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terça-feira, 3 de abril de 2018

O PT quer uma vitória emblemática em São Paulo - poderia se contentar apenas com a vitória

Não acompanhei os bastidores da escolha do candidato do PT ao governo de São Paulo (isso, claro, se houver de fato eleições em outubro - ainda por cima livres e democráticas), e admito ter sido com surpresa que vi o nome de Luiz Marinho, ex-prefeito de São Bernardo do Campo - como expectador distante, imaginava Haddad como nome natural do partido, até por toda a exposição que o ex-prefeito paulistano possui. 
Ao ler a entrevista de Marinho para a Carta Capital [http://bit.ly/2IpYIJk], a impressão que se tem é que a análise de conjuntura do partido, ainda que em boa medida correta, é exagerada e ingenuamente otimista - o que reflete na ausência de Haddad das prévias e a escolha de Marinho. O PT, diga-se de passagem, é exímio em traçar estratégias eleitorais ruins - para ficar num contraexemplo: pelo que se diz na história oficial, o "Lulinha paz e amor" que sacramentou a consagração do partido, em 2002, foi um atitude do candidato mais que do partido.
Com o campo hegemônico do estado rachado, com duas candidaturas de peso - Márcio França, com a máquina estadual e Doria Jr, com dinheiro, muito dinheiro, a máquina federal e um pouco mais de dinheiro -, aumentam as chances de derrota do condomínio tucano que governa São Paulo há vinte e quatro anos. A análise explicitada por Marinho esquece que a eleição é em dois turnos, e com ao menos três nomes fortes - incluído aqui o do PT -, dificilmente alguém consegue levar no primeiro turno, e não é de se esperar apoio de PSDB ou PSB ao candidato petista num eventual segundo turno. Aí falta conhecer melhor o eleitorado do estado, de modo a montar uma candidatura mais eficiente em "ludibriá-lo" (porque o eleitor paulista demonstra uma capacidade analítica na qual não há muito espaço para convencimento pelo discurso racional: ele tem um fraco bem forte pelo engodo). Uma vitória de Marinho seria de uma simbologia gigantesca, não apenas pela vitória no bunker tucano, como por se tratar de alguém da base do partido, um ex-sindicalista (por mais que o sindicalismo, fora as greves de 79/80, e em especial após a "rosa neoliberal", não seja nada muito animador), isso numa terra em que consumidores são chamados de "patrão" ou "empresário" - numa versão pós-moderna do "meu rei", gíria pretensamente baiana, com mais cara de novela da Globo.
O discurso de Marinho, conforme a entrevista, é um tanto solto, abstrato: questões de administração, de prefeitos a passar o pires, tentativas de "desconstruir" o discurso tucano - que é o discurso afinado com a grande mídia -, apontamentos ao que não foi feito nessas mais de duas décadas de Tucanistão - mais do que se fez. Tem sua experiência na prefeitura como atestado de conhecimento do manejo da máquina executiva, e por ter sido ministro da Previdência de Lula, pode tentar federalizar a eleição, num ponto muito fraco do governo golpista - e Doria Jr tem muitas declarações públicas de amor a Temer. Não se trata de pôr em questão sua competência, mas sua simbologia em um estado muito conservador: Marinho é do PT - o "partido do mal", conforme mídia e seguidores do pato (mesmo muitos dos arrependidos) -, é ex-sindicalista, e não há grandes feitos a apresentar como ministro da previdência, que não que não fez o que Temer tentou fazer. Marinho precisa encorpar seu discurso, além de tentar suavizar sua imagem para melhor deglutição desse eleitorado - não é tarefa fácil.
Haddad tem um perfil eleitoral muito mais palatável: descolado, bonitão (isso é besteira, mas influencia, e não se aprendeu com Collor), educado - professor universitário -, "aparenta ser de boa família, tem essa pinta de pai em propaganda do Itaú Personnalité" - como descreveu certa feita Antonio Prata [http://bit.ly/2Gzg3mE]. Marinho tem aquele jeitão de funcionário da "adm", um cara ok, que não desperta maiores suspiros - talvez seja excelente de palanque (virtual e real) e consiga reverter isso sem maiores dificuldades, mas começa atrás. Ademais, Haddad teria a vantagem de se contrapor diretamente a Doria Jr, comparando ações e intervenções enquanto prefeitos da capital: iria além de acusações e mostras do que Doria Jr não fez, apresentando ao mesmo tempo suas realizações - ainda sou da tese que se Haddad tivesse trocado um hospital por mais publicidade teria ganho fácil em 2016; apesar que acho que era estratégia eleitoral não fazer muita propaganda durante a gestão e aparecer como uma onda que leva tudo na campanha, mas foi traído pela mudança nas regras eleitorais implementadas para 2016, que cortou pela metade o tempo de campanha (de 90 para 45 dias).
Se Marinho talvez seja capaz de reanimar a velha militância petista, me parece que o foco, pela situação do país assim como pelo contexto eleitoral do estado, pede uma estratégia de vitória pelo caminho mais curto. Não se trata de vencer a qualquer custo, mas Haddad é visto com alguém do meio classe média, quase uma "pessoa de bem" infiltrada no PT - como foi Marta um dia e Suplicy ainda é -, o tipo de pessoa que não precisa se justificar tanto para ganhar simpatia dos conservadores: há o risco de termos que ouvir um "Rota na rua" novamente de um candidato petista - como Genoíno em 2002 [http://bit.ly/2Gur1cU] -, e isso é tudo o que não precisamos neste momento de golpe e violência cada vez mais aberta e "democrática" - mas pode ser vital para conseguir a vitória.
Como disse, a opção por Marinho é uma escolha que implica num enorme simbolismo em caso vitória - é por conta desse simbolismo que o preço para sua vitória é mais alto. É um candidato viável, com boas chances de vitória - o massacre midiático do PT está tendo efeito rebote e hoje é óbvio que o partido recupera um pouco da sua imagem, enquanto os demais derretem como gelo sob o sol de verão do Saara -, mas não é o nome mais forte do partido. Ao assumir o risco, o PT pode estar perdendo sua melhor oportunidade desde 2002 - e São Paulo perde mais ainda.

03 de abril de 2018

segunda-feira, 12 de março de 2018

Boulos, o próximo impedido?

O PT tem reiteradamente falado que não possui plano B para caso Lula não possa disputar as (previstas) eleições - o que deve deveras ocorrer (ele não disputar; as eleições, isso ainda há sérias dúvidas). Certamente o partido faz seus cálculos. Contudo, há indícios, pela movimentação observável (não tenho contatos para saber o que se passa nos bastidores), da possibilidade do PT não disputar a presidência da república nas (eventuais) eleições de outubro. Fosse dois anos atrás, qualquer análise que falasse em PT não encabeçar uma chapa poderia ser descartada como estapafúrdia; os tempos sinistros em que vivemos, entretanto, tornam não somente factível não ser cabeça de chapa como sequer ficar com a vaga de vice.
Seria um ato simbólico importante para evidenciar o estado em que se encontra o Brasil: o maior partido do país, aquele que ainda é o partido mais forte do país, um dos maiores partidos de esquerda do mundo, não disputará a eleição presidencial, não por não ter um nome viável, e sim por não confiar no processo judiciário-eleitoral.
Além de não se estar ventilando nenhum nome do partido, o vídeo de apoio de Lula à candidatura Boulos, pelo PSOL, é uma sinalização nesse sentido. O líder do MTST, além de formação nas lutas sociais, tem também formação acadêmica - acusação feita contra Lula por dez entre dez ignorantes com diploma na parede -, e se é atingido pela rebarba da criminalização da esquerda, foge do foco principal da mídia, que é o PT - pode, inclusive, se utilizar desse discurso, caso posto contra a parede, de que o partido surgiu em resposta às falhas petistas. Pode ser o nome ultrapolítico contra o candidato antipolítico que deve correr pela direita - Bolsonaro, Huck ou algum outro -, e se conseguir decolar nas pesquisas, pode até mesmo trazer o debate um pouco mais para a esquerda (que ficaria pelo centro, dado a direitização atual), com boa distância das armadilhas moralistas - o que seria um avanço civilizatório.
Antes dos ataques da direita, a primeira tarefa será com os do próprio PSOL. Desde sua fundação tenho dito que o PSOL é um partido sem base social (além de responsável pelo retorno de Collor ao senado, em 2006), o que é um equívoco: sua base social é uma de meia dúzia de acadêmicos, que figuram entre os 3% mais rico da população. Ainda que parte da crítica do outro pré-candidato do partido, Plínio de Arruda Sampaio Jr, seja pertinente, seu esperneio me faz lembrar dos meus tempos de editor do Trezenhum. Humor sem graça., em que havia o "Prêmio Peter Pan de Resistência", dado o alienação social que a esquerda da Unicamp vive e a briga para recusar toda realidade em favor dos seus ideais. Plínio é professor da Unicamp, e à sua visão do Brasil como Terra do Nunca, soma-se um ego de enorme tamanho, bem ao gosto dos acadêmicos brasileiros. Longe de pensar no partido ou no país, pensa em seu desejo de ser candidato a presidência da república, como fora seu pai - ainda que renovar os nomes e manter os sobrenomes seja prática consagrada da direita brasileira. Resta saber o quanto vai aceitar ser instrumentalizado pela direita para prejudicar Boulos. 
Pela direita, o jogo promete ser duro, caso Boulos cresça nas pesquisas - por ser tomado como candidato do Lula, por exemplo. As acusações de incentivar a desordem e o crime serão de hora em hora. Reportagens e mais reportagens mostrarão exemplos isolados de contraventores penais ("bandidos") que compõem o MTST; ou boatos (hoje chamados de fake news, prática consagrada pela Globo e afins) de que, assim como ocupam prédios abandonados, com a vitória, Boulos obrigará as pessoas a dividirem suas casas com sem-tetos, ou outras pataquadas requentadas de 1989. Contudo, os tempos são outros, e se não bastar um calmante na água do debate e uma edição tendenciosa, Boulos tem tudo para ser preso, sob acusação qualquer - provavelmente terrorismo. Já falei em outra análise que Bolsonaro é boi de piranha das elites para a eleição prevista para outubro. Seu impedimento - possibilidade que ainda paira - seria uma tentativa de dar lustro de imparcialidade à justiça e permitir que ela cace todo candidato de esquerda ou progressista, cuja plataforma seja estancar e reverter o golpe. Sem Lula, talvez sem PT na disputa, Boulos é forte candidato não apenas ao segundo turno, como a uma nova arbitrariedade dos golpistas vestidos de toga e armados de concessões de tevê.

12 de março de 2018.

Lula (e o Brasil) em aporia

Fico a imaginar o tamanho do drama que vive Lula por estes dias. Sua prisão é certa: assim como o TRF-4 e o STJ, o STF é um teatro, não um tribunal, as falas já foram dadas de antemão - e não estão na constituição ou qualquer código do direito nacional. A demonstração de que o golpe não faz concessões ao populacho, com a encenação do TRF-4 em janeiro, mesmo com toda a pressão popular, teve o esperado efeito de reduzir essa mobilização. A insistência na narrativa das (previstas) eleições de outubro corroboram com a desmobilização: "perdemos agora, mas daremos o troco nas urnas". Duro que estamos sempre esquecendo de combinar com os russos, digo, com a elite brasileira. Com a rua limpa, mandar a polícia levar o ex-presidente, ainda que traga o perigo de uma convulsão social, seu risco é menor do que um ano atrás; e Lula na prisão não poderá ser cabo eleitoral de ninguém.
No fundo, cabe a Lula agora decidir se será preso ou resistirá, e se tal resistência será baseada na mobilização popular e num frágil escudo humano ou em um pedido de asilo político no exterior. Está numa aporia: qual seja sua escolha, arcará com perdas. Não vejo mais que essa três alternativas - por parte dele, nunca duvidemos de uma ainda maior radicalização das elites (Paulo Henrique Amorim já há um bom tempo tem alertado para ações mais drásticas da direita e seguidores fanáticos do Pato).
Preso se tornará um mártir, o Nelson Mandela destes Tristes Trópicos. Acontece que Lula não tem mais idade para ficar vinte anos na prisão e depois ainda retornar para ser presidente. Sem contar que estamos num estado de exceção. Sua prisão pode durar só até passarem as eleições, ou pode se tornar prisão perpétua: depois do triplex, o condenam pelos pedalinhos, pelo Instituto Lula, pelas greves de 79-80: não há prescrição de crime quando se julga um inimigo político em "tempos excepcionais", e não há lei que não possa retroativamente criar crimes (ou absolver criminosos amigos). Se preso, Lula não poderá fazer campanha para  seu candidato nas (imaginadas) eleições de outubro, ou seja, não poderia dizer qual será um dos nomes que estarão no segundo turno. Passará a mensagem de republicanismo, de respeito às instituições e às leis do país, mesmo que sejam injustas - assim como quando teve o passaporte apreendido. É uma mensagem pacifista, de crença na possibilidade da mudança por dentro, porém, ao mesmo tempo, uma exemplo de conformismo. E àquele jargão que muitos gostam: "a história julgará", não é mais que discurso dos que fracassaram e desistiram, pois a história se faz agora.
A possibilidade de resistir à prisão traz mensagem no sentido oposto: de que a um judiciário injusto (não se pode sequer falar em leis injustas neste caso) não nos resta outra coisa que a desobediência civil, o não cumprimento de suas ordens; de que a uma situação injusta se deve lutar por todos os meios. A possibilidade de permanecer no país e ser defendido pelo povo pode trazer grandes abalos sociais, mártires anônimos, mas com pouca possibilidade de reverter a prisão. No exílio, tentarão impingi-lo a pecha de covarde, a chance de convulsão social é menor, e a possibilidade de interferir nas eleições permanece.
Desconfio que Lula esteja pesando qual saída escolherá - bem gostaria que ele achasse alguma outra, mais alentadora. Ainda que seja um grande homem público, de aguçado faro político, Lula não é infalível, sendo que, sem dúvida, sua maior falha foi na avaliação das elites brasileiras, na qual baseou tanto sua política de acomodação política quanto sua política econômica: não é um Romanée Conti que te faz ingressar na elite tupiniquim, e sim a rejeição ao povo e a tudo o que é brasileiro. Pela dimensão que teve, e que ainda foi acrescida com toda a perseguição atual, Lula precisa abandonar o republicanismo e o respeito às instituições - se o próprio STF não cumpre a constituição, porque ele deveria cumpri-la, prejudicando de si próprio e a todo o país? Essa luta perdida (ao menos para agora), deve deixar para o PT, que é um partido institucional e deve pautar sua luta dentro da legalidade e dos princípios democráticos e republicanos - seja lá o que isso signifique no Brasil. No futuro, Lula estará entre os maiores da história da América, não resta a menor dúvida quanto a isso, o que precisamos é que ele permaneça ativo na história agora, antes de mártir, precisamos de sua liderança.



12 de março de 2018.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Huck, o candidato

Luciano Huck, a despeito do que diga, segue candidato à presidência da República Bananeira do Brazil. Artigos na Folha e ameaças da Globo são apenas jogo de cena: sua candidatura só pode ser dada como enterrada quando não tiver mais possibilidade de acontecer - abril, conforme as leis atuais, se não acharem mais apropriado mudá-las, tendo em vista a casuística do momento.
Primeiro fator de que segue candidato: Huck não teve essa ideia ano passado, em um jantar na casa de alguma socialite. É projeto acalentado há quase uma década: não achei que foi puro flerte quando li, em entrevista para a revista Alfa, em 2011, que o garoto propaganda da Globo desejava se tornar presidente da República, por mais que desconversasse (glo.bo/2o3cTMG, não achei a entrevista original). São ao menos sete anos desde que foi tornado público esse desejo, tempo para se preparar - não digo para a administração pública, mas para a campanha política -, fazer os contatos políticos e econômicos, preparar a imagem de maior impacto eleitoral. Não por acaso, Huck tem potencial de ser o candidato dos dois extremos da sociedade: dos com muito dinheiro, que saem que ganharão com o marido da Angélica, e dos sem nada que não uma esperança ignorante e vã de um dia tirarem a sorte grande - na Mega sena ou no Caldeirão do Huck.
Segundo fator: a exemplo das igrejas evangélicas, a Rede Globo sempre teve sua bancada legislativa - de Miro Teixeira a Lasier Martins -, e não há por que não ela não querer um testa de ferro seu assumindo o executivo federal (já que os Marinho não tem o carisma de um Berlusconi), ainda mais nestes tempos em que, por mais que siga hegemônica, tem seu poder enfraquecido como nunca antes - vide o caso de não conseguir manter a narrativa do golpe para além de um pequeno círculo de neofascistas, ou de sequer conseguir derrubar Temer, o minúsculo.
Terceiro fator: a crise política e o estado de anomia na (proto)nação são o cavalo selado passando na frente de Huck e Globo. O impedimento de Lula priva parte da população de seu candidato, e Huck tenta justo entrar nessa faixa do eleitorado - de muito trabalho, poucas recompensas, mas confiantes no futuro, sem ressentimentos, mesmo que pague pelo caviar que a elite segue a desfrutar com seu desemprego. Huck pode adiar para o futuro sua candidatura, porém 2018 se mostra momento mais que propício para aventureiros - como 1989.
Quarto fator: é do interesse do PSDB Huck candidato. Alckmin não tem conseguido decolar, apesar de todo apoio midiático e financeiro que tem tido. Um segundo nome de confiança das elites é importante: se Alckmin seguir a patinar, atira-se ao mar e embarca na canoa Huck - o exemplo vem das origens tucanas: PMDB, 1989. Se Alckmin avançar, Huck pode ser um ótimo cabo eleitoral no segundo turno, transferindo parte de seus votos ao Picolé de Chuchu. E não sejamos ingênuos: ao contrário das esquerdas, que adoram se atacar entre si (vide Erundina atacando Haddad, em debate de 2016), a direita, mesmo dividida, sabe que não cabe atirar dentro do próprio campo: Alckmin e Huck, mesmo que adversários, dificilmente entrarão em pugna. (Uma amiga levantava ainda a questão religiosa como outro ponto fraco do apresentador).
Vejo três grandes pontos fracos de Huck. Um deles, sua ligação com a Globo - parte da população já notou que a rede forjou uma série de fake news para pôr no governo Temer e um projeto que arruinou não apenas a nação como a vida das pessoas comuns. O segundo, suas muitas fotos com políticos que ficaram manchados com a atual crise, como Aécio Neves - pode rolar um "eu não sabia", porém ainda assim é vidraça para adversários: "se não conhece seus amigos de confiança, como vai ter controle da máquina estatal, cheio de desconhecidos, e em que responderá pelo ato de todos, podendo ser incriminado por 'ato de ofício indeterminado'?". Por fim, o sucesso eleitoral de Doria Jr e seu fracasso administrativo. Nenhum desses três pontos, por ora, são capazes de naufragar sua candidatura, mas podem custar a eleição. 
A reportagem da Folha de São Paulo, sobre o bolsa-jatinho de Huck, pode ser encarado como balão de ensaio do quanto sua candidatura resiste a ataques. O jornalismo lixo brasileiro é capaz de ir muito abaixo disso, escarafunchar a vida pessoal do apresentador e de sua família propaganda de margarina, e, caso descubra algo nesse campo, feri-lo gravemente frente seu eleitorado. Não defendo esse tipo de jornalismo ou de ativismo político, porém a mídia não se faz de rogada em usá-lo contra quem é de esquerda - e certamente não usará contra quem é amigo seu.
Fica, então, a questão: por que essa dança do "desiste, não desiste, desiste de verdade, não desiste de verdade, desiste, sim, ou não, desdesiste"? Ao que tudo indica, trata-se de estratégia de marketing. Além de deixar seu nome ventilado seguidamente mas não o tempo todo, busca fazer com que Huck entre - caso entre - na disputa como uma onda, um movimento "irresistível" que cresce. Lançou (lançaram, segundo ele) seu nome, as pesquisas deram um dígito, a Globo fez a ceninha de colocá-lo contra a parede: ou candidatura ou contrato; desistiu em artigo na Folha (onde estaria um resto de classe média intelectual liberal não fascista, e até algumas pessoas de esquerda, se é que ainda restam entre os assinantes desse panfleto), com referências à família e à sua caravana pelo país, que conheceria in loco - versão televisiva das caravanas lulistas de 1994? Foi relançado por ninguém menos que o ex-presidente FHC. Nova pesquisa, novamente um dígito, novamente Globo cobrando resposta, novamente ele desistindo do que já disse ter desistido - mas os contatos de bastidores seguem. Seu nome ainda constará nas próximas pesquisas eleitorais, será trazido pela mídia e por políticos, se mostrar um início de crescimento, Huck assumirá a candidatura, e o fim do contrato com a Globo será reforçador de seu "destino manifesto" para a presidência, do chamado das ruas que ele atende, abrindo mão de seus interesses particulares pelo bem do povo e da nação. Ganhará a aura de abnegado e um discurso a la queremismo getulista. Se assim ocorrer, salvo Lula, será difícil freá-lo - inclusive, ideal seria que Lula fosse barrado o quanto antes, para poder começar esse movimento e reinterpretá-lo nessa lógica de movimento espontâneo. Se não decolar nas pesquisas, não se lança candidato, fica tudo como está, e ele se prepara para 2022 (se tiver eleições). Portanto, até abril (ou até quando os neoditadores do judiciário decidirem), não vale o que diz o candidato, digo, o apresentador. 

16 de fevereiro de 2018


quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Retrato de momento para 2018 (se houver eleições)

Capas da Veja, da Isto É, da Isto É Dinheiro, entrevista na TV Bandeirantes: a direita do atraso dá mostras de agir coordenadamente com vistas a 2018, tanto no plano partidário quanto midiático - ainda chamado de jornalístico, quando na verdade é mera agencia de publicidade oficiosa de interesses razoavelmente bem definidos e pouco falados.
Em tese é um tanto cedo tentar traçar um cenário para 2018, ainda mais quando nem se sabe haverá eleições e em que condições elas acontecerão - se terão relevância maior ou menor para o país -, contudo, mesmo assim, parece importante mapear estratégias - da esquerda e da direita.
Começo pelo campo mais bem organizado, a direita.
Há mostras de medo da possibilidade de Lula vir a concorrer, sem ser impedido pela justiça. Certamente esse medo vem não pela questão da justeza da justiça, que isso ninguém mais tem dúvidas, mas por possível cálculo político desta, e notar que barrar Lula seria jogar o país em um estado de confronto social que exigira a presença do exército - o que implicaria em pôr o judiciário em segundo plano, fazendo com que a casta perdesse muito do poder político que hoje possui. A questão que permeia o judiciário, ao que tudo indica, é se é melhor um presidente do qual não gosta mas está acuado e tentando reagir, ou um "presidente" mais afim aos seus propósitos que, pelo argumento das baionetas, vai enquadrar o judiciário.
Enquanto o judiciário não se decide, resta tentar desqualificar Lula - mais um pouco. Isto É ataca mais genericamente, anuncia que "começa a cedo a campanha da mentira" (certamente quem lê essa revista não vai notar que a campanha da mentira está a galope desde 2014, pelo menos), pondo no seu site Lula, Ciro, Bolsonaro e Marina (ela ainda está viva?). Bola levantada para, na mesma semana, Veja ("A política que assusta") e de Isto É Dinheiro ("Eles assustam o mercado") chutarem. Ambas tentam criar uma polarização não mais entre PT e PSDB, como de 1994 até 2014, mas entre Bolsonaro e Lula, com um sendo o antípoda exato do outro - dois extremistas, um de direita, outro de esquerda. Vamos assim descobrindo que a função atribuída pelos donos do poder a Bolsonaro é a de boi de piranha - função cumprida por Russomano nas últimas duas eleições de São Paulo. A questão é se vão conseguir pôr o monstro de volta na caixa, uma vez Bolsonaro não é um apresentador televisivo com discurso genérico, e as ideias que defende começam a ecoar na sociedade e nos grandes partidos - Doria Júnior que o diga.
Bolsonaro tenta se gabaritar como político sério, o que é muito difícil de conseguir. É político de discurso de extrema-direita belicista, sem qualquer proposta legislativa ou sucesso de vida para mostrar e sem qualquer estofo para discutir questões nacionais. Ganha destaque em certos estratos sociais mais altos, por se pintar como anti-político, por "dizer o que pensa" (como se pensasse), porém, já disse alhures, sua verve belicista não me parece encaixar no ethos da maioria tupiniquim, seu patriotismo se encerra na caça ao inimigo interno, e sua tentativa de formar uma equipe econômica o leva para se tornar uma espécie de Doria Júnior Troglodita e fracassado, um PSDB Jr. Talvez a grande validade da sua candidatura seja cacifar-se para barganhas futuras.
Por falar no João Trabalhador que usa o cargo de prefeito (prefake) para se promover, este claramente recua da estratégia adotada desde a eleição do ano passado. Portas fechadas no DEM e sem ânimo para arriscar no Novo, se adequa ao novo figurino PSDB-Mídia. Ademais, deve ter sido avisado pelo seu pessoal de marketing que sua administração (que ele chama de gestão) catastrófica à frente de São Paulo vai desqualificando-o para qualquer novo vôo político, e que na disputa pelo coração anti-petista como o mais bronco, machão e valentão da boca para fora, o almofadinha que joga flores no chão não é páreo para o ex-militar que faz flexão de pescoço [https://youtu.be/4RSs-6XeIrI]. Para anunciar sua nova fantasia, duas horas de publicidade travestida de entrevista na TV Bandeirantes, onde ele reafirma o mito de PSDB de centro, põe a si como alguém cordato e de centro, e se vangloria de sua humildade em aceitar ser vice de Alckmin.
Nessa briga de raposas, a velha raposa Alckmin parece estar mostrando ao seu pupilo que a coisa é menos simplória do que o "self-made man com dinheiro do papai e do erário público" e seus marqueteiros imaginavam. O bom moço da Opus Dei e da pena de morte extra-judicial autorizada para seus subordinados ("quem não reagiu está vivo"), começa a tentar se situar mais à esquerda do seu partido, como a provar seu centro, de equidade diante dos extremos (Lula e Bolsonaro), e participou recentemente de evento de corrente de esquerda do PSDB (?). Não dá para acreditar que seja algo além de estratégia de marketing, porém o gesto não deixa de ser importante para o momento atual de florescência neofascista. Se esse caminho de moderação fortalece Bolsonaro por um lado, por outro o isola ainda mais e ajuda a romper com a radicalização plantada pela mídia até agora. Em afinidade com essa mídia, a construção do bom moço firme de centro pode garanti-lo como nome da direita, sem espaço para aventureiros (pretendo escrever mais sobre esse movimento de Alckmin em outra análise).
Outro que ameaça despontar, parece estar apenas aguardando o melhor momento, é Luciano Huck, pelo DEM. Esse melhor momento deve ser o mais próximo possível das eleições: quanto menos se expuser enquanto candidato, menos chance de ser "desconstruído". Ventila seu nome vez ou outra, mas não sai em campanha. Ao mesmo tempo que é sua inspiração, Doria Júnior pode ser o seu calcanhar de Aquiles: se se forçar uma similitude entre os dois apresentadores, os resultados do João Trabalhador à frente da prefeitura podem desmerecer o novo não-político na disputa. Por seu lado, diferentemente do discurso de gestor, self-made man de sucesso, tecnocrata, Huck pode vir com discurso mais família: o bom pai de família, carinhoso e atencioso (sic) com a mulher e os filhos, ao mesmo tempo alguém que conhece os problemas do povo mais simples, nos seus anos e anos de quadros com assistencialismo hipócrita em seus programas, ou seja, alguém que sabe ser carinhoso e compreensivo, que gosta de ajudar a todos, e, quando preciso, sabe ser duro e firme para evitar que o filho se perca em seu caminho.
Marina Silva perdeu completamente o tempo político. Queimou pontes com eleitorado progressista ao apoiar Aécio "Um que a gente mata antes da delação" Neves em 2014 e ao se ausentar das grandes questões ambientais desde então. Na verdade, ao se ausentar de praticamente toda questão desde então - e quando apareceu foi discretamente, para ficar em cima do muro, queimando também as pontes com a direita. Agradava a um eleitorado reacionário que gostava de posar de prafrentex porque compartilhava denúncias de desmatamento na floresta amazônica (ao mesmo tempo que aplaudia e apoiava o agronegócio), porém é pouco para uma candidata à presidência. Talvez ainda imagine que possa ser alçada à condição de grande líder do centro, na falta de nome melhor, mas há muitos nomes para a vaga, e uma mulher negra do norte nunca será a opção preferencial das elites brasileiras.
Não me parece que Henrique Meirelles, Rodrigo Maia ou algum nome do PMDB sejam atores relevantes na ribalta - o são, sem dúvida, nos bastidores, e não será surpreendente se embarcarem em um candidatura de direita e, diante de uma vitória evidente de Lula, trocarem de lado no meio do processo eleitoral.
No espectro da direita, da reação, a estratégia está mais ou menos traçada, até para o caso mais terrificante (Lula poder disputar a eleição; na ausência desse, imaginam que vencerão fácil, pelas urnas ou pelos coturnos), no campo progressista e/ou de esquerda, os cenários e estratégias estão ainda sendo rascunhados, aparentemente com desorganização e velhas falhas, com o narcisismo das pequenas diferenças aflorando com vigor.
Lula, Ciro, Manuela D'Ávila (PCdoB), e Psol (por ora com Boulos) são os nomes ventilados neste campo. As discussões internas ao espectro já começaram: traição, favorecimento das direitas, necessidade de candidatura única - conversa muito similar à eleição de São Paulo, quando Erundina decidiu disputar a prefeitura. Vale lembrar que nesse caso, não fosse Erundina e seria bem provável que a vitória de Doria Júnior no primeiro turno seria ainda mais acachapante. Falta à esquerda entender que primeiro turno é momento de todos apresentarem suas ideias. O grande ponto é evitar o que Erundina fez ao menos em um debate de 2016: bater na própria esquerda. Candidatos próprios, com propostas independentes, mas o compromisso de cerrar fileiras contra a direita e os golpistas, denunciando os retrocessos sociais aprovados por Temer, PMDB, PSDB e demais, evitando ao máximo críticas dentro do espectro - por mais que sejam críticas pertinentes e em grande medida necessárias -, deveria ser esse o compromisso dos candidatos deste campo.
Muitos dizem que essa fragmentação das esquerdas, em especial com a possibilidade de candidatura própria do PCdoB como decadência do PT, perda de seu poderio. Não é o que demonstram pesquisas. Apesar de todo o ataque, Lula segue com um terço do eleitorado, e o PT ainda é o partido mais admirado. É de acreditar, contudo, que muitas pessoas fiquem em silêncio diante de toda essa campanha de massacre midiático, mas votem no partido que trouxe grande melhoria na sua qualidade de vida - um voto racional. À pecha de corrupto, haveria a alegação de que todos são, mas o PT faz; ou mesmo o descrédito de todas essas denúncias - uma mentira repetida um milhão de vezes se torna uma verdade, dizia Goebbels, mas é preciso saber mentir com propriedade, ou o efeito pode ser o oposto. Ainda sobre a tal decadência, vale lembrar que o PT nunca foi unanimidade - nem mesmo no próprio partido, havia correntes contrárias aos rumos do partido -, e apesar de talvez ter perdido a hegemonia no campo da esquerda, o PT segue como principal força.
PT como principal força, e Lula como principal candidato. Além do risco da condenação em segunda instância, o judiciário já deu mostras de querer podá-lo por outros caminhos se for necessário - como a acusação no TSE de campanha antecipada, por conta da sua caravana. Se não o condenarem, a campanha mal feita para torná-lo a encarnação do mal irá levá-lo à presidência - salvo algum outro golpe muito baixo, o que não deve ser descartado. O PT diz não trabalhar com plano b, porém é evidente que Haddad figura como alternativa natural - e, contrariamente a Dilma, um quadro politicamente capacitado. Faz caravana com Lula e dá entrevistas - se não for para presidente, é nome forte para o governo de São Paulo, sem nenhum grande nome até agora, visto que Doria Júnior seria um dos nomes, mas resta saber se vai conseguir reverter a deterioração de sua imagem.
Ciro Gomes (PDT) costuma ser posto no campo progressista. Tenho várias reticências quanto a isso, mas diante do quadro atual do Brasil, sim, ele é do campo progressista. Ciro é um candidato que perdeu seu momento. Se conseguir deslanchar, não precisará de nenhuma nova frase infeliz: as que possui já são suficientes para fazer com que naufrague, como em 2002, quando sua frase infeliz sobre o papel de sua esposa nas eleições custou-lhe não apenas a liderança nas pesquisas como a participação no segundo turno. Para 2018, já soltou a frase infeliz sobre o momento testosterona e Marina - convenientemente descontextualizada e manipulada à esquerda e à direita -, e novas devem vir, se deixarem ele falar. Teve sua segunda chance em 2006: se se anunciasse como um voto crítico à esquerda ao governo Lula, poderia ter se gabaritado para 2010. Manteve-se leal ao líder, e agora tenta se descolar de um modo até raivoso. Pelo momento atual, novembro de 2017, não entra em 2018 para vencer. Na verdade, fora do PT ainda não apareceu nome algum cuja vitória na eleição (se houver) seja factível.
A exemplo de todas as outras eleições, o Psol deve lançar candidatura própria. Desde sua criação é  bastante claro a quem quiser ver com alguma imparcialidade que o Psol é uma dissidência intelectual-acadêmica do PT, um PT sem base social. Promete começar a mudar essa escrita - finalmente - em 2018, ao aventar o nome de Guilherme Boulos, do MTST, como candidato. Com remotas chances por enquanto, sua presença seria um grande ganho para o debate, dado seu histórico de militância e sua sólida formação intelectual, ao trazer um líder de um movimento popular em plena efervescência para o centro do debate eleitoral.
O PCdoB, surpreendendo a muitos, pretende lançar a deputada gaúcha Manuela D'Ávila. Outro nome que deve enriquecer o debate - desde que saiba quem atacar, e não tente disputar eleitorado na base de desqualificação de quem está mais próximo. Gilberto Marigoni, do Psol, louvou a pré-candidatura, chamou de "desprendimento grandioso" a troca de uma eleição certa para a câmara dos deputados por uma candidatura com remotíssimas chances - diz o professor acadêmico que essa troca é importante para discutir projetos de país. Ouso discordar de Maringoni. Por mais que a política brasileira seja altamente personalista, é de se questionar se precisamos aceitar esse padrão. Convém lembrar que a eleição de Collor ao senado, em 2006, pode ser creditada na conta do Psol e de Heloísa Helena, mesmo que indiretamente; e se se trata de discutir projetos de país, é de se imaginar que o PCdoB possua um projeto para além de quem seja o candidato. 
Esse desdém para com o legislativo (e, consequentemente, com as eleições para deputado e senador) mostra o quanto a esquerda ainda patina em estratégia para 2018 (caso haja eleições). Vencer a majoritária e acabar refém de um novo Eduardo Cunha e de uma câmara reacionária como a atual será uma vitória de Pirro - a história recente do país deveria ter nos ensinado, porém ignoramos. Enquanto a direita trabalha também candidatos para o legislativo, com MBL, ou o tal do "Fundo Cívico" de Huck, Diniz e Guanaes, a esquerda abdica de nomes capazes de trazer votos - e coerentes com as bandeiras progressistas: alguém do naipe de um André Sanchez (que recentemente propôs a cobrança de mensalidade no ensino público), é um desserviço que se presta ao país (neste caso, o PT, mas Psol, PCdoB, PDT não deixam nada a desejar nesse quesito) -, em nome de campanhas propositivas e com poucas chances de vitória. Diante de todos os retrocessos sociais vividos desde o golpe, a esquerda não pode se dar ao luxo beletrista de promover o debate em detrimento de vitórias efetivas - até porque o debate pode ser conduzida por outra pessoa, sendo o próprio Maringoni um exemplo de ilustre desconhecido que disputou eleição majoritária.
Como disse, trata-se de um panorama do que se projeta a partir de um momento bem específico: novembro de 2017, e uma nova estratégia da direita e da mídia para o PSDB. Até a eleição, cabe antes garantir que ela acontecerá, e acontecerá sem um golpe judiciário - ou seja, que fique apenas suscetível a um golpe midiático branco, a exemplo de 1989, 1998, e do que se tentou em 2002, 2006, 2010, 2014. E além de pensar em disputa institucional, é preciso encontrar modos de ampliar a mobilização popular, na tentativa de evitar maiores retrocessos e engajar as pessoas nas eleições, ou mesmo na sua defesa. Se parte da esquerda permanecer deitada em berço esplêndido esperando a eleição chegar, quando se der conta, mesmo que ganhar a presidência, não vai ter muito mais a fazer que administrar o caos e os cacos de um resto de país.

09 de novembro de 2017

terça-feira, 10 de maio de 2016

A extrema-direita brasileira em busca de um Trump pra chamar de seu

A extrema-direita brasileira ainda se bate atrás de um nome viável de assumir o executivo federal - mas também os estaduais e municipais. Seu movimento legislativo é clarividente e tem dado resultados: via bancada BBB (boi-bala-bíblia) deixou de ser uma força capaz de barrar propostas contrárias às suas bandeiras e hoje é capaz de impôr sua pauta - cujo ápice, por enquanto, vem desde que assumiu a presidência do Congresso Federal, com Eduardo "Capone" Cunha. Para o executivo, contudo, os nomes alentados não têm força para ganhar uma majoritária no curto prazo - conforme comentei em crônica passada [http://j.mp/cG160430]. Esse desfilar de nomes de alto impacto e pouco resultado, entretanto, tem servido para desviar a atenção de uma extrema-direita que cresce, se organiza e que se não ganhar o poder agora, via impeachment-golpe, deve ganhar em breve via golpe branco em parceria com a sempre presente Globo e demais veículos da Grande Imprensa, e com setores do judiciário que fazem justiçamento e não justiça - quando não fazem simplesmente gangsterismo, como é o caso de notório ministro do STF. 2022 é o mais provável, porém pode acontecer já em 2018. A forma como reverteram as chamadas "jornadas de Junho de 2013", de um movimento contestatório de esquerda para uma marcha reacionária de direita, mostra seu poder de organização: eles precisam apenas de um rosto que encarne um Führer tropical e pós-moderno.
Enquanto o PSC de Feliciano e Bolsomico se apresenta já sem quase nenhum disfarce como o partido neofascista do Brasil - mas tem seu teto baixo para o curto prazo, até por questões culturais [http://j.mp/cG160506] -, outra corrente neofascista se arma em um partido mais bem estruturado e com discurso mais palatável à cordialidade brasileira. Trata-se do PSDB, em especial da corrente paulista ligada ao atual governador Geraldo Alckmin.
Alckmin é o bom moço de fala firme mas sem extremismo (aparente), que vai à igreja (católica), defende a meritocracia (que seleciona sempre os mesmos e seus filhos, por coincidência), sem mácula de corrupção (como nos bons tempos do militares) e tem o dedo sempre no gatilho para matar quem reagir (e quem é da periferia sabe que se entregar é reação punível com execução sumária). Tudo bem ao gosto das viúvas de 64 mais recatadas, e dos incautos que viram na educação um meio e não um fim, e hoje desfilam com o mesmo orgulho sua ignorância diplomada, suas viagens para roteiros turísticos kitsch e seus carros importados blindados.
A Alckmin, entretanto, falta presença midiática: se seu banho publicitário fez com que superasse seu carisma de picolé de chuchu, ele se mostra pouco viável para discursos inflamados, como os seguidores do grande pato fascistas sinalizam buscar. Aécio Neves sonhou ocupar esse espaço e até ensaio vôos mais altos: com ajuda da Grande Imprensa, desde a eleição têm levantado uma cortina de fumaça para disfarçar seu passado, fez um "recall" no seu visual, em 2015, surgindo mais modernex, ao estilo playboy collorido, e radicalizou o discurso moralista-salvacionista, apesar das eleições terem terminado há tempos e ele ter sido derrotado. Sua tática tem virado pó: passou a disputar o mesmo nicho que Bolsomico, e é evidente que vai sendo sugado pelo neofascista puro-sangue. O outro nome do partido, José Serra, é outro político muito tradicional e pouco midiático, mas não convém subestimá-lo, pois para atingir seu objetivo pessoal de se tornar presidente do Brasil, não teria problemas em adotar o modelito nazi-fascista, stalinista, verde e até mesmo democrático, conforme o que melhor couber para a ocasião - é capaz de implodir o PSDB, se isso for necessário, para ser candidato à presidência.
Em suma, tirando o nome-hecatombe tucana de José Serra, o nome-chave do futuro do PSDB é Geraldo Alckmin. Como havia comentando em outra análise, a eleição paulistana deste ano "pode ser uma verdadeira refundação do partido, ou selar o seu fim enquanto opção política democrática para o país (João Doria seria a assunção do papel de legenda proto-fascista, a espera de Luciano Huck para presidente) [http://j.mp/cG160201]. Doria Jr, apadrinhado de Alckmin, levou, e é o nome a ser observado com muita atenção nestas eleições: é o primeiro ensaio de um Trump tupiniquim. Como seu colega estadunidense, para além de empresário de sucesso, já buscou a fama na indústria cultural - na versão brasileira do programa que consagrou Trump. Seu discurso é um equilíbrio publicitário entre Alckmin e Bolsonaro, a fala firme, mas sem extremismos do primeiro, e o discurso de ódio do segundo. Mais up-to-date que Bolsomico, Doria Junior não perde tempo em lamentar o fim da ditadura civil-militar e do Comando de Caça aos Comunistas, mas seu programa modernizador consegue, em certa medida, andar ainda mais para trás, sem por isso deixar de ser atual: reafirma o mito do vencedor brasileiro, identificado, primeiramente, com o automóvel próprio; a seguir, reafirmar esse brasileiro vencedor através do desdém com a urbe e tudo o que é público: o tal "Estado mínimo" por ele defendido não é outra coisa que redução de tudo que o que é público - inclusive o espaço público, a convivência pública, o debate público - ao seu mínimo, na impossibilidade de reduzi-lo a zero. Mais do que eventual cabo-eleitoral para Alckmin em 2018, Doria Junior é um teste de candidato-midiático por um partido estruturado e sem limitações de credo religioso - como o caso de eventuais candidatos por PSC ou PRB.
Alckmin é o nome-chave desse neofascismo com sede no PSDB do Tucanistão (outrora São Paulo, a locomotiva do Brasil, que hoje parece buscar novamente essa alcunha, restando apenas achar um Auschwitz paulista), também por o que tem demonstrado em seu governo: uma política militarizada até o limite que a ordem democrática suporta (ou já não suporta), tratando movimento sociais e reivindicatórios como criminosos, populações periféricas como culpadas (e passíveis de serem executadas legitimamente por seus comandados) - a ponto de seu secretário de segurança, Alexandre de Moraes, um nome à altura de Fleury (o delegado ou o governador), ser cotado para a pasta da justiça e direitos humanos de um eventual e temeroso governo Temer  -, e com ampla conivência da Grande Imprensa - é de se imaginar como não será a anti-cobertura de um eventual governo de um empresário, ou então de um egresso da própria Grande Mídia.
Bolsonaro e o PSC não devem ser tratados como irrelevantes ou folclóricos, mas estão longe de ser o principal perigo a todos aqueles que defendem a efetivação da democracia e os direitos humanos nestes Tristes Trópicos. O conluio entre forças reacionárias, Fiesp, grande capital internacional, Grande Imprensa e PSDB de Alckmin promete muita instabilidade política e social para os próximos anos - percam ou ganhem as próximas eleições. A mobilização da sociedade civil e dos movimentos sociais precisa ser de grande intensidade e permanente, sob o risco de retrocessos perigosos nos pequenos avanços conquistados desde o fim da ditadura civil-militar.

10 de maio de 2016




sexta-feira, 6 de maio de 2016

Bolsonaro não é o Trump brasileiro

Muitos tem tratado Jair Messias Bolsonaro (PSC-RJ), o Bolsomico, de Trump brasileiro. Nada mais distante. A única semelhança entre os dois é o discurso de ódio e de incitação à violência e a filiação a uma genérica direita anti-política. Qualquer análise um pouco mais atenta dos dois personagens mostra que a distância é enorme.
A começar que muitos analistas têm dúvida sobre a crença de Trump em tudo aquilo que diz: guarnecido por uma forte equipe publicitária, o magnata americano já admitiu que usa sua verve raivosa em uma proposta polêmica toda vez que sente o moral de seus apoiadores arrefecer. Quanto a Bolsomico, não há dúvidas sobre sua fé no que professa, tanto que por muito tempo foi tido como um político folclórico - e se cresce agora é por mudanças na sociedade e não nas suas posições.
A figura de ambos também é diametramelmente oposta: Trump se vende como o vencedor, o chefe, o self-made man que fez e faz a América. Bolsomico é um aluno repetente da Escola Superior de Guerra, que não consegue ir além do medíocre, cujo grande mérito, falar o que pensa e peitar a todos não resiste a qualquer enquadramento mais forte da justiça - ou de um machão maior que ele. Ainda que motivados pelo medo (deles ou da população), ambos encarnam o cidadão típico de seu país, daí o discurso agressivo de Trump reafirmar sua pretensa superioridade - e dos Estados Unidos frente islâmicos e o resto do mundo -, enquanto Bolsonaro agride para disfarçar sua mediocridade, mais que isso, sua inferioridade - como falou esplêndidamente Contador Calligaris, não é Ustra que é o pavor de Dilma, é Dilma que é o pavor de Ustra e todos os seus apoiadores: "o silêncio do torturado é a vitória final sobre o torturador": Dilma não falou, Dilma não cedeu um milímetro ao seu torturador, que se viu impotente diante de uma mulher a quem tinha a vida e a morte nas mãos. Bolsomico tenta se vingar, ressentido e impotente (com toda a carga que essa palavra tem a um homem), por se saber inferior a uma pessoa do que ele tem por "sexo frágil".
Diferenças ainda, e significativas, há no plano político. Trump é um candidato que vem de fora da política para um partido central do sistema político estadunidense - ao invés de disputar a Casa Branca como independente, por exemplo. Bolsomico é um político profissional, de carreira, que tenta se fazer outsider. É tão inserido no sistema que diz ser contra que até a forma de fazer sucessor repete a dos habituais políticos oligárquicos do Brasil: indicar um parente - no caso, o filho. Os dois, portanto, fazem uma mistura confusa entre ser anti e estar dentro, mas o primeiro se mostra pragmático: entra para reafirmar seu "anti" com chances de vitória; enquanto o segundo está dentro tentando se passar por "anti".
Há também um quê do ethos de cada país que faz com que Bolsomico tenha teto baixo. Os EUA se fizeram e se reafirmam como nação agressiva, orgulhosa da própria violência. O Brasil, por seu turno, desde sempre tenta disfarçar sua violência com o que ganhou a alcunha, no século XX, de cordialidade. Bolsomico agrada a uma parcela da população bem específica: branca, diplomada, bem de vida, habitante do centro-sul, ressentida por ver seus privilégios frente os serviçais do prédio diminuídos por "direitos abusivos", e que se rebelou e ocupou as ruas, inflamada por Veja, Globo e Folha, contra os abusos dos vermelhos - seu modus operandi tem sido rejeitado pelos seus apoiadores, que se distanciam dos patos fascistas de Skaf. Vejo como seu eleitor típico um professor doutor da Faculdade de Educação da Unicamp, 15 pós-graduações orientadas, que num curso de Política Educacional para alunos de graduação solta que "o Brasil é um país injusto porque sul produz pro norte consumir", acrescentando a seguir que nordestino é preguiçoso e que pra cima de São Paulo tudo é precário, até a máquina de cartão de débito, isso vale já pra Minas Gerais, e ele não pode ser preconceituoso porque é mineiro (não estou exagerando, infelizmente não tenho gravada a aula, por isso não cito o nome do respeitado pesquisador). Talvez se o Bolsomico Júnior der uma de Marine Le Pen, afastar o pai, e trabalhar o discurso de direita num viés menos raivoso, mas com a mesma carga de ódio, ele tenha alguma chance - mas ele dá reiteradas mostras de ser tão limitado intelectualmente quanto o pai.
Outra e talvez mais importante diferença entre Trump e Bolsonaro: o primeiro é alguém up-to-date, o magnata que soube usar a indústria cultural para promover seu ego. Assim, ele não presta homenagem a McCarthy, e vocifera contra minorias, em especial contra imigrantes e muçulmanos, questões típicas do século XXI. Bolsomico está parado em 1968, ainda caça comunistas, e se ampliou seu ódio para gays, a cada manifestação ele reforça a impressão que isso é por uma questão interna mal resolvida dele. Conseqüência: junto com os impropérios, Trump tem um "projeto" de país, vagas idéias sobre o futuro da nação; Bolsomico é o ódio por si próprio e seu projeto para o Brasil não vai além de um passo atrás na roda da história.
Podemos respirar aliviados diante da fragilidade de Bolsonaro? Nem um pouco, pois temos fortes candidatos ao posto tupiniquim equivalente àquele ocupado por Trump nos Estados Unidos - com reais chances de vitória.

06 de maio de 2016



sábado, 30 de abril de 2016

Bolsonaro, o nome da vez - mas poderia ser qualquer outro

Jair Messias Bolsonaro (PSC), por muitos chamado de "Bolsomito", que eu acho mais coerente chamá-lo de "Bolsomico", é o nome da vez de uma certa direita ultra-conservadora brasileira, com destaque no campo dos costumes. Esse grupo busca um nome que o represente desde que ficou clara a derrota da aliança liberal-conservadora encabeçada pelo príncipe dos sociólogos - que trouxe junto a decadência de Bornhausen, Magalhães, Maluf e coronéis old-fashion afins -, junto com a ascensão política evangélica. O candidato da situação em 2002 se dizia nacional-desenvolvimentista e tinha histórico de esquerda (alguns incautos e ingênuos até acreditaram nessas pendências à esquerda, este escriba entre eles, o que não quer dizer qualquer apoio ao nefasto político), o que desagradou esse eleitorado. Nessa mesma eleição, Garotinho era o principal nome do grupo (lembro do professor Marcos Nobre, em palestra na Unicamp, dizendo que ele era o nome mais perigoso da disputa presidencial), e o sobrinho do chefe, bispo Marcelo Crivella, despontava como nome para o futuro (Veja comemorava a vitória do bispo da Igreja Universal sobre seu arqui-inimigo Leonel Brizola).
Uma breve pausa na voracidade política evangélica veio com o chamado Mensalão do PT e a candidatura do bom homem de Deus e das execuções extra-judiciais legitimadas, Geraldo Alckmin (PSDB-SP). Derrotado o "Santo", a força desse conservadorismo - que está próximo do movimento evangélico, mas de forma alguma se restringe a ele - cresceu sem parar, se organizando de modo cada vez mais autônomo dos partidos políticos centrais, até ser levado ao protagonismo, em 2010, por José Serra, que trouxe a pauta dos costumes e os pastores evangélicos mais obscurantistas para o centro do debate presidencial, ofuscando a representante oficial do grupo, Marina Silva (então no PV, hoje na Rede).
Desde 2010, revezam-se no congresso, nas emissoras de tevê e nas redes sociais nomes que tentam capitanear essa espécie de tea party tupiniquim. O senado, curiosamente, não consegue dar a mesma visibilidade que a câmara a esse tipo de político, enquanto Marina Silva tem o pecado original de ter sido do PT (o mesmo pecado de Marta Suplicy, a ser testado em outubro). O que sucedeu foi Garotinho e sua "pepita de 20 milhões" contra o kit anti-homofobia, Marco Feliciano, o homem da chapinha nos direitos humanos; Eduardo "Capone" Cunha e agora, finalmente, Jair Messias "Bolsomico".
Em sondagens para a presidência da nossa Republiqueta Bananeira do Brasil, Bolsomico desponta com cerca de 10% das intenções de voto. Jean Wyllys acredita que o carioca pode chegar a 15% quando mais conhecido (por sinal, o que é aquele deputado júnior por São Paulo votando em nome do "povo naxx ruaxx com o exxpirito doxx revolucionárioxx de trinta e doixx?"). Seu principal trunfo é atender aos anseios evangélicos - está até no partido mais ligado a eles - sendo católico. Também agrada às viúvas da ditadura, e a parcela mais ignara da classe-média, média-alta (na qual se inclui muitos mestres e doutores).
Seu discurso anti-minorias, contudo, faz com que tenha teto baixo. Uma coisa é falar mal de minorias na França ou nos Estados, onde gauleses e WASP são numericamente superiores e historicamente reivindicam supremacia sobre a emergência do Estado-Nação. Outra é essa fala num país periférico, tributário da colonização, pornograficamente desigual, e que tem conhecido um empoderamento das minorias - não condizente com a mesma asensão social das classes marginalizadas, infelizmente.
Não ter chances de ganhar a eleição não o faz um mero candidato folclórico, como Enéias, em alguma medida foi: além de poder puxar o debate ainda mais para a direita, seu discurso claramente estimula o ódio, a violência e a intolerância contra minorias, e contra todos que não compartilhem das idéias do fascio - Alckmin e Aécio que o digam, expulsos pelos milicianos do Paulo Skaf da própria manifestação. O neofascimo é uma ideologia anti-política que ganha adeptos em todo o mundo, mas tem suas peculiaridades nestes Tristes Trópicos. Por mais que não seja apenas o nome da vez, não há tanto a Temer Bolsomico: há figuras piores despontando no cenário nacional.


30 de abril de 2016.

E o pior é que um bigodinho orna.