inteligente, um nome menos constrangedor (mas completamente inverídico). A grande inovação do CU era que se tratava de um cartão atrelado a um banco privado e a uma operadora de cartão de crédito, que tinham, inclusive, direito de estampar suas logomarcas maiores do que o símbolo da universidade. Dado a recepção nada amistosa dos alunos da Unesp – que implementou primeiro tal modelo de cartão –, com ocupação de bandejão por várias semanas e ondas de protesto, a Unicamp evitou problemas parecidos e mudou a aparência do tal CU, deixando somente seu símbolo – sabe-se lá a qual preço no contrato firmado sob sigilo com o banco e a operadora de cartão.
Outra grande vantagem que diziam que o CU traria era maior agilidade e modernidade nas operações corriqueiras dentro da universidade – como o empréstimo de livros. Uma grande mentira, visto que, salvo a entrada no bandejão, as facilidades acarretadas pelo cartão dependiam do código de barras que ele trazia estampado e que o cartão antigo também trazia (não estou aqui encarando como uma “facilidade” dificultar, atrapalhar, e alongar a entrada em bibliotecas e outros locais da universidade); mas aproveitaram a deixa para dizer que era tudo graças ao “Cartão Inteligente”.
Antigamente, o bibliotecário precisava digitar o seu código de estudante, o código do livro, pegava um carimbo e marcava na sua carteirinha a data de devolução do livro. Hoje, ele passa seu CU no leitor ótico, depois o código de barras do livro e carimba na fim do livro a data de devolução.
Eis minha grande surpresa hoje com essas maravilhas tecnológicas, quando fui renovar um livro pego na biblioteca central. Tratava-se do livro “Uma teoria da justiça”, do filósofo John Rawls, uma importante obra da filosofia política da segunda metade do século passado. A Unicamp possui apenas dois exemplares do livro e não fosse eu com minha mania de ser honesto, a partir de hoje teria apenas um.
Semana passada, havia pego o referido livro, mas no sistema estava registrado outro, um tal de “Speed-the-plow” (?!), de outra biblioteca. Sorte minha que o livro estava na prateleira e assim ficou evidente o equívoco. Resolvido o problema, renovei o livro do Rawls, ou melhor, agora sim retirei ele conforme manda o figurino. E não é que descubro que não estou com esse livro emprestado? Ao invés de registrar na minha conta, saiu na de um outro Daniel. Imagino se eu resolvesse ficar com o livro pra mim, pelo menos por ora, enquanto preciso dele, e que me pouparia de ter que ir toda semana renová-lo, ou mesmo ter que devolvê-lo, caso alguém resolvesse. O pobre infeliz do outro Daniel ganharia uma suspensão considerável (são quatro dias de suspensão por cada dia atraso) enquanto não restituísse a Unicamp do livro que perdera (na internet, o livro está na faixa do R$ 90,00).
Para surpresa ainda maior, fui verificar quantos livros emprestados eu tinha registrado no sistema, e dos cinco que tenho aqui em casa (descontando o supracitado), apenas três estão constam no sistema. Ou seja, poderia, em uma semana, ter ganho três livros (dois deles importados)! Não é de surpreender que são muitas as histórias de livros que desapareceram desde que o sistema foi mudado. Mas o importante é que a Unicamp parece moderna, chique, cosmopolita, vanguarda, tecnológica, in para todos aqueles que vêm de fora visitá-la. Para a tecnocracia, diante de todas as vantagens que a evolução e a tecnologia trazem, todos os custos são insignificantes.
Por isso que eu sempre digo: “cartão inteligente: burro é quem usa”.

Campinas, 14 de agosto de 2006

PS: Mandei minha reclamação pra ouvidoria da Unicamp, ligada ao sistema de ouvidorias do estado. Vamos ver o que dá, se é que vão responder; ou se eu fiz outra vez papel de palhaço-cidadão.

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