segunda-feira, 22 de outubro de 2001

Que importa o passado? O que eu quero é o futuro!

Domingo passado, vi na Folha uma foto inédita do interior do Theatro Carlos Gomes, destruído na década de 40 devido à construção do Theatro Pedro II. Veio-me, então, "fotos" inéditas do meu passado e me surgiu a pergunta: por que esse desprezo com o passado? Prédios, objetos, lembranças parecem ser um empecilho para o Progresso – seja de uma cidade ou de uma pessoa.
Essa descartabilidade do passado talvez seja reflexo dos produtos descartáveis que o capitalismo produz e que nós consumimos. Já imaginou se na época da mineração, em Ouro Preto, para a construção de uma nova igreja se destruísse a antiga?
Mas não é de igrejas e theatros que eu queria falar; apesar que esses são bons exemplos, afinal, o que ocorre na sociedade não deixa de ser um reflexo do pessoal, e vice-versa. Na correria do dia a dia, nos mil planos que temos em mente o passado é-nos um estorvo pesado e inútil – hoje, tudo aquilo que não se vislumbra uma utilidade próxima é tido como de valor desprezível – que temos pressa em nos desfazer.
Claro, tudo o que vivenciamos acaba deixando marcas, é a nossa experiência de vida, a qual faz permanentemente um elo – inconsciente – entre o passado e o presente. Entretanto as lembranças conscientes nós procuramos destruí-las, sejam elas boas ou más, tal como na revolução cultural de Mao, na China comunista. Das nossas lembranças restam sempre apenas cacos, algumas partes e, vez ou outra, vêm à luz soldados de barros que estavam escondidos e que por isso não destruímos.
Argumentar-se-á que guardamos apenas aquilo que é importante. Pode ser. Daqui vinte anos, por exemplo, o que nos lembraremos deste primeiro ano de faculdade? Um que outro rosto, alguns nomes, fatos curiosos. O quotidiano esqueceremos. Mas é do quotidiano que nossa vida é feita.
O que fazer, então? Não destruir o passado é ser contra a ordem vigente, e nadar contra a maré costuma ser cansativo e dolorido. Porém, seguir a maré parece ser ainda pior. É preocupante essa fissura no futuro que há hoje (reflexo da época em que as bolsas mandam no mundo?). O passado é importante. Não somente como bagagem de vida, como também para evitar que sigamos cometendo os mesmos erros, e para um melhor auto-conhecimento, para sabermos quem fomos, quem somos, quem seremos.
Estamos tão acostumados a jogar nosso passado no lixo, a desprezá-lo, que nem percebemos. Antes fosse "apenas" o passado. Na ânsia de estarmos prontos para quando o Amanhã chegar, acabamos por jogar nosso presente no lixo. Você discorda? Então responda: como você aproveitou o dia de hoje? Quanto tempo você "perdeu" naquilo que te dá prazer (drogas não conta, é um caso diferente)?
Em nome do Progresso destruímos nosso passado e sacrificamos nosso presente.

Ribeirão Preto, 22 de outubro de 2001

segunda-feira, 15 de outubro de 2001

Etiqueta básica de como não se portar num concerto

Eu sei que ninguém nasce sabendo. Por isso escrevo, com base no que já presenciei, algumas dicas de como não se portar num concerto:
* Concerto no teatro é diferente de barzinho com som ambiente. Portanto, vá ao teatro para assistir à orquestra, não para pôr fofoca em dia. Os demais presentes no recinto provavelmente não estão interessados em saber que teu namorado te chifrou, ou que você está tendo problemas no serviço, muito menos nos teus comentários sobre a novela do SBT.
  * Se você não estiver gostando do concerto durma. Mas, por favor, não ronque, que incomoda. E não se deite no ombro de quem está ao seu lado se esse alguém não for teu conhecido. Ele pode não gostar.
* Se você não quer dormir, aproveite o intervalo entre duas músicas e educadamente peça licença e se retire.
* Se você costuma não gostar de orquestra, compre um lugar na extremidade da fileira, e não no centro. Assim é mais fácil sair sem incomodar os outros ou dar pontapés nas suas cabeças, ao pular o banco, quando se está sentado num dos andares.
* Se você se entediar e não quiser dormir nem puder sair, preste atenção na roupa dos outros presentes, você sempre encontra uns tipos bizarros, tais como: casais vestidos para baile de gala, um anormal de camiseta furada e manchada e calça por passar, uma guria de bota cano alto, mini-saia bem mini, enfim, uma típica moça da geração filhos da Xuxa; um piá se achando o enviado do demo por usar uma camiseta com o monstrinho do Iron Maiden, uma madame de casaco de pele (em plena Ribeirão!), e outros espécimes raros.
* Tossir é normal. Agora, se você tem acesso de tosse, desses escandalosos, que duram cinco minutos, compre um lugar no canto da fileira, e se retire quando um desses acessos vier.
* Faça um esforço e não coma bala durante a música. Quer dizer, comer bala não é o problema, o problema é o barulho – digamos, irritante – que se faz quando se está "desembrulhando" balas tipo Ice Kiss, ou chacoalhando o potinho de Tic-Tac. Use os intervalos para isso.
* Bocejar é normal, mas seja discreto. Boceje silencioso, evite os AAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHH que costumam acompanhar os bocejos.
* Desligue seu celular. Não importa que a musiquinha que você pôs para tocar é a nona sinfonia de Beethoven, e que ela é melhor que a rapsódia do Liszt que está sendo executada. Quem foi ao teatro quer escutar a orquestra e não seu celular.
* (este é principalmente para as mulheres). Se você está com um sapato "barulhento", não queira trocar de lugar, ou mesmo sair, no meio de uma peça. A acústica do teatro é muito boa e o TOC TOC TOC pra lá, TOC TOC TOC pra cá incomoda a todos, o maestro e a solista, inclusive.
* Se você for em grupo ao concerto, não queira ser o palhaço da turma. Deixe suas piadas para depois, por mais esdrúxulo que seja o homem do oboé. É chato, no meio de uma marcha fúnebre, meia dúzia de bocós se estourarem de dar risada.
* Os lugares do teatro são marcados. Então, se você comprou um ingresso para a quarta fileira da galeria (que Érico Veríssimo carinhosamente chamava de galinheiro) não se sente na primeira fileira do balcão nobre. E não insista com o monitor e o dono do lugar que é tudo a mesma coisa. Não é. E se você realmente acha que sim, vá se sentar no lugar que você comprou. Se não acha, vá assim mesmo e pare de aglomerar.
* Uma importante dica: se você estava conversando e alguém pedir silêncio, cale a boca e não se zangue. Não comece a discutir e chamar para a briga. E tente ao máximo não partir para a ignorância. Ainda mais se você estiver sentado próximo ao palco: além do mico que você vai pagar, já que o teatro inteiro vai se voltar pro bafafá que você está arranjando, você ainda vai fazer com que parte da orquestra se desconcentre e se perca. Sem contar que você, que já não tinha razão, uma vez que estava conversando num loca não propício, vai passar a ter menos razão ainda depois de dar um soco no jovem que te pediu silêncio.
* Para os apaixonados: uns beijinhos tudo bem, mas procure evitar aqueles beijos "limpeza gastro-intestinal", em que tua língua some goela adentro do teu amor e voa baba pra tudo quanto é lado.
* Sente cada um numa poltrona. Pega mal os dois espremidos numa, ou ela no colo dele. Podem pensar besteira...
* Se você é conhecedor de música e gosta de "pegar" o ritmo dela, faça-o mentalmente. Não pegue o ritmo batendo o pé, estralando a língua, ou seja lá como for.
* Se você gosta e conhece a música, apenas aprecie-a. Não há necessidade de acompanhá-la assobiando ou "cantando".
* Se você gosta de matemática, conte quantos integrantes tem a orquestra em silêncio.
* Não dê cotovelada (é cotovelada mesmo, não toque com o cotovelo) no infeliz que está no seu lado para mostrar para ele que você sabe contar.
* Não de cotovelada no infeliz que está no seu lado para mostrar que você sabe ler, perguntando se ele sabe qual o instrumento toca o maestro – sendo que isso está escrito no programa do concerto, o qual todos têm.
* Não dê cotovelada no infeliz que está no seu lado para mostrar que você sabe o nome dos instrumentos. Principalmente se você não sabe.
* Por fim, teatro é um lugar tradicional. Não queira ser inovador. Ao terminar o concerto, apenas bata palmas. Não sei porque demônios certa noite um faceiro resolveu gritar "Bravo!". Um outro ignóbil que estava por lá, não querendo ficar pra trás gritou "Muito bom!". Um terceiro gostou e gritou "Parabéns!". E agora, a cada concerto, surge um novo idiota com uma nova frase. Já foi "Lindo!", "UHU!", "AEEE!" e um doente que proferiu um pequeno discurso. Falta ainda gritarem "Arriba muchachos!" e "GOOOOOOOOOOL!", mas não queira ser o primeiro. Aplaudir é o suficiente, sério.
Bem, os que conseguiram chegar até o fim dessa maçada devem estar se perguntado "e eu com isso?". É que sexta e sábado agora (dias 19 e 20) tem Orquestra Sinfônica no Teatro Pedro II.

Ribeirão Preto, 15 de outubro de 2001