segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Um novo crítico de arte surgindo?

Há uma máxima muito conhecida que diz: quem sabe faz arte, quem não sabe vira crítico de arte. Pois bem, tendo em vista que não sei tocar nada, não sei dançar, não sei interpretar e não consigo escrever contos, romance ou poemas, tentarei uma última cartada no mundo das artes, ou do que se parece com as artes, ou do que se pretende ser arte. Se minha ignorância artística e meu já conhecido pedantismo como escriba me abrem boas perspectivas, minha relutância em achar que as coisas "in" são "cool", assim como meu visual nada descolado - aqui incluídos os óculos de aro grosso - fecham perspectivas ainda melhores. Mas tentemos. Afinal, não custa nada tentar. Na pior das hipóteses o que pode acontecer é eu passar da categoria chato-pedante para a de mala-insuportável, o que, no fundo, deve ser o intuito de todos aqueles que um dia pretendem ser críticos de arte, ou de coisas que se pareçam com, ou que se pretendem sê-lo.

Creio que o ideal para uma estréia no campo da crítica de arte seja traçar algumas breves linhas sobre minha concepção de arte, usando o argumento da autoridade para defender "minhas" idéias ao jogar duas ou três citações de filósofos e pensadores e escritores - em francês, de preferência. Eu, de minha parte, que é a que importa agora, não sei o que arte, nem nunca fui atrás de saber. Não que eu não tenha interesse: tenho, e muito. Mas tenho interesse em muitas outras coisas também e a estética acabou ficando para um segundo plano, mas de maneira alguma abandonada! Algum dia ainda hei de ter tempo para me dedicar detalhadamente ao assunto. Em suma, assumo que estou aqui para ficar xingando o que eu não gosto e elogiando o que eu acho legal, que é o que todo crítico de arte faz, mas fingindo que está fazendo uma análise crítica de algo que ele não sabe fazer - pois se soubesse estaria fazendo arte e não crítica. Para justificar meu posicionamento (ou será que é para questioná-lo), faço uma citação que não possui qualquer autoridade, ou seja, não tem utilidade nenhuma, mas eu gosto dela, por isso a faço. É uma citação de um aforisma escrito por mim mesmo: "Aqueles que dizem que 'gosto é como cu', o fazem por só conhecer a merda", no caso, a merda empurrada a nós diariamente pela indústria cultural. Esse aforisma é interessante, eu gosto dele, mas ele é curtinho, e não quero pô-lo inteiro aqui. Acreditem em mim que ele é bom (argumento da autoridade).

Começarei minha vida como crítico criticando o Curitiba Rock Festival (repare que o nome é gringo, se fosse em português seria Festival de Rock de Curitiba, portanto, lê-se Curitaiba Róck Féstival). Na verdade, minha crítica só passa por cima do CRF. Fico a perguntar qual o critério usado pela organização do festival para chamar as bandas nacionais. Se é um festival de rock alternativo devia chamar, creio eu, bandas que fazem um rock alternativo. Este fim de semana fui assistir à "Rádio de Outôno" (no cartaz outono vinha com esse acento no ô mesmo), banda de Recife. Na verdade fui assistir à Del-O-Max, mas como tinha essa banda antes e o ingresso era o mesmo, aproveitei. O local da apresentação foi o "Bar do Zé", em Barão Geraldo, um local tosco que merece uma crítica à parte, que ficará para uma próxima.

As perspectivas para a banda eram boas. Rádio de Outôno lembra Violeta de Outono, grande banda psicodélica-progressiva dos subterrâneos paulistanos das décadas de 80 e 90. Recife também é bom sinal: uma das melhores aparições não só do rock, como da música nacional nos últimos anos é de lá e atende pelo nome de Mombojó. Mas Rádio de Outôno não parecia nem Violeta de Outono nem Mombojó. Bateria, baixo, tecladinho e vocal femino. Estava mais para Ludov, banda muito chata que tocou no Curitiba (lê-se Curitaiba) Rock Festival ano passado, quando ainda se chamava Curitiba (lê-se Curitaiba) Pop Festival, e ganhou premios na MTV.

Tenho grande simpatia por bandas com vocal feminino: Pato Fu, Cranberries, Garbage... mas, ao mesmo tempo, tenho grande implicância com vocal feminino. É que vocal feminino tem que ser bom, ou então é chato. É difícil o mais ou menos neste caso. É estridente, é irritante, se tiver gritinhos (que não era o caso da vocalista da Rádio de Outôno), então, fica insuportável. Vocal masculino ao menos dá pra fingir uma voz rouca, fica um negócio tosco, mas que ao menos não irrita (boa parte das bandas alternativas são assim, com louvável exceção à Mombojó). Enfim, a voz da vocalista não era legal não, mas tampouco era chata, creio que ela conseguia ficar no seletíssimo grupo dos mais ou menos. O problema é que ela era muito cheio de pose e de ficar fazendo caras e bocas. Isso me irritou. Afora isso, as letras eram em português (o que mostra que a banda tem coragem), mas eram bem fraquinhas. O pessoal tocava bem. Baixo e bateria estavam muito bem ajustados, tocavam direitinho, no tempo, quadradinho. Justamente por isso ficaram devendo. Para uma banda alternativa faltou um algo além.

O ponto alto da apresentação ficou por conta deles dizerem que iam tocar uma música da "fase psicodélica" do Ronnie Von (nem sei como escreve). Deixou no ar a pergunta: fase psicodélica do Ronnie Von? Talvez achar isso seja indícios de psicodelia da banda.

Em suma: por duas músicas a banda até agrada, mas depois cansa por ser repetitiva. Como disse um amigo que me acompanhava: "não me surpreenderia se eles tocarem Anna Júlia". Não tocaram, mas a música é bem a cara deles. O que serve de estímulo: se Los Hermanos começaram tocando Anna Júlia e hoje fazem música boa, por que eles não podem seguir caminho semelhante? Bem eles tocam, estão no início da carreira, ainda há muito por vir.

E aqui encerro minha primeira crítica artística. Na verdade não é a primeira, primeira, mas a primeira que faço com todo o pedantismo e soberba necessário para tal. Fim.


Campinas, 03 de outubro de 2005

terça-feira, 20 de setembro de 2005

Os defensores do capitalismo

Em uma atividade extra do cursinho comunitário em que trabalho assistimos ao filme "Suplus: Terrorized into being consumers", documentário sueco que critica a sociedade capitalista-consumista, numa linha semelhante à dos manifestantes de Seattle e Gênova. Ao meu ver, o grande mérito do filme - além de ser muito bem feito - é não impôr idéias, mas questionar padrões de comportamentos aceitos como normais. Não fala, por exemplo, "não compre", mas questiona o porquê de se ter um carro caro. Um momento que me chamou bastante a atenção desta vez é seqüência que mostra lojas cubanas, praticamente vazias, pouquíssimos produtos nas prateleiras, para logo depois entrevistar uma cubana, que explica como funciona o sistema de cupons, que supre, segundo ela, todas as necessidades básicas de uma pessoa. A imagem da "perla" - a pasta de dente cubana -, sem rótulo, sem cor, sem nada escrito, choca, assim como chocam as imagens das prateleiras vazias nas lojas. Mas depois resta a pergunta: de que vale prateleiras cheias se grande parte da população passa fome, passa frio? Qual a utilidade de se ter pasta de dentes com embalagem colorida e bonita, com pessoas de rostos europeus e sorrisos esculpidos, enquanto há pessoas que não têm necessidade de escovar os dentes depois das refeições: parte porque já perdeu os dentes, parte porque não sabe o que é uma refeição?
Depois do filme fomos discuti-lo em sala de aula, eu e cerca de 40 alunos. Nada de novo na discussão, mas não é porque algo é corriqueiro que não me choca. O primeiro ponto levantado por um aluno foi o do Fidel Castro ter dito que Cuba é um país democrático. Entramos em Cuba e lá ficamos, talvez por ser um modelo em algo diferente do nosso. Criticá-lo é uma forma de defender nossa forma de vida, esteja ela correta ou não. Questionaram o direito de ir e vir na ilha, ao que eu respondi com uma pergunta: quem ali já havia ido para a Europa. Resposta: ninguém. E para Buenos Aires, Montevidéu? Ninguém. E para o nordeste brasileiro? Três em mais de quarenta alunos. A discussão caminhava na base de ponderações sobre o sistema social cubano e o nosso, até que certa hora uma moça criticou a "perla": não tinha rótulo, era feia, não dizia do que era feito! Aqui o tom da discussão mudou um pouco. Perguntei à moça qual a importância para alguém que não é químico saber a composição da pasta de dentes. Também pus a questão de que se não possui no rótulo os elementos não quer dizer que eles sejam confidenciais, e perguntei se ela, toda vez que comprasse a mesma pasta de dentes, lia o rótulo para ver a fórmula. Aqui a ideologia dominante cerrou fileiras e partiu para o ataque, justamente em um dos pontos que o filme mais critica: e a minha liberdade de escolha?, perguntou outro aluno. Apesar da vontade de responder, tentei ficar quieto, para deixar que a discussão corresse entre os alunos. A resposta veio de uma aluna que disse concordava com o capitalismo, só achava que ele era injusto, e que se fossem pagos salários mais justos seria tudo melhor. Conforme a discussão caminhou para esse ponto me senti na necessidade de intervir, não mais maeuticamente, mas já mais professoral: falei um pouco da publicidade, que hoje não tem a função de anunciar um produto, mas de criar artificialmente a necessidade dele; tentei mostrar com um exemplo banal a produção absurda e desnecessária de lixo que há hoje; e dei meu testemunho próprio de tentativa de consumo consciente e boicote ao consumismo supérfluo, ao que recebi como resposta: se os donos das empresas não mudam, por que deve partir de nós a mudança?
Como eu disse, nada de novo, mas nem por isso deixa de me chocar. Trata-se de um cursinho popular, os alunos são de baixa renda, oprimidos, portanto. E muitos deles vêem na universidade mais que oportunidade de não serem mais oprimidos, mas a oportunidade de em breve se tornarem opressores. Soma-se a isso o medo do novo, do desconhecido e o receio de perder o que podem vir a ter. O resultado acaba por ser: e o meu direito de escolher? Como se a escolha entre dois produtos iguais, mas de cores diferentes, fosse realmente uma escolha. Como se "no Brasil, se se quer viajar para algum lugar ninguém te impede" fosse simples como a frase aparenta ser.
Pois é... as luzes de neon continuam atraindo mais que as cores do pôr-do-sol.

Campinas, 20 de setembro de 2005