Muitos
tem tratado Jair Messias Bolsonaro (PSC-RJ), o Bolsomico, de Trump
brasileiro. Nada mais distante. A única semelhança entre os dois é
o discurso de ódio e de incitação à violência e a filiação a
uma genérica direita anti-política. Qualquer análise um pouco mais
atenta dos dois personagens mostra que a distância é enorme.
A
começar que muitos analistas têm dúvida sobre a crença de Trump
em tudo aquilo que diz: guarnecido por uma forte equipe publicitária,
o magnata americano já admitiu que usa sua verve raivosa em uma
proposta polêmica toda vez que sente o moral de seus apoiadores
arrefecer. Quanto a Bolsomico, não há dúvidas sobre sua fé no que
professa, tanto que por muito tempo foi tido como um político
folclórico - e se cresce agora é por mudanças na sociedade e não
nas suas posições.
A
figura de ambos também é diametramelmente oposta: Trump se vende
como o vencedor, o chefe, o self-made man que
fez e faz a América. Bolsomico é um aluno repetente da Escola
Superior de Guerra, que não consegue ir além do medíocre, cujo
grande mérito, falar o que pensa e peitar a todos não resiste a
qualquer enquadramento mais forte da justiça - ou de um machão
maior que ele. Ainda que motivados pelo medo (deles ou da população),
ambos encarnam o cidadão típico de seu país, daí o discurso
agressivo de Trump reafirmar sua pretensa superioridade - e dos
Estados Unidos frente islâmicos e o resto do mundo -, enquanto
Bolsonaro agride para disfarçar sua mediocridade, mais que isso, sua
inferioridade - como falou esplêndidamente Contador Calligaris, não
é Ustra que é o pavor de Dilma, é Dilma que é o pavor de Ustra e
todos os seus apoiadores: "o silêncio do torturado é a vitória
final sobre o torturador": Dilma não falou, Dilma não cedeu um
milímetro ao seu torturador, que se viu impotente diante de uma
mulher a quem tinha a vida e a morte nas mãos. Bolsomico tenta se
vingar, ressentido e impotente (com toda a carga que essa palavra tem a um homem), por se saber inferior a uma pessoa do que ele tem
por "sexo frágil".
Diferenças
ainda, e significativas, há no plano político. Trump é um
candidato que vem de fora da política para um partido central do
sistema político estadunidense - ao invés de disputar a Casa Branca
como independente, por exemplo. Bolsomico é um político
profissional, de carreira, que tenta se fazer outsider. É tão
inserido no sistema que diz ser contra que até a forma de fazer
sucessor repete a dos habituais políticos oligárquicos do Brasil:
indicar um parente - no caso, o filho. Os dois, portanto, fazem uma
mistura confusa entre ser anti e estar dentro, mas o primeiro se
mostra pragmático: entra para reafirmar seu "anti" com
chances de vitória; enquanto o segundo está dentro tentando se
passar por "anti".
Há
também um quê do ethos
de cada país que faz com que Bolsomico tenha teto baixo. Os EUA se
fizeram e se reafirmam como nação agressiva, orgulhosa da própria
violência. O Brasil, por seu turno, desde sempre tenta disfarçar
sua violência com o que ganhou a alcunha, no século XX, de
cordialidade. Bolsomico agrada a uma parcela da população bem
específica: branca, diplomada, bem de vida, habitante do centro-sul,
ressentida por ver seus privilégios frente os serviçais do prédio
diminuídos por "direitos abusivos", e que se rebelou e
ocupou as ruas, inflamada por Veja, Globo e Folha, contra os abusos
dos vermelhos - seu modus operandi tem
sido rejeitado pelos seus apoiadores, que se distanciam dos patos
fascistas de Skaf. Vejo como seu eleitor típico um professor doutor
da Faculdade de Educação da Unicamp, 15 pós-graduações
orientadas, que num curso de Política Educacional para alunos de
graduação solta que "o Brasil é um país injusto porque sul
produz pro norte consumir", acrescentando a seguir que
nordestino é preguiçoso e que pra cima de São Paulo tudo é
precário, até a máquina de cartão de débito, isso vale já pra
Minas Gerais, e ele não pode ser preconceituoso porque é mineiro
(não estou exagerando, infelizmente não tenho gravada a aula, por
isso não cito o nome do respeitado pesquisador). Talvez se o
Bolsomico Júnior der uma de Marine Le Pen, afastar o pai, e
trabalhar o discurso de direita num viés menos raivoso, mas com a
mesma carga de ódio, ele tenha alguma chance - mas ele dá
reiteradas mostras de ser tão limitado intelectualmente quanto o
pai.
Outra
e talvez mais importante diferença entre Trump e Bolsonaro: o
primeiro é alguém up-to-date,
o magnata que soube usar a indústria cultural para promover seu ego.
Assim, ele não presta homenagem a McCarthy, e vocifera contra
minorias, em especial contra imigrantes e muçulmanos, questões
típicas do século XXI. Bolsomico está parado em 1968, ainda caça
comunistas, e se ampliou seu ódio para gays, a cada manifestação
ele reforça a impressão que isso é por uma questão interna mal
resolvida dele. Conseqüência: junto com os impropérios, Trump tem
um "projeto" de país, vagas idéias sobre o futuro da
nação; Bolsomico é o ódio por si próprio e seu projeto para o
Brasil não vai além de um passo atrás na roda da história.
Podemos
respirar aliviados diante da fragilidade de Bolsonaro? Nem um pouco,
pois temos fortes candidatos ao posto tupiniquim equivalente àquele ocupado por
Trump nos Estados Unidos - com reais chances de vitória.
06 de maio de 2016
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