domingo, 28 de setembro de 2014

Dark Rooms ao nosso redor, dentro de nós. [Diálogos com a dança]

Entre o provocante e o anestesiado. Entre o infantil e o adulto. Entre o lúdico e o violento. Qual meio é esse em que se situa as salas escuras onde pessoas se encontram e se penetram, sem saber quem é o Outro? Os sentidos à flor da pele - mas quem habita essa pele? Entre a obrigação de gozar e o desejo de dilapidação do corpo alheio, há um sujeito que age ou apenas um corpo que reage? Esses são alguns questionamentos que _DARK_ROOM_, montagem de Claudia Paula para a iN Saio Cia. de Arte, provoca no público.
O palco fechado dos quatro lados e vazio no seu interior é ocupado por cinqüenta espectadores, junto com seis dançarinos e dois técnicos. As cenas - se é que podem ser chamadas assim - ocorrem em algum lugar dentro desse limite, entre os espectadores, que se movimentam para onde a cena aparentemente chama, e também se movem livremente pelo espaço. Nesse espaço algo abstrato, algo familiar - a maioria ali conhece, se não dark rooms, baladas que se assemelham ao palco -, há uma certa dose de risco, tanto para os intérpretes - um homem na meia idade que resolve apalpar uma intérprete, ou algum espectador que decide se juntar aos seis corpos suados -, quanto para o público - um chute no joelho, uma cabeçada no ombro, para ficar nos exemplos que me tocaram. 
Uma dark room é - no imaginário, ao menos - um lugar para quebras. _DARK_ROOM_ também provoca as suas: pausas na música, silêncio para conversas, interrupções do movimento - espaços para o encontro com o Outro, ou apenas momentos de constrangimento? Fico com a segunda opção: a música do tempo infinito não pode parar.
Não raro as cenas começam com certa leveza: jogos infantis ou adolescentes por corpos já feitos - o puxar a roupa ou o tapa de brincadeira, a alegria abobalhada adolescente -, porém não tarda tais brincadeiras perderem sua graça e não resta delas nada mais que agressividade: o tapa na cara, o empurrão que derruba, o apalpar violento: a descoberta do corpo Outro se transmuta em dilapidação desse corpo, caminho e empecilho para o gozo.
Em que medida o mero contato de pele satisfaz nossos desejos de reconhecimento? Esses contatos são capazes de reverter o desejo de aproximação em aproximação do desejo? Há sujeito por trás daqueles corpos que dançam? Há sujeito dentro daqueles corpos que observam? Ignorar o Outro permite aprofundar em si? Em que medida em nossas dark rooms particulares não fugimos desse contato com o Outro e, conseqüentemente, do contato conosco? O narcisismo desesperado nosso de cada dia é capaz de produzir algo mais que excitação, insatisfação, violência ou apatia? 
_DARK_ROOM_ é mais que um exercício de questionamento, é uma afronta à nossa normopatia, nossa capacidade de adaptação e aceitação. Precisa nas perguntas, _DARK_ROOM_ nos abandona sem respostas.

São Paulo, 28 de setembro de 2014.

ps: impossível não lembrar de alguns livros após assistir ao espetáculo. Três pulularam em minha mente: A música do tempo infinito, do psicanalista Tales Ab'Saber; Mal-estar na atualidade, do também psicanalista Joel Birman, e Amor líquido, do astro pop da filosofia, Zygmunt Bauman.

sábado, 27 de setembro de 2014

Culpa dos astros

Amiga minha comentou, há alguns dias, que quando me conheceu a primeira impressão que teve foi que eu era uma pessoa séria, em alguma medida um pouco brava. Agradeci a sinceridade e lamentei a impressão (equivocada). Faz um tempo percebi que no curso que faço a primeira impressão - e as subseqüentes - não era muito diferente. Resolvi, então, pôr em ação um plano para que as pessoas percebessem que sou, na realidade, uma pessoa "fofa", vamos dizer assim. Tal plano incluiu camisetas da Amelia Poulain ou de borboleta (pintadas por mim), e o uso intensivo de "momentos poliana", sempre vendo os problemas pelo lado bom. Em vão: me avisaram ontem que não sou fofo - nem perto disso. Entre acusá-los de caluniadores ou achar que o culpado sou eu, lembrei de conversa que tive, faz um certo tempo, com outra amiga. 
A conversa dizia respeito sobre minha fama (injusta, ela também) de indeciso. Minha lógica é simples: se quero muito algo, digo; se não quero algo, também digo; se estou num pode ser como pode não ser, deixo para o outro decidir. Como é possível notar, não é indecisão, apenas tolerância ampla dentro da margem estreita do que gosto - ou não desgosto. Pois bem, estávamos eu e essa amiga empacados no centro de São Paulo, sem conseguir decidir que rumo tomar, diante de tantas opções interessantes, quando ela perguntou, como quem não quer nada, qual meu signo: Libra, respondi. Então é isso!, foi sua exclamação, como se eu tivesse dado a chave da compreensão do universo: não é que meu problema seja ser indeciso, meu problema é ser de libra! E tudo fez ainda mais sentido quando disse que minha lua é em escorpião, o ascendente no signo seguinte (que eu não sei qual é, e estou sem internet pra pesquisar), e que se tiver algo mais, signo descendente, signo progenitor, signo regente, spala, solista ou sei-lá-o-que-mais, estão todos nesses três, conforme mapa astral tirado por uma terceira amiga: é isso, meu problema é decididamente astrológico!
Desde então tenho pensado seriamente em trocar de signo, única alternativa que me sobrou para resolver essa proclamada indecisão que me persegue. Perguntei a essa amiga, mas ela disse não entender tanto para poder me aconselhar. Penso eu cá: não deve ser algo difícil de ser feito: tenho o original da minha certidão de nascimento na gaveta do guarda-roupa, um escorregão na caneta e, ops, nasci três horas depois do mês seguinte, de modo que perco minha librianisse e sua conseqüente indecisão.
Coincidentemente (seria o destino?), estavam hoje meus colegas discutindo sobre signos quando cheguei na sala - porque curso de teatro, ao menos nesse aspecto, é igual ao de psicologia: o que mais tem é gente que lê mão, tarô, faz mapa astral e quetais da vida. Fiquei ali de lado, apenas esperando uma brecha na conversa para perguntar se minha anti-fofura natural não seria exatamente minha, mas culpa de libra, e se mudar de signo não resolveria meus problemas. Antes de perguntarem o que eu queria, a última coisa dita era que pessoas com lua em escorpião eram boas de cama. Quando abriram para eu falar, calei, resolvi repensar: vai que essa coisa de libra com lua em escorpião e ascendente no signo seguinte não seja tão ruim - tem seus pontos positivos (coisa que minha amiga não sabia, ou não me avisou). Até segunda ordem, minha certidão segue dormindo quietinha na gaveta, sem nenhuma caneta passar por perto.

São Paulo, 27 de setembro de 2014.