sábado, 1 de maio de 2010

Control Z

As novas tecnologias influenciam para muito além do seu raio de ação o dia-a-dia das pessoas, reverberando até em seus sistema de crenças. Uma delas, por exemplo, é a crença - a esperança, ao menos - na universalidade do "control z". Porque se o "backspace" foi uma evolução, ao permitir que se apagasse o que se digitara errado, o control z foi uma revolução que permitiu desapagar o que fora apagado sem querer. E se expandindo para além do editor de textos, se tornou ferramenta essencial ao computador. O sonho de muitos é que a vida possuísse um control z, de forma que voltaríamos ao estágio anterior a um equívoco, pronto para tentar novamente, sem qualquer vestígio a apontar as tentativas frustradas.

Mas a vida não possuí control z, assim como ele não funciona para tudo num computador.

Fui instalar a nova versão do Ubuntu no meu pc. E eis que, ao invés de mandá-lo para o espaço no HD já reservado para ele, fiz não sei o quê que mandou tudo o que eu tinha no HD para o espaço. Ao ver a ca...racterística do que tinha feito, abortei a instalação, voltei ao estágio anterior. Tarde demais. A me...dida feita anteriormente não permitia control z ou similar. Resultado: perdi meus arquivos - dos quais possuo cópia da grande maioria, felizmente -, e já mais de doze horas nessa brincadeira, sem conseguir consertar o coiso.

Quem me conhece deve estar se perguntando qual a novidade em eu apagar o HD, sendo que as primeiras vezes eu ainda fazia isso em um winchester. Novidade há, sim: pela primeira vez faço isso em meu computador, e não no do meu pai, que perdeu a conta de quantas vezes teve que respirar fundo quando eu chegava para avisá-lo que acontecera qualquer coisa inesperada e... e os computadores são assim, sem control z para tudo.

Se computadores são assim, o que dizer da vida. E parte dela - doze horas, por enquanto - vai-se à toa, por conta, por exemplo, de paus em computadores, sem controls zês salvadores.


Campinas, 01 de maio de 2010.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O humoralismo inteligente de CQC

Aproveitando que uma crise ciática me fez estender a estadia na casa dos meus pais, resolvi ligar a tevê esta segunda para assistir ao CQC. Há quem diga que é o programa de humor inteligente da tevê brasileira. Como não assisto nem ao CQC – esse deve ter sido o quinto –, nem aos concorrentes, vou acreditar. Mas o que me parece é que o CQC é um programa inteligente no sentido de esperto, de enganar o espectador.

Nesta segunda o quadro “Cidadão em ação” foi ver se o cidadão respeitava as leis e a moral e se recusava a dar acesso a bebida, cigarro e revista pornográfica a crianças (atores contratados pelo programa). Num primeiro momento, as crianças pediam a transeuntes que comprassem para elas. Depois, foram elas mesmas comprar. Nesta, destaco a vez em que uma delas entra num bar, pede pinga com mel e é atendida. Depois pede cigarro, e o atendente nega. Sinal de que as ações anti-fumo têm surtido efeito, assim como sinal de que é urgente, ao invés de reforçar ainda mais o discurso contra o cigarro, empreender ações da mesma magnitude contra o álcool.

Antes de embarcar na crítica aos zé ninguéns abordados pelo programa, questiono se os cidadãos do CQC e da Band estão em ação. Que tal questionar direitos humanos ao Datena? Ou respeito à dignidade do próximo à Márcia Goldsmith? Poderíamos perguntar sobre jornalismo imparcial ao Boechat? Algo sobre cordialidade e civilidade ao Milton Neves? Ou fazer muitas dessas perguntas ao Marcelo Tas?

Porque Tas ou é ignorante ou abusa de má-fé. Não acredito na primeira opção, sobra a segunda. Já comentei acerca da reportagem sobre pedofilia na rede, belo exemplo de engodo travestido de jornalismo. Agora essa de correr atrás de pessoas que pactuam com menor que vê pornografia ou bebe. No início da reportagem Gentili fala da curiosidade que crianças podem ter por tais produtos. Esquece de perguntar o que poderia estimular essa curiosidade – seriam os poemas do Gonçalves Dias? Coerente esse olvido, visto ele sugerir que a orientação dos pais só vem depois do problema surgir, como se educação fosse um processo de punição a posteriori e não de liberdade dada de antemão. Assim, se os pais não estão por perto e a criança, estimulada por alguma gostosa na tevê em trajes sumários – quem sabe em alguma propaganda de desodorante na internet –, ou então por qualquer vinheta super divertida de cerveja, resolve sair de casa e comprar o que lhe é anunciado como elixir da felicidade, culpa dos pais, que não estavam por perto para proibir, e culpa dos zé ninguéns, que não têm caráter para se opor ao que diz a propaganda, a televisão e os programas de humor inteligente.

Poderia se argumentar sobre o horário do programa, horário em que criança já está dormindo – ou ao menos era assim meio século atrás. De qualquer forma, o CQC é feito também para a internet, tanto é que as propagandas são ligadas às matérias, para garantir a visibilidade do patrocinador a quem busca os vídeos no youtube. E não se trata somente de estampar a marca da Skol, mas de fazer campanha ativa: mostrar que festa, alegria e mulheres bonitas são coisas que acompanham necessariamente a bebedeira. Ou então gravar dois minutos de show para falar que redondo é rir da vida, como fez o próprio Gentili.

Em suma, a trupe do CQC age como todo bom moralista: critica nos outros o que ela mais faz. Comprar bebida para menor é feio; estimular o uso, não. Porque, afinal, a propaganda deles não visaria crianças nem contraria a lei. Se menores e maiores acabam caindo nesses cantos das sereias, a culpa não é das sereias, mas dos remadores, pessoas fracas de caráter.


Pato Branco, 21 de abril de 2010.