terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Luzes sombras e cores

Tenho cá minhas dúvidas se um dia a comunicação entre duas pessoas pode vir ser transparente e cristalina: tudo o que é dito de um lado é compreendido do outro, e eventuais falhas no entendimento logo sanados. Se acaso for possível tal nível de esclarecimento, quero distância.

Em geral, vemos os mal-entendidos sempre de maneira negativa, quase que a origem dos males do mundo - ou ao menos das relações humanas. Não discordo que eles podem acarretar muito desgaste e conseqüências desagradáveis, porém julgo tais conseqüências antes frutos de nossas dificuldades para o diálogo do que do mal-entendido mesmo.

Um mal-entendido pode ser uma oportunidade para um encontro franco com outra pessoa - assim como consigo mesmo, uma vez que pode deixar evidentes certos preconceitos nossos muito ínfimos, mas não menos presentes. Pode ser a chance de uma nova e repentina idéia; a abertura para o inesperado que o contato transparente não deixaria: se tudo é sabido, por que arriscar? No que arriscar?

Meu elogio das sombras - na comunicação, inclusive - é algo recente, tem três anos. Já precisei me vigiar mais para tentar manter um certo equilíbrio entre luzes e sombras - e não jogar luz sobre tudo, como desejo em minha herança iluminista. Hoje já não tenho esse ímpeto luz luz luz e chego, eventualmente, até a perder a medida: semana passada achei que fora cristalino, mas a luminosidade do que eu dissera ficara bem aquém do que eu julgara. O que era para ser sabido, pré-combinado, sem sobressaltos, tranqüilo, num sopro se tumultuou e se desfez ganhando surpreendentes cores inusitados contornos outros significados diferentes perspectivas novas possibilidades - se serão predominantemente positivas ou negativas, ainda não sei, e isso tem também sua graça (da qual faz parte certa angústia).

Voltei para casa perplexo, como ainda estou: como pode da sombra tantas cores? E como pôde eu um dia querer só luz?

Sombras, por favor!


Campinas, 14 de dezembro de 2010.


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Sobre as bandas covers do Festival Planeta Terra

O século XXI começou com a moda passada, quando o antigo deixou de ser uma influência para ser determinante – a tal da moda retrô. Como o mundo do consumo atual anda se consumindo muito rápido, o retrô foi se acelerando, e já estamos no retrô anos oitenta e anos noventa, perto de chegarmos ao retrô do retrô, o retrô dos anos zero zero. Para não chegar tão cedo à contradição, ganhou força moda ensaiada ainda no século passado, com os Sex Pistols, de bandas fazerem covers de si mesmas, aproveitando essa nostalgia das quinquilharias consumidas num passado não tão distante, mas já obsoleto – bem exemplificada, por exemplo, no almanaque dos anos 80, em voga nos adultos jovens mais ou menos da minha idade, que nem lembranças dos anos 80 têm direito.

Perdi a vinda do Rage Against The Machine cover e a segunda do Pixies cover ao festival SWU (nome que me deixa profundamente irritado), mas aceitei o convite de acompanhar o Cássio ao Planeta Terra, em que tocariam, além de Mombojó, Hurtmold e Phoenix, Pavement cover e Smashing Pumpkins cover.

No show do Pavement, banda indie seminal dos anos 90, muito palco para a banda. Deviam estar acostumados a tocar em festivais, mas não como atrações principais, dessas que precisam se preocupar com iluminação: shows à noite deveriam ser em pequenas casas, sem tudo aquilo de espaço: bastavam um ou dois spots iluminando e fim. De qualquer forma, o grupo parecia animado com o show, salvo o principal nome do grupo. Stephen Malkmus, para além da pose de elegância, parecia cansado, sem empolgação, ainda que não se possa dizer que foi burocrático. Talvez fosse desânimo, sabendo do atraso que era se restringir às músicas do velho grupo diante do que produziu depois do seu fim – que teve boa repercussão, contrariamente aos seus colegas de banda, salvo Nastanovich e sua quase conhecida Silver Jews, que era já paralela ao Pavement. Teve lá sua dose de emoção ver Pavement tocando ao vivo, como se fosse possível voltar ao início dos anos 90, mas não é a mesma coisa, não adianta se enganar. E Stephen Malkmus parece que não quis mesmo entrar tão a fundo na ilusão: estamos em 2010. Em resumo, chamar decepção é exagero, mas Pavement cover foi frustrante – shows do Stephen Malkmus and the Jicks e Silver Jews seriam bem mais vivos.

Já o grande grupo cover da noite – o indie main stream – era o Smashing Pumpkins cover – que voltara prometendo não ser mero cover de si mesmo. Deixarei comentário sobre isso para daqui a pouco. No show era evidente quando tocavam a parte cover e quando tocavam a parte não-cover. E por ter intercalado músicas novas e antigas, conseguiram acabar com qualquer clima catártico que o show poderia (e prometia) ter para os desesperados fãs da banda de Billy Corgan. O que houve foi um morde-assopra: uma música para a galera empolgar, outra pra todo mundo ficar parado olhando torcendo pra acabar logo e começar uma música antiga (ou “do Smashing de verdade”, como diriam muitos). Poderia argumentar que o artista faz bem de mostrar as novas músicas, ao invés de só agradar o público com as velhas e conhecidas. Ocorre que ao voltar com o mesmo nome, mas sem o mesmo vigor, o Smashing Pumpkins se aproveita do que foi para tentar emplacar o que não mais é. Quando Corgan acabou com a banda, há dez anos, parece ter feito bem. A banda que teve depois, a Zwan, mostra um pouco isso: deixava de lado o clima sombrio e um tanto auto-indulgente por algo um pouco mais leve e colorido, sem excessos. Uma mudança necessária para não se repetir. Mas sem o mesmo sucesso imediato no novo formato, voltou à velha fórmula – disse ele que é porque seu coração era Smashing –, primeiro em carreira solo e, diante de novo insucesso, com a velha banda e o velho nome. Que só tem força enquanto cover de si mesma: já tinha mostrado em suas novas composições, e isso ficou claro no show no Planeta Terra. Para minha tristeza: sequer as últimas composições do velho Smashing Pumpkins parecem animar os fãs da banda cover, e elas ficaram fora do set-list.

Para concluir: não vou dizer que não valeram a pena os shows. E não vou criticar a volta das bandas covers de si mesmas: fui ao Planeta Terra por causa de três shows, dois deles cover. No SWU, teria ido por causa de três também, dois deles covers. Mas no caso de bandas em que os artistas conseguiram seguir com trabalhos interessantes, caberia atrelar a banda cover a apresentações dos novos projetos – não sei se precisavam ficar ou num ou noutro. Billy Corgan, mesmo tendo seu “coração Smashing”, poderia ter prosseguido com a Zwan. Malkmus poderia ter feito show com o Pavement cover, e num outro dia tocado em São Paulo as músicas de seu Real Emotion Trash e outros. Nessas voltas, parece que perdem todos – artista e público.


Campinas, 29 de novembro de 2010.