quinta-feira, 24 de outubro de 2002

A questão das cotas nas universidades II

Para não dar trela às más línguas dos bons observadores, que dizem que eu apenas critico e nada proponho, tenho algumas sugestões para o problema, que vai no mesmo caminho das cotas, mas, ao invés de haver cotas para a universidade pública, proponho cotas para alunos pobres, da periferia, em escolas particulares. 10%, 20% de toda sala de aula de escola particular deveria ser preenchida por alunos carentes, os quais receberiam gratuitamente o material didático. Esses alunos seriam cadastrados pela prefeitura, de quem também receberiam transporte, uniforme e alimentação. A princípio pode parecer que seria a mesma coisa que as cotas na universidade, porém as diferenças são muitas:
1) Não haveria o estigma de cotista, dado que o aluno, apesar de cotista na escola, na universidade entraria apenas por méritos próprios, e teria condições de acompanhar as aulas.
2) Haveria o choque entre dois mundos: o dos ricos, sempre trancafiados em condomínios fechados e em shoping centers, e o dos pobres, onde, quando muito, há luz elétrica. Isso poderia criar uma certa rixa entre esses dois grupos, mas também despertaria para a realidade social aqueles das camadas mais abastadas.
3) A classe média, num primeiro momento, seria prejudicada, já que as escolas se veriam obrigadas a aumentar as mensalidades. Isso forçaria muitos alunos classe média a se transferirem para a escola pública, e como a classe média tem mais voz que a pobre, haveria um movimento sério e verdadeiro de reivindicação da melhoria do ensino público. Atendida essas reivindicações, com a escola pública perto do nível das particulares, muitos alunos destas transfeririam para a pública, aumentando a pressão para a sua melhoria, forçando um aumento de mensalidades nas particulares, e assim num círculo vicioso, até que a escola particular voltasse a ter a mesma conotação que tinha nos anos 50, 60: um ensino diferenciado, não em qualidade, mas em espécie (mais religioso, por exemplo).
Claro que o sistema de cotas, seja onde for, é um paliativo. No sistema que proponho há a vantagem de formar um aluno desde a sua base, e não apenas na fase final da sua educação tentar consertar o mal ensino que ele teve. Não sei se isso seria possível com a lei atual, mas isso não é problema, com vontade é possível fazer o que for preciso (não chegaram mesmo a mudar a constituição para permitir a reeleição?). O maior problema é que os primeiros calouros apareceriam somente daqui dez anos, e certos números no Brasil assustam, como o citado por Elio Gaspari, de que a proporção de negros nas universidades federais do Brasil é menor do que na África do Sul, na época do Apartheid; certas horas parece ser necessário o paliativo que for para tentar minorar, um pouco que seja, esse problema. Mas aquilo que é feito pensando apenas no curto prazo acaba, muitas vezes, sendo ainda mais prejudicial no médio e longo prazo.
Claro, como eu disse anteriormente, trata-se de uma opinião de um branco, que estudou sempre em escola particular e já está numa universidade. Se perguntar a um negro do terceiro ano do ensino médio há grandes chances da resposta ser diferente, e com argumentos melhores que os meus.

Pato Branco, 24 de outubro de 2002

segunda-feira, 14 de outubro de 2002

Corajosos

"Faltam 13 dias para o segundo turno". Fiquei impressionado ao ver, no programa eleitoral de hoje à noite, os dois candidatos à presidência remanescentes falarem isso com uma expressão feliz. Sinceramente, já me impressionou haver quatro postulantes a assumir esta canoa furada (excluo os outros dois candidatos por eles entrarem na eleição sabendo não terem qualquer chance de ganhar). Me pergunto o que leva alguém em sã consciência a almejar a presidência do Brasil no cenário atual. Projeto pessoal, inspiração divina, peso na consciência, miopia?

Não duvido que todos os candidatos querem construir um país melhor. Mas querer é uma coisa, fazer é outra; e para construir um país melhor é necessário que haja condições para isso.

Não conheço muito história, mas creio que o governo FHC deve entrar para a história nacional como um dos piores que já se viu nestes tristes trópicos. Sua única grande obra em oito anos foi uma estabilidade vagabunda que não está durando nem até o final do seu próprio mandato. Tão ruim foi seu governo que até o seu candidato canta e repete que quer mudança. Ah, sim! outra grande obra do sociólogo foi construir amarras que acabam fazendo com que ele governe, de certa forma, um ano a mais.

A vulnerabilidade externa já havia levado os quatro principais candidatos a se comprometerem com os acordos feitos por FHC. Entretanto o candidato vencedor devera optar por qual compromisso cumprir: os feitos pelo FHC com os grandes especuladores internacionais ou os feitos durante a campanha eleitoral, com o povo. Impossível conciliar os dois, eles são opostos, antagônicos, incompatíveis.

Não obstante, estão preparando para 2004 a segunda edição da maior festa da era FHC: o apagão. Animado com os ãos, FHC também preparou outra festa do gênero, que pode acontecer já na próxima safra, segundo especialistas: o paradão, a versão agrária do apagão. Enquanto a questão energética transformou-se no principal gargalo da produção industrial, o paradão pode se tornar o principal gargalo da produção agrícola. Trata-se do colapso do transporte de cargas agrícolas por causa das péssimas condições da malha de transporte e do número de portos do Brasil. Solução para os dois ãos: investimentos imediatos na construção de geradoras de energia e na extensão das hidrovias e ferrovias.

Gastos que o próximo governo se verá obrigado a fazer. Além de investimentos na educação, que está em estado calamitoso; em segurança, que hoje não existe; em saúde, que está agonizante; em urbanização, em programas de combate à fome, de combate à pobreza e outras mais. Mas o governo também precisa, segundo os compromissos assumidos por FHC para seu sucessor, economizar 3,8% do que arrecada, para pagar juros à banqueiros internacionais.

Sem dúvida o Brasil precisa de mudanças. Mudanças urgentes e radicais. Os dois candidatos sabem disso, e os dois prometem mudança. Mas fica aquela pulga atrás da orelha, de como que alguém que colaborou com o governo FHC por oito anos possa fazer todas as mudanças que o país precisa. Pouco importa se é verdade o que ele diz, de que foi crítico das ditas diretrizes do atual governo: muitos outros foram convidados para assumir ministérios e, para não ajudar um sistema o qual criticavam, recusaram.

Ainda não sei se querer presidir o Brasil hoje é patriotismo ou se é miopia. Sempre que os candidatos falam dos seus programas de governo eu sinto que nem eles acreditam no que falam. Se acreditam, socorro!, mais quatro anos de Mr. Magoo pela frente. Coragem, Brasil, você agüenta!


Pato Branco, 14 de outubro de 2002