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terça-feira, 10 de maio de 2016

A extrema-direita brasileira em busca de um Trump pra chamar de seu

A extrema-direita brasileira ainda se bate atrás de um nome viável de assumir o executivo federal - mas também os estaduais e municipais. Seu movimento legislativo é clarividente e tem dado resultados: via bancada BBB (boi-bala-bíblia) deixou de ser uma força capaz de barrar propostas contrárias às suas bandeiras e hoje é capaz de impôr sua pauta - cujo ápice, por enquanto, vem desde que assumiu a presidência do Congresso Federal, com Eduardo "Capone" Cunha. Para o executivo, contudo, os nomes alentados não têm força para ganhar uma majoritária no curto prazo - conforme comentei em crônica passada [http://j.mp/cG160430]. Esse desfilar de nomes de alto impacto e pouco resultado, entretanto, tem servido para desviar a atenção de uma extrema-direita que cresce, se organiza e que se não ganhar o poder agora, via impeachment-golpe, deve ganhar em breve via golpe branco em parceria com a sempre presente Globo e demais veículos da Grande Imprensa, e com setores do judiciário que fazem justiçamento e não justiça - quando não fazem simplesmente gangsterismo, como é o caso de notório ministro do STF. 2022 é o mais provável, porém pode acontecer já em 2018. A forma como reverteram as chamadas "jornadas de Junho de 2013", de um movimento contestatório de esquerda para uma marcha reacionária de direita, mostra seu poder de organização: eles precisam apenas de um rosto que encarne um Führer tropical e pós-moderno.
Enquanto o PSC de Feliciano e Bolsomico se apresenta já sem quase nenhum disfarce como o partido neofascista do Brasil - mas tem seu teto baixo para o curto prazo, até por questões culturais [http://j.mp/cG160506] -, outra corrente neofascista se arma em um partido mais bem estruturado e com discurso mais palatável à cordialidade brasileira. Trata-se do PSDB, em especial da corrente paulista ligada ao atual governador Geraldo Alckmin.
Alckmin é o bom moço de fala firme mas sem extremismo (aparente), que vai à igreja (católica), defende a meritocracia (que seleciona sempre os mesmos e seus filhos, por coincidência), sem mácula de corrupção (como nos bons tempos do militares) e tem o dedo sempre no gatilho para matar quem reagir (e quem é da periferia sabe que se entregar é reação punível com execução sumária). Tudo bem ao gosto das viúvas de 64 mais recatadas, e dos incautos que viram na educação um meio e não um fim, e hoje desfilam com o mesmo orgulho sua ignorância diplomada, suas viagens para roteiros turísticos kitsch e seus carros importados blindados.
A Alckmin, entretanto, falta presença midiática: se seu banho publicitário fez com que superasse seu carisma de picolé de chuchu, ele se mostra pouco viável para discursos inflamados, como os seguidores do grande pato fascistas sinalizam buscar. Aécio Neves sonhou ocupar esse espaço e até ensaio vôos mais altos: com ajuda da Grande Imprensa, desde a eleição têm levantado uma cortina de fumaça para disfarçar seu passado, fez um "recall" no seu visual, em 2015, surgindo mais modernex, ao estilo playboy collorido, e radicalizou o discurso moralista-salvacionista, apesar das eleições terem terminado há tempos e ele ter sido derrotado. Sua tática tem virado pó: passou a disputar o mesmo nicho que Bolsomico, e é evidente que vai sendo sugado pelo neofascista puro-sangue. O outro nome do partido, José Serra, é outro político muito tradicional e pouco midiático, mas não convém subestimá-lo, pois para atingir seu objetivo pessoal de se tornar presidente do Brasil, não teria problemas em adotar o modelito nazi-fascista, stalinista, verde e até mesmo democrático, conforme o que melhor couber para a ocasião - é capaz de implodir o PSDB, se isso for necessário, para ser candidato à presidência.
Em suma, tirando o nome-hecatombe tucana de José Serra, o nome-chave do futuro do PSDB é Geraldo Alckmin. Como havia comentando em outra análise, a eleição paulistana deste ano "pode ser uma verdadeira refundação do partido, ou selar o seu fim enquanto opção política democrática para o país (João Doria seria a assunção do papel de legenda proto-fascista, a espera de Luciano Huck para presidente) [http://j.mp/cG160201]. Doria Jr, apadrinhado de Alckmin, levou, e é o nome a ser observado com muita atenção nestas eleições: é o primeiro ensaio de um Trump tupiniquim. Como seu colega estadunidense, para além de empresário de sucesso, já buscou a fama na indústria cultural - na versão brasileira do programa que consagrou Trump. Seu discurso é um equilíbrio publicitário entre Alckmin e Bolsonaro, a fala firme, mas sem extremismos do primeiro, e o discurso de ódio do segundo. Mais up-to-date que Bolsomico, Doria Junior não perde tempo em lamentar o fim da ditadura civil-militar e do Comando de Caça aos Comunistas, mas seu programa modernizador consegue, em certa medida, andar ainda mais para trás, sem por isso deixar de ser atual: reafirma o mito do vencedor brasileiro, identificado, primeiramente, com o automóvel próprio; a seguir, reafirmar esse brasileiro vencedor através do desdém com a urbe e tudo o que é público: o tal "Estado mínimo" por ele defendido não é outra coisa que redução de tudo que o que é público - inclusive o espaço público, a convivência pública, o debate público - ao seu mínimo, na impossibilidade de reduzi-lo a zero. Mais do que eventual cabo-eleitoral para Alckmin em 2018, Doria Junior é um teste de candidato-midiático por um partido estruturado e sem limitações de credo religioso - como o caso de eventuais candidatos por PSC ou PRB.
Alckmin é o nome-chave desse neofascismo com sede no PSDB do Tucanistão (outrora São Paulo, a locomotiva do Brasil, que hoje parece buscar novamente essa alcunha, restando apenas achar um Auschwitz paulista), também por o que tem demonstrado em seu governo: uma política militarizada até o limite que a ordem democrática suporta (ou já não suporta), tratando movimento sociais e reivindicatórios como criminosos, populações periféricas como culpadas (e passíveis de serem executadas legitimamente por seus comandados) - a ponto de seu secretário de segurança, Alexandre de Moraes, um nome à altura de Fleury (o delegado ou o governador), ser cotado para a pasta da justiça e direitos humanos de um eventual e temeroso governo Temer  -, e com ampla conivência da Grande Imprensa - é de se imaginar como não será a anti-cobertura de um eventual governo de um empresário, ou então de um egresso da própria Grande Mídia.
Bolsonaro e o PSC não devem ser tratados como irrelevantes ou folclóricos, mas estão longe de ser o principal perigo a todos aqueles que defendem a efetivação da democracia e os direitos humanos nestes Tristes Trópicos. O conluio entre forças reacionárias, Fiesp, grande capital internacional, Grande Imprensa e PSDB de Alckmin promete muita instabilidade política e social para os próximos anos - percam ou ganhem as próximas eleições. A mobilização da sociedade civil e dos movimentos sociais precisa ser de grande intensidade e permanente, sob o risco de retrocessos perigosos nos pequenos avanços conquistados desde o fim da ditadura civil-militar.

10 de maio de 2016




segunda-feira, 21 de março de 2016

Esperando o primeiro cadáver [O Brasil em tempo de cólera e golpe]

Eu bem gostaria de dizer que os próceres do golpe encenam uma peça de teatro do absurdo, mas seu irrealismo ganha realidade no moderno aparato espetacular: a realidade material é secundária diante de interpretações fantasiosas, esquizofrênicas, paranóicas que a Grande Imprensa - rede Globo à frente - oferece para o consumo acrítico de parte da população. Praticando com esmero os ensinamentos de Goebbels, a mentira repetida um milhão de vezes ao dia se tornar verdade a uma parcela significativa da população, que se perdeu da realidade em teorias universitárias e jornalismo-novela; seu consumo, contudo, não é passivo: tem gerado reações extremistas em pessoas que vêem um futuro de herói nacional ao agirem com mais realismo que o rei.
O PSDB assumiu a dianteira do golpe, mesmo depois de serem escorraçados do ato que promoveram - acreditam, com base em si próprios, que o que aconteceu com Carlos Lacerda não acontecerá com eles, e tanto o judiciário quanto o povo (que não os elegeu) os carregarão nos braços, no dia da redenção golpista, no dia da rendição da democracia.
Em almoço José Serra e Gilmar Mendes parecem ter decidido os próximos passos do golpe - indiferentes ao que se passa nas ruas das cidades do país. Não encenam teatro do absurdo: brincam de jogo de estratégia em tempo real, algo como Warcraft, sem se importar que as forças que mobilizam são pessoas de carne e osso e não exércitos impalpáveis. Com a justiça preocupada em dar verniz legal ao golpe e não em agir como poder o mais próximo da neutralidade, logo menos deve aparecer o primeiro cadáver do discurso de ódio da rede Globo e seus asseclas - e nada garante que será o único. Não que seja novidade: o discurso de ódio contra minoria há tempo produz vítimas, só não era tão democrático como agora, a englobar qualquer pessoa que use vermelho, mesmo que seja camisa da Coca-Cola.
A decisão de Gilmar Mendes de devolver o processo para o justiceiro de província, Sérgio Moro, deixa o Brasil na beira de um conflito civil. As manifestações de sexta-feira, dia 18, na avenida Paulista e em diversas cidades brasileiras foram uma mostra de que haverá resistência popular ao golpe. Os neofascistas da "morolidade global" até então se sentiam legitimados em apedrejar qualquer Maria em nome de Jesus, quem sabe agora passem a apedrejar eventuais viventes que decidam imitar o filho de deus - agora que sabem que são a maioria, como o eram desde as eleições, a despeito do discurso da Grande Mídia e dos golpistas - e pedir um mínimo de bom senso. Acontece que nenhum é Jesus e é provável reações da turma da democracia.
Mas a situação pode piorar para além de brigas de rua entre proto-gangues neofascistas e anti-fascistas: Geraldo Alckmin deixou explicitado que usará a Polícia Militar de São Paulo como milícia pró-golpe a serviço do projeto de poder do PSDB-Globo-judiciário: já havia sido constrangedor o tratamento diferenciado dado aos seguidores do Pato da Fiesp, que bloqueiam por 40 horas a avenida Paulista sem serem incomodados (em compensação, se é adolescente reivindicando educação, dez minutos de interrupção de via pública é motivo para espancamento geral da gurizada, sob aplausos da mesma classe-média que apóia o golpe); a forma como a polícia militar interveio na PUC-SP nesta segunda, em que apenas observava o protesto dos alunos quando era pró-golpe, e mudou drasticamente de atitude quando esses foram calados pelos pró-democracia, com direito a balas de borracha, bombas de efeito moral e tratamento de choque para proteger neofascistas, mostra que Alckmin não tem qualquer compromisso com a ordem pública ou com a segurança dos cidadãos (o que não é novidade para um governador que estimula assassinatos extra-judiciais por parte de seus comandados), pelo contrário: são as ações de sua polícia que na grande maioria das vezes instigam a desordem e a violência - palavras de ódio e incitação à violência, tudo bem, reivindicar direitos ou exigir respeito à democracia, aí vira baderna, tudo homologado por Datenas, Bonners e afins.
Já desde ano passado comento que o exército está com muita vontade de entrar no palco e resolver a situação. Entretanto, contrariamente ao que pedem golpistas e porta-vozes da Grande Imprensa, as forças armadas não vão derrubar presidente nenhum: se entrarem em ação será para reprimir golpistas: mais de um ano da casa pegando fogo, com pedidos de intervenção militar, com acusações mil de comunismo ao PT e as forças armadas caladas, nenhum pio sequer dos seus generais de pijama. Foi só semana passada que um oficial se manifestou, para dizer que o exército respeita a constituição, ou seja, se subordina à comandante suprema das forças armadas do Brasil, isto é, Dilma Rousseff (amigo meu disse que o exército chegou a entrar em cena ano passado, para liberar pontos principaia de estradas do país durante o locaute dos caminhoneiros). A vontade das forças armadas entrarem em cena é simples: cobrar a fatura com o respeito à ordem democrática e constitucional agora com o enterramento definitivo de todo questionamento sobre a ditadura civil-militar de 1964-85. Na atual situação, se preciso for, penso ser um preço amargo, mas válido.
A prisão de Lula pode ser o estopim para revoltas populares e sua repressão pela milícia oficial (que atende pelo nome de polícia militar) paulista e pelas milícias paralelas. Do lado da reação, além dos defensores da democracia é possível que detone uma bomba de revolta e ressentimento contra o sistema repressor do Estado (principalmente em São Paulo), e esses não irão para as ruas protestar com gritos. Gilmar Mendes, Serra, os irmãos Marinho, Sérgio Moro e outros, protegidos em suas mansões, apostam que o governo não resistirá a um derramamento de sangue. A responsabilidade (ou irresponsabilidade) dos golpistas é preocupante para nós, pessoas comuns, sem direito a foro especial e guarda-costas pagos pelos cidadãos.

21 de março de 2016.

Eles fingem que estão jogando War

sábado, 19 de dezembro de 2015

As ruas começam a incomodar a Grande Imprensa

Um das principais conseqüências das chamadas "jornadas de junho", de 2013, é a assunção da rua como espaço político ordinário. Num país em que "político" é tido como termo pejorativo pelos próprios políticos, e no qual rua como espaço público é duramente questionado pela Grande Imprensa e pelas parcelas bem-remediadas do país - a ponto de se dizer, por exemplo, que o centro de São Paulo é área morta e precisa ser "revitalizada" -, conseguir que a rua assuma positivamente o papel político é algo a ser comemorado - na história destes Tristes Trópicos, talvez isso tenha acontecido apenas no interregno democrático entre 1945 e 1964; os caras-pintadas do Fora Collor, em 1992, não conseguiram deixar esse legado: tão logo caiu o presidente, tudo tomou seu lugar, depois que a banda passou.
E assim seguiu, de 1992 até a "quinta terror", aquela de repressão a la Pinheirinho contra os manifestantes classe-média que protestavam contra o reajuste da tarifa de transporte público: toda manifestação era tida por baderna e perturbação da ordem, um bando de desocupados que ao invés de trabalhar prefere atrapalhar os cidadãos de bem. Desde então, como espaço político, fechar uma faixa da Paulista para meia dúzia protestar contra o que for passou a ser legítimo. E como a rua ainda resiste em ser pública, cabe manifestação de esquerda, cabe manifestação de direita, cabe pobre pedir direitos, cabe rico pedir fim de direitos (dos outros, claro). Após dois anos das tais jornadas, as diferenças entre manifestação de esquerda e de direita foram se sedimentando e hoje são evidentes: na primeira, os policiais militares pronto para atacar; na segunda, os mesmo soldados fazendo poses para selfies; numa, diversas cores e classes; na outra, a padronização nas camisas da seleção em corpos brancos e bem nutridos; uma acontece durante a semana ou quando for necessário, na Paulista, no Viaduto do Chá, em Itaquera, na Praça da República, na Sé, no Grajaú, na Anhanguera, nas marginais; a outra ocorre aos domingos, na avenida Paulista, no máximo no Largo da Batata, com chamadas na rede Globo.
A importância da ocupação das ruas é vital se pretendemos construir uma sociedade democrática: conforme o filósofo francês Paul Virilio, mesmo em tempos de internet, de petições online, de xingar muito no tuíter e de páginas de protesto, o real poder está onde sempre esteve: na rua. Tem o controle da situação quem tem o controle da rua - daí todo o aparato do urbanismo e dos avanços técnicos para retirar a massa da rua.
Exemplo do poder das ruas: foi quando os estudantes - que desde o início agiam politicamente, diga-se de passagem - que ocupavam as escolas estaduais passaram a ocupar também as ruas que Alckmin recuou no fechamento das noventa escolas para 2016, não sem antes ter enviado para o diálogo - conforme o governador - seu porta-voz principal para questões sociais, a polícia militar e sua retórica feita de balas de borracha, bombas de gás e porrada democraticamente distribuída.
Nesta semana, a direita foi para a rua domingo, como é do seu feitio, protestar contra Dilma e a favor do golpe - nem precisa mais ser militar. Na quarta, a esquerda assumiu o protagonismo, em defesa da democracia.
A Grande Imprensa, como era de se esperar, manteve sua narrativa anti-democrática e golpista. Em tempo: não seria golpista se tivéssemos pluralidade nos meios de comunicação; contudo, com a Grande Imprensa agindo em monobloco, distorcendo os fatos de acordo com seus interesses, sem qualquer contraditório, aplicando os ensinamentos de Goebbels - sem conseguir atualizá-los para o tempo de internet -, resulta em pacto com um golpe de Estado. No domingo dos protestos pró-golpe, o Estadão trazia o protesto na primeira página; O Globo falava do futuro governo Temer; enquanto a Folha de São Paulo - versão diária para a Veja - estampava como manchete que "após 13 anos de PT, 68% não veem melhora de vida" (por mais que todos os indicadores digam o contrário), e imprimia na sua primeira página nota sobre os protestos. Na segunda, o Globo sequer os mencionava na sua capa, os jornalecões de São Paulo falavam do fracasso, ainda que Folha tentasse dar um ar Poliana a ele. Na quinta, os jornais noticiavam como atos pró-Dilma os protestos que foram antes de tudo anti-golpe - como dissera em entrevista à BBC Brasil Guilherme Boulos, boa parte, se não a maioria, não estava ali para defender o governo, mas a democracia. Por terem levado mais gente que os protestos de domingo, mereceram figurar na primeira página dos três jornalecões, não sem antes explicitar que era movimento de centrais sindicais (seriam manifestações comunistas?).
O que mais me chamou a atenção, todavia, foi o tuíter da jornalista Eliana Cantanhêde, uma das principais porta-vozes dos barões da mídia - talvez por não ter constrangimento em ser velhaca para defender o patrão. No dia das manifestações contra o golpe, quarta-feira, ela disse: “Devia ser proibido fazer manifestação em dia útil. São Paulo está um caos. Irritante!”. Fosse outra pessoa, e esse comentário poderia passar em branco. Sendo de quem é, merece um pouco de reflexão. O irritante para a jornalista (e todo o pensamento que ela representa) não é manifestação em dia útil, é manifestação de esquerda. José Serra reclamou da avenida Paulista interditada para carros, num domingo, por prejudicar o trânsito; Cantanhêde faria o mesmo tranqüilamente. Nenhum dos dois, contudo, reclamou da Paulista fechada para protesto contra a Dilma - os colegas de Serra até foram discursar no dia treze. Ao querer restringir protesto para domingo, Cantanhêde mostra bem seu apreço pela democracia sem povo e sem contraditório, uma democracia que não perturbe a ordem viável (e viária) apenas para as classes abastadas - porque as classes subalternas sofrem diariamente com trânsito, transporte público, violência policial, omissão estatal, etc -; e discretamente afirma que há uma manifestação legítima e outra não: como apontado acima, manifestação de domingo não diz respeito apenas ao dia da semana, mas também ao tipo de manifestante e as bandeiras que defendem.
A rua como espaço ordinário de política começa a incomodar os detentores do poder, assim como a rua como espaço público. O projeto do PSDB e da Grande Mídia - que é sua mentora intelectual - mostra cada dia mais seu deprezo pela democracia: dois pesos duas medidas para a corrupção, golpe para vencer eleições, tropa de choque da polícia militar para dialogar com movimento sociais, rua para carros, circo (Faustão, Datena, Bonner, Ratinho e afins) para o povo, para o qual fazem a promessa seguir com seu direito de dar a última palavra: sim, senhor.


19 de dezembro de 2015

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Aula de democracia dos estudantes de São Paulo

Ao ouvir a entrevista do secretário de educação do Estado de São Paulo, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, na rádio CBN, quarta-feira, o primeiro escritor que me veio à memória foi Millôr Fernandes: "Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim". As alusões bibliográficas não se encerraram por aí: o duplipensar orwelliano também era claro na fala do secretário. Para não falar na máxima de Goebbels, tão em voga nestes Tristes Trópicos - afinal, se algo é repetido o tempo todo, só pode ser verdade, não?
Em quarenta e cinco minutos montados para o secretário "explicar para a população" as medidas adotadas pelo governo tucano, Voorwald conseguiu irritar as muito complacentes entrevistadoras, Fabíola Cidral e Ilona Becskeházy. Para alguém um pouco mais crítico, sua fala foi temerária do início ao fim, uma boa mostra de desapreço à democracia por parte dele e do governador para quem trabalha, o senhor Geraldo Alckmin.
Diz o secretário que o projeto de reorganização das escolas está em "fase de discussão" e que não é uma medida atabalhoada, antes parte de um processo que vem desde dois mil e onze - ou seja, desde a gestão anterior. Duas questões importantes quanto a isso: se é um processo, como os agentes diretamente envolvidos - professores, alunos e pais, para não falar nos cidadãos sem ligações diretas com a escola - não estavam a par? Inadmissível em um governo sob regime democrático um processo que afeta toda a sociedade passar quatro anos na sombra. Já dizer que o fechamento das escolas está em fase de discussão é negar a realidade, ao gosto do Grande Irmão, de 1984, ou como bem definiu Millôr Fernandes: desde quando baixar uma norma determinando o fechamento de escolas é discussão? O secretário usa como exemplo de "abertura para o debate" do governo o fato de ter revertido a decisão de fechar duas escolas, por terem conseguido provar que eram importantes. Isso não é debate, é ceder a movimentos de resistências: diante de uma norma ditada de cima, decida em gabinetes com ar-condicionado, sem qualquer discussão com a sociedade, provou-se que os tecnocratas que a elaboraram durante quatro anos foram incapazes de perceber a relevância dessas duas escolas - nada surpreendente, já que a comunidade é um dos atores mais indicados para indicar a importância e os porquês de dados equipamentos públicos.
Como todo político no poder, Voorwald tenta desqualificar os movimentos reivindicatórios e todo e qualquer crítico de sua proposta. Sobre as críticas dos professores das faculdades de educação da USP e da Unicamp, disse que não tinham qualquer importância, que os pesquisadores de educação pouco (ou nada) sabem de educação - e completou que se a crítica partisse da FEA, aí ele daria crédito. 
Na sua fixação em desqualificar as ocupações - que são, afinal de contas, contestações efetivas e não beletrismo acadêmico em busca de revistas indexadas -, conseguiu tirar do sério as entrevistadoras. Depois de repetir pela enésima vez que seria anti-democrático e inadmissível que as escolas "invadidas" fosse trancadas pelos invasores, aparelhados por "movimentos políticos". "Secretário, o senhor já falou quatro vezes isso", retrucou a certa hora a entrevistadora, diante de um secretário que ignorava a questão feita para explicar o plano para a população. Pouco a seguir, depois de Voorwald chorar novamente sua ladainha sobre a falta de democracia dos alunos aparelhados por "movimentos políticos", a entrevistadora teve que lembrar o secretário de educação que ele não podia generalizar, pois a maioria das ocupações não ostentava bandeiras de partidos ou do MTST.
Estavam numa empresa do grupo Globo, é claro que passou sem problemas o discurso proto-fascista do ex-reitor da Unesp: ao usar o argumento de "movimento político" para desqualificar o protagonismo dos estudantes, como se fosse uma falha óbvia, desmerecedora - e pior, ilegal e autoritária - discutir política e usar instrumentos político numa questão política. Os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo deram uma pequena lição de democracia ao governador Alckmin, ao negar o pedido de reintegração de posse: "[as ocupações] não envolvem questão possessória, pois o objetivo dos estudantes é apenas fazer com que o Estado abra discussão sobre o projeto de reorganização da rede de ensino". Desta vez a justiça negou a educação feita na base de porrada, bombas e balas "não-letais" (que eventualmente matam), tão ao gosto dos governadores paulista nos últimos vinte anos. Talvez a proposta tucana seja das mais razoáveis para o momento (não tenho opinião formada e não palpito sobre), e me parece que os alunos não estão negando de antemão essa possibilidade: é certo que duvidam que seja, e questionam, principalmente pela forma como Alckimin está tentando implementá-la. Se o governo apresentar argumentos sensatos, as ocupações perdem força no momento seguinte.
Há pressões para que o governador abra discussões sérias - dessas que envolve apresentação e discussão de propostas e não o-governo-fala-a-população-acata. Entretanto, não é de agora que o PSDB demonstra apreço nenhum pela democracia: gestões feitas de cima para baixo, questões sociais resolvidas preferencialmente com polícia militar e porrada, negação e desqualificação do contraditório, leis em interesse próprio, complacência com corrupção e descrédito do processo eleitoral. Para sorte do partido de Alckmin, a Grande Imprensa brasileira defende o mesmo modelo de democracia dos cemitérios - e das ditaduras -, em que o povo acata bestializado o que pequenos ditadores da Casa Grande determinam - "sim, senhor". Desta feita os estudantes da rede estadual de São Paulo decidiram dizer "Não!", ao gosto do operário de Vinícius de Moraes: "E o operário disse: Não!/ E o operário fez-se forte/ Na sua resolução/ (...)/ Em vão sofrera o operárioSua primeira agressãoMuitas outras se seguiramMuitas outras seguirão.Porém, por imprescindível/ Ao edifício em construção/ Seu trabalho prosseguiaE todo o seu sofrimento/ Misturava-se ao cimentoDa construção que crescia".

ps: não era o foco de meu texto, mas destaco que a pauta dos estudantes da rede estadual, diferentemente das usuais pautas da Apeoesp ou dos universitários (professores e alunos), não é corporativa. Que professores e universitários aprendam algo com toda essa mobilização.

26 de novembro de 2015.

E os estudantes ensinam: a escola é nossa, não do governo.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

PSDB, choque de gestão, gestão de choque e omissão de notícias

Um dos bordões mais usados pelos políticos do PSDB é o tal "choque de gestão". Acompanhando as recentes notícias nos estados e rememorando alguns governos de antanho, começo a perceber com mais clareza que o tal choque de gestão tucana é antes uma série de fios desencapados ao alcance do cidadão do que uma blitzkrieg na forma como o Estado é governado.
Fernando Pimentel, em Minas Gerais, reclama da herança maldita de vinte anos de tucanos à frente do estado. Alguém pode dizer que é retórica vazia copiada do ex-presidente Lula; convém lembrar, contudo, que a inflação - esse mal impiedoso que Leitões da vida falam como se fosse a única importância do mundo - estava acima de doze por cento quando o PT assumiu o governo federal. No Paraná, bastaram quatro anos para que Beto Richa montasse a bomba que explodiu em seu próprio colo. Tem agora menos de quatro anos para evitar que aconteça com ele o partido no estado o que aconteceu com o PSDB gaúcho após o choque de gestão da ex-governadora Yeda Crusius: o quase desaparecimento da legenda, agora com um deputado federal e quatro estaduais. Isso para não falar no estado mais rico da federação, em que o partido tenta se tornar um mini-PRI, sobrevivendo graças ao conservadorismo xenófobo da classe média do centro paulistano e dos grotões agrícolas do interior.
Será mesmo o PSDB tão inapto à gestão da coisa pública?
Em dois mil e um, com uma estiagem bem menos severa que a atual, em que sequer se levantou a possibilidade de racionamento de água nos grandes centros urbanos do sudeste, o país teve racionamento de energia, afetando a produção e o emprego - era o sétimo ano do governo de FHC. Agora, em dois mil e quinze, em São Paulo e no Vale do Jequitinhonha, no semi-árido mineiro, a pouca chuva é assunto recorrente. A diferença está que o paulistano não sabe se terá água, até quando e em quais condições, enquanto o morador do "vale da miséria" não tem esse tipo de preocupação: água limpa para beber e cozinhar está garantida, graças a um programa simples e barato de cisternas do governo federal petista. O governo de Minas era alertado há três anos pelos industriais sobre a iminência de uma crise hídrica. Em São Paulo o assunto também não era desconhecido, mas nem Anastasia, nem Alckmin fizeram qualquer coisa. É desse misto de omissão, incompetência e falta de transparência do governo paulista que um surto de dengue atinge na capital e o risco do cólera volta a preocupar os responsáveis pela saúde pública.
Curiosamente, a crise hídrica e o iminente racionamento de água em São Paulo só começaram a ser noticiados com um pouco mais de ênfase pela Grande Imprensa quando se levantou a possibilidade (por ora pouco provável) de racionamento de energia. Uma série de reportagens já mostraram e demonstraram todas as perdas que a indústria e o país terão no caso de um racionamento de energia, fruto do descalabro do governo petista. Ah, sim, no canto da página do meio de um caderno também se noticia que caso haja desabastecimento temporário de água em São Paulo podem ocorrer algumas externalidades negativas.
Ok, a gestão de choque dos tucanos é marcada por falta de planejamento, corrupção (a corrupção na Petrobrás, conforme um dos delatores da operação Lava-Jato, teria começado no primeiro mandato de FHC), desemprego, aumento de impostos, aumento de juros, crise na educação e na saúde, colapso da segurança pública, mas deve haver algo positivo feito em benefício da população.
Leio hoje na internet que em breve os estudantes da rede pública terão bilhete gratuito nos trens da CPTM e Metrô. Uma ótima notícia, sem dúvida! Entretanto, o PSDB levou vinte e quatro anos (!), mais ou menos uma geração, para tomar essa medida simples e só o fez depois que Haddad implementou para os ônibus. O mesmo vale para o bilhete único mensal: foi depois de Haddad ter posto em prática nos ônibus que o governador criou para os trilhos. Ah, sim, o bilhete único: outra boa medida do PSDB tomada só depois de implementada pelo PT (com a Marta).
É de se perguntar: se o PSDB é tão desastroso assim no comando dos postos executivos, como pode seguir ganhando eleições? Primeiro que há parcelas da população que saem ganhando - em geral uma minoria bem abastada. Segundo, que essa minoria bem abastada e satisfeita é amiga dos reis da comunicação - se não for ela mesma a sentar no trono. Seus porta-vozes estão vinte e quatro horas defendendo quem sempre defende seus interesses - os cristãos-novos do velho arranjo das oligarquias brasileira e internacional, esses podem pagar a penitência que for, dar as costas aos seus eleitores, que não são agraciados com a graça divina dos barões da mídia. Daí toda a notícia negativa ser culpa do PT e o PSDB aparecer sempre como o partido comprometido com a resolução do problema (divino, porque sempre se omite que foi o próprio partido quem o criou). Terceiro, porque há um preconceito de classe que desde a ascensão do PT ao poder federal faz a parte abastada da sociedade se roer de raiva, fazendo de forma cada vez mais agressiva - do ex-presidente por não ter curso superior (equivalente a analfabetismo) à presidenta por, por... porque sim -, deixando transparecer o ódio - estimulado pelos âncoras e comentaristas rádio-televisos - e pondo por terra a tese do brasileiro cordial, tão-logo a senzala usou o elevador social pela primeira vez (alguém lembra o alvoroço da Veja quando as domésticas ganharam direitos trabalhistas?).
Por fim, às acusações de que eu seria petista, que já antevejo, não nego simpatia muito maior pelo projeto do Partido dos Trabalhadores ao do Partido da Social Democracia Brasileira, porém tirando dessa relativização, sou crítico do PT, que me parece um partido mais interessado no discurso do que na prática em realizar mudanças profundas na estrutura social do país - Lula disse em algum canto que a mudança que ele fizera era a que o Brasil permitia sem cair em novo regime de exceção. Me parece que às vezes vale tensionar e tentar ir além dos limites aparentemente impostos.

23 de fevereiro de 2015.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Apenas outro momento da intifada brasileira.


Início da noite, me encaminho para a avenida São João, ao trecho que freqüento ao menos uma vez por semana, onde fica a Galeria Olido, um dos palcos da dança paulistana. Ficara sabendo do ataque militar - amparado pela justiça - aos trabalhadores sem teto no meio da tarde. Praticamente uma quadra antes da São João, na Ipiranga, carros dos bombeiros e da polícia ocupam a pista da esquerda. Alguns militares têm armas em punho, de guarda para abater algum maluco suicida que resolva atacar a tropa. Outros estão em rodas, como se fosse intervalo de trabalho, conversam, fumam e gargalham. A banalização do mal me vem à mente. Dou uma de joão sem braço e tento entrar na São João. "Está interditado, não está vendo?", fala um guarda, arma em punho. Obedeço e atravesso a rua. Havia visto imagens na tevê e fotos na internet. Justiça, reintegração de posse, ataque de objetos por parte dos sem-teto, revide da polícia militar - o roteiro é banal nestes tristes trópicos, tal como a cobertura da Grande Imprensa seguir a linha da polícia militar pacífica se defendendo de uma turba violenta. Era esse o discurso inicial sobre as manifestações do Passe Livre, ano passado - banderneiros, violentos, vagabundos. E onde estão aqueles milhares de homens-gado e mulheres-vaca a gritar "sem violência" e pedir mudanças? Ou o fato da PM não ter agredido aquela massa de chimpanzés mal-adestrados que gritavam "sem violência" é prova de que os sem-teto fizeram por merecer? Lembro dos manifestantes - "manifestantes" - vestidos com as cores do Brasil, tirando foto com os militares. Esse pessoal não veio para a São João, aqui estão só os chatos e os jornalistas. As imagens de mais essa intifada tupiniquim me dão mais que raiva, me dão vergonha: aqueles pobres-coitados fardados agem em meu nome. Não têm meu respaldo, mas têm o da maioria da população de São Paulo, que elege Maluf (estupra mas não mata), Alckmin (quem não reagiu está vivo), Aloysio (pela redução da minoridade penal, enquanto crimes de bilhões de reais são ocultados pelo seu partido), Serra (higienização social do centro de São Paulo) e tantos outros violadores dos direitos humanos, criminosos lesa-humanidade. Quando era ocupado por prédios abandonados, esperando valorização, e moradores abandonados à própria sorte pelo poder público, o centro era tido por um lugar sem vida, apesar da profusão de línguas, culturas, cores e sabores que o marcavam. Agora que pululam empreendimentos imobiliários e dinheiro floresce onde antes era quase um aterro social, as pessoas que nunca deixaram o centro morrer são tirados a bomba e balas de borracha para "revitalizar" com a vida de quem tem direito de viver. Na internet, fotos da depredação dos sem-teto: curiosamente, em mais de três anos que freqüento aquele local, à noite, com aquela e outras ocupações, nunca tive problema algum, nunca presenciei cenas de violência, que não a de seguranças privados e policiais militares. Dizem que a diplomacia é a guerra por outros meios, no Brasil, a justiça é a violência por seus próprios meios: que língua tão incompreensível falavam aquelas muitas famílias que não foi possível dialogar, negociar com elas? Por que a elas o único diálogo legítimo é o de obedecer as ordens dadas pela justiça, para favorecimento de um, em detrimento de muitos, em detrimento da cidade? Isso é diálogo? Resolver problemas na base da porrada é democrático? Os cinqüenta mil assassinatos por ano, as agressões gratuitas, por coisas pequenas, mesquinhas, insignificantes, a violência simbólica disseminada de alto a baixo da sociedade, tudo isso nos veio em mais uma epifania neste dia dezesseis de setembro, no centro de São Paulo. Vêm os carros do choque, já cumprida sua missão de garantir a propriedade. Reproduzo um gesto que os governantes do Estado mais rico da nação e seus eleitores fazem inconscientemente em suas salas de estar (e nas seções de votação): levanto o braço direito, em saudação nazista. Os carros passam, talvez por sequer entenderem o significado do meu gesto, talvez por não terem visto, talvez por estarem ocupados segurando suas armas, nenhum soldado me saúda de volta - assim como nenhum parece ter se sentido ofendido.

São Paulo, 16 de setembro de 2014.