sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O homem sem resistência

(Livre interpretação de Black Out, da Plataforma Shop Sui)


"O homem sem resistência" - se eu precisasse resumir em uma frase a coreografia Black Out, de Fernando Martins, da Plataforma Shop Sui. Algo bastante pertinente, diante do que diz o programa, de que a obra "relata os demônios interiores que atormentam um ser nas últimas horas de sua existência": há como resistir ao indefectível? Minha leitura, contudo, não foi de alguém em suas últimas horas, mas de um indivíduo em seu dia-a-dia, alguém que vive a vida que lhe permitem, se adaptando ao que há, sem questionar o porquê, tentando poupar o peito para evitar a dor.
Diante de um trecho de música repetido exaustivamente, compulsivamente, presenciamos um corpo que parece não pertencer ao seu sujeito - o qual está mais preocupado em desviar das luminárias e seguir para o próximo foco aceso. Em um trabalho corporal de impacto, vemos o intérprete fazer alegorias a, citações de movimentos estereotipados. Movimentos executados com precisão, mas que não lhe pertencem. E nesse estranhamento do sujeito consigo, não só os movimentos se desfazem, como o próprio corpo se desfaz. Mais: se desfaz enquato pessoa, em quanto sujeito. De não resistir em não resistir, de foco em foco, de ordem em ordem, ao não encarar essas pequenas e banais violências mudas, não opôr resistência a elas, fugir do enfrentamento, da dor, o sujeito vai sendo reduzido e massacrado em sua humanidade, ele se zoomorfiza - em boi, em pavão. Não por acaso seu grito - amplificado por um megafone - é metálico, não-humano. Um grito de desespero de quem não é mais ouvido em sua aflição. 

São Paulo, 05 de setembro de 2014.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Picotes eleitorais


Ao que tudo indica, Marina Silva "russomanizou" mais cedo do que era de se esperar: tão logo saiu das generalidades abstratas para propostas concretas, tropeçou nas próprias pernas (e alheias, postas por seus aliados), e para quem já era vidraça, abrir a guarda pode ser mortal - pedras é o que não falta. Ao obedecer a ordem do pastor Malafaia, e voltar atrás na sua política sobre homossexuais, Marina viu sua credibilidade escorrer entre pessoas mais à esquerda, desiludidos com o petismo e críticos à imiscuição entre Estado e religião. Pior: para quem tenta vencer eleição para o executivo sem base legislativa, é importante o culto à personalidade (quer dizer, isso no Brasil é importante com ou sem base) e a demonstração de força, para garantir a aura salvacionista (Collor em 1989, Heloísa Helena em 2006 e Marina Silva em 2010). A hesitação da candidata do Rede vai refletir na confiança dos eleitores que ainda hesitavam se votariam mesmo nela. Não está perdida, mas terá trabalho para recuperar a imagem.
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Na segunda-feira, em sua coluna no Valor Econômico, o filósofo Renato Janine Ribeiro, entusiasta de Marina Silva, apresentava contradições do programa de governo da candidata, como quando esta falava em ampliar a participação popular na política e, na hora de indicar ações concretas, propôr unificação de todas as eleições, com mandatos de cinco anos: tamanho intervalo, comenta o filósofo, só ajuda a desmobilizar ainda mais a discussão política. Concordo com ele e desde muito defendo que as eleições deveriam seguir a cada dois anos, porém unificando eleições executivas em uma das datas e eleições legislativas na outra.
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A Grande Imprensa, por seu turno, age como biruta de aeroporto que tenta mudar a direção do vento. Primeiro dizendo do medo petista com vitória de Aécio no segundo turno, enquanto todas as pesquisas indicavam vitória da presidente no primeiro turno. Agora o PT teme Marina que, pelas últimas pesquisas ganharia no segundo turno (o detalhe é que as mesmas pesquisas indicam que três quartos dos votos de Marina ainda são influenciados pela comoção com a morte de Eduardo Campos). Raymundo Costa, precaríssimo colunista do jornal Valor Econômico (dos grupos Folha e Globo), fala que Aécio Neves e o PSDB cogitam renunciar à disputa para apoiar Marina Silva. Talvez ele tenha alguma informação privilegiada. E essa informação é algo como a decisão de acabar com o PSDB: não faz sentido renunciar à campanha para se juntar a uma ex-petista, simplesmente para derrotar o PT. O PSDB perderia credibilidade e boa parte do seu eleitorado fiel, e Aécio viraria, na melhor das hipóteses, um morto-vivo político.
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Brizola, que não deve ter um descanso muito tranqüilo na tumba, diante do que foi feito dos partidos nos quais fez história - o PTB de Vargas e seu PDT pós-golpe -, revolve-se ainda mais em tempos de eleição. Na propaganda do rádio ouço um candidato a deputado pelo PDT, coronel qualquer coisa, criticar o estado frouxo, a parcimônia com a criminalidade - justo no partido de quem foi acusado pela elite carioca de desrespeitar os desrespeitos aos direitos humanos pela polícia militar nas favelas do estado. Na rádio Estadão, em entrevista antes do debate do SBT, Brizola é citado pelo Pastor Everaldo. Definitivamente, a um dos personagens mais importantes - se não o mais importante - da política brasileira da segunda metade do século passado, nosso Cipriano Barata do século XX, ser citado por pastores, ver seu partido dar guarida a policiais raivosos e a representantes da rede Globo (Lasier Martins, no Rio Grande do Sul), não faz jus à sua luta.

Para relembrar:

São Paulo, 02 de setembro de 2014.