quinta-feira, 30 de junho de 2011

Paulo Renato e o desastre na educação nacional

Uma coisa ainda perturba boa parte dos acadêmicos das duas principais universidade brasileiras (ao menos): a popularização do ensino superior e o conseqüente fim do seu elitismo. Justificam seu posicionamento com argumento nobres e verdadeiros, mas tanto para quem está dentro como para quem está fora é possível perceber o preconceito para com quem não é ou foi aluno de USP, Unicamp, Unesp ou alguma federal, e sim de Uniesquinas, Anhembis, Mackenzies, Fatecs da vida. E eis o mérito enquanto homem público nos últimos vinte anos do recém falecido Paulo Renato de Souza: tirar o diploma universitário de uma elite, atendendo a uma grande demanda da sociedade. Com isso e a tímida nacionalização do Bolsa-Escola do Cristóvão Buarque, creio que se esgota o que há de bom (e relevante) a dizer sobre ele. Seu reinado à frente do Ministério da Educação foi um desastre que só não se tornou uma tragédia porque Lula venceu em 2002. Mas ele fez o estrago tão bem feito que não tem como reparar no curto e médio prazo.

A popularização do ensino superior e a universalização do ensino fundamental tiveram como verdadeiros beneficiários as estatísticas oficiais e os bolsos dos mercenários da educação.

No ensino básico, a escola pública não mereceu sequer uma lápide, o ensino técnico foi desmantelado – trazendo problemas inclusive para a indústria brasileira, ou o que sobrou dela –, e não houve discussão séria sobre educação, pelo contrário, a concepção de ensino regrediu para algo próximo de Pavlov – adestramento estímulo-resposta-punição para responder corretamente a testes e vestibulares (Saeb, Enem, vestibular e provão já no fim da faculdade).

No ensino superior, a universidade pública só não teve o mesmo fim da escola graças à sua excelência na pesquisa e na formação de quadros e ao seu poder de resistência, o qual vinha sendo sufocado por inanição, sob a justificativa de enxugar a máquina pública e diminuir gastos com funcionalismo. O golpe de misericórdia já havia sido anunciado: a substituição do modelo de financiamento, não mais por instituição, mas por aluno, o que poria Unip e USP em pé de igualdade na busca por verbas públicas.

Fora o desmonte da educação pública, do abandono da idéia de educação como algo que deve ter em vista os interesses da coletividade tanto no curto quanto no longo prazo e a submissão do sistema educacional ao ensino privado, não houve mudança no conceito de educação ou escola, diferentemente dos CIEPs do Brizola – copiados por Collor e seus CAICs –, ou dos CEUs da Marta. Ou melhor, houve sim: educação passou a ser um negócio cujo único objetivo é o lucro, dos donos das escolas e faculdades com a oferta de “ensino”, e do aluno, que ampliaria seu “capital humano”, com o que teria melhor “alocação” no mercado de trabalho (não parece coincidência que Dimenstein, do quadro capital humano na CBN, fez uma elegia cheia de meias verdades sobre Paulo Renato na Folha do dia 27). Não por acaso que quando Paulo Renato saiu do governo virou consultor para empresas do ramo de “ensino”, e não um “amigo da escola” a tentar com seu “know-how” ajudar os diretores das falidas escolas públicas brasileiras. Eis uma boa síntese da sua vocação de homem público e do seu interesse pelo futuro da nação. Que lamente sua morte apenas parentes e amigos.


Campinas, 30 de junho de 2011.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Marchas, paradas, velocidade, instantaneidade: 2011 ou 1909?


O STF decidiu, enfim, que o artigo 5º da Constituição é legal, de forma que o direito constitucional de livre expressão é um direito, e liberou as manifestações favoráveis à legalização da cannabis, as marchas da maconha.

Ingrediente extra para inflamar a marcha para Jesus que acontece esta quinta em São Paulo: porque a livre expressão brasileira permite manifestações claras de intolerância e preconceito, desde que não carregue insígnias muito vistosas, como suásticas em camisas pretas: ser contra a criminalização da homofobia, usando camisetas com Jesus, por exemplo, é tolerado – e até visto como um valor positivo, firmeza de caráter, liberdade de culto. Se defender que gay é inferior não tem problema, falar contra maconheiro, então, que mal tem?

Três dias depois é a vez da Parada Gay ocupar a Av. Paulista e combater o “somos um em Cristo” com o colorido do “amai-vos uns aos outros”. O fato desta acontecer na área nobre da principal cidade do país ainda permite sonhar com um futuro um pouco menos tenebroso.

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“Já não há beleza senão na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas para obrigá-las a prostrar-se ante o homem”. Talvez a fraqueza para os dias atuais do manifesto futurista de Marinetti seja sua franqueza. Não fosse por isso (e, em dado caso, na substituição de “homem” por “Senhor”), o texto de 1909 poderia passar tranqüilamente como sendo de 2011: o nacionalismo de antanho foi substituído por requentos pós-modernos de identidades fragmentadas que, em alguns casos, necessitam ser defendidas com a mesma obsessão; e, mais impressionante, o tom militarista segue perfeitamente atual: salvo o pessoal da bicicleta, que faz bicicletadas, e a chamada esquerda, que insiste em passeatas, caminhadas e atos, o que temos são marchas e paradas, eventos tipicamente militares – inclusive com suas insígnias, a folha de cinco pontas, a cruz, o arco-íris. Faltam apenas os desfiles.

Outra mostra que os tempos não mudaram tanto: o local das manifestações: a rua. Por mais que o discurso hegemônico diga que a rua esteja esvaziado de sentido e de poder (discurso repetido principalmente quando há manifestações reivindicatórias da “turba”, MST, MTST, ou meros grevistas), ela segue como o espaço de disputa entre os diversos atores sociais relevantes – por mais que não seja o único local. Batalha que se estende além das marchas e paradas esporádicas: “afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade”. A guerra tão louvada por Marinetti em 1909 está no nosso dia-a-dia em 2011.


Pato Branco, 21 de junho de 2011

ps: por conta de viagens atrasei a publicação desta crônica. De qualquer forma, não precisei alterá-la, apesar da tentação em falar do STF rasgar a Constituição, mas acho que cabe melhor em texto de humor isso.