domingo, 14 de novembro de 2010

Selo de qualidade para o Enem

Nestes tempos em que as pessoas têm extravasado seus preconceitos, também eu preciso admitir preconceito que tive dias atrás. Mal havia passado uma semana das eleições, e parti do meu pré-conceito reforçado durante o ano de 2010 quanto à lisura da Folha e preferi nem ler do que realmente se tratava o problema no Enem, merecedor de ser a capa numa edição de domingo. Me conformei em achar que se tratava de um factóide.

Só agora, uma semana depois, mais tranqüilo, verifiquei que estava correto no meu achismo. Com essa semana, noto que poupei meu estômago. Menos mal.

Àqueles que trataram de logo se esquecer, também pensando em seu bem-estar, lembro da manchete da Folha de 7 de novembro: “MEC erra de novo e causa confusão no 1º dia do Enem. Apresentação das perguntas não batia com a folha de respostas da prova, realizada por 3,4 milhões de alunos”. Dentro, o título da reportagem não dá margens para leituras dúbias: “Erro no Enem afeta 3,4 milhões de alunos”. Trata-se, portanto, de uma falha completa, do Enem – com 3,4 milhões de provas erradas, um número impressionante –, ou de quem redigiu o título, que precisa de umas aulinhas de português, ou de ética, mais provavelmente. Como o caso é grave – o de ética, mas a Grande Imprensa finge que isso é irrelevante –, o principal jornal do Paraná, a Gazeta do Povo do dia 14 de novembro, trazia não só a manchete mas quase toda a capa dedicada à perda da credibilidade do Enem após fiascos.

Enfim, aos fatos. A imprensa alardeia quase dois mil alunos afetados (contrariamente ao que afirmou a Folha de 7 de novembro), o Ministério Público que tenta cancelar a prova, o ministro Haddad prestes a cair diante de mais esse fiasco. Pois bem, dois mil em 3,4 milhões significa que essa confusão, essa desmoralização, toda essa perda de credibilidade do exame se deve a 0,06% de falha (arredondando para cima). O percentual de falha das urnas nas eleições 2010 foi quase sete vezes maior: 0,4%. Talvez a Grande Imprensa não tenha atentando para esse dado, por isso não pediu a anulação das eleições – esse retumbante e desmoralizante fiasco da democracia brasileira, a se concluir pelo exemplo do Enem. Tomara que ninguém desse pessoal leia esta crônica.

Diante do clima de conflito binário – o bem contra o mal – que a Grande Imprensa já há algum tempo tenta criar no Brasil (como já criou na Venezuela), anda difícil não tomar partido – por mais que eu, mesmo com muito boa vontade, julgue o governo Lula no quesito educacional mediano (se se parece excepcional é porque a base de comparação foram os inomináveis anos FHC-Paulo Renato). Porém, honestidade deveria ser algo banal e não uma virtude rara – isso a gente se dá conta nas eleições – e, convenhamos, com 0,06% de erro poderíamos dar um selo ISO qualquer de qualidade para o Enem. As virtudes, os méritos e deméritos, a utilidade e se se gosta ou não do exame, isso é outro debate.


Pato Branco, 14 de novembro de 2010.

domingo, 31 de outubro de 2010

A queda da Folha conforme a decadência dos seus ombudsmen

É possível notar a decadência da Folha de São Paulo nos últimos anos pelo nível dos seus ombudsmen. Sou eufemístico ao falar decadência, mais condizente é dizer seu despencamento de qualidade. Decadência era no início da década, quando parecia que havia possibilidade de reversão relativamente tranqüila.

Os últimos jornalistas a ocuparem o cargo apenas atestam o caminho da Folha rumo ao título de veículo mais mau caráter da Grande Imprensa – o que tem algo de honroso, dada a qualidade dos adversários, convenhamos. Eles realmente imaginam que alguém minimamente vivo acredita que eles são plurais, imparciais, independentes? E como já disse alhures, não vejo ser parcial como algo necessariamente negativo – até porque não creio na imparcialidade. Contudo, tampouco acho louvável a busca pela parcialidade, como é a tônica na internet.

Mário Magalhães era um ombudsman moderado, mas mesmo assim, por desagradar ao chefe, seu mandato acabou não sendo renovado ao fim do primeiro ano. Carlos Eduardo Lins da Silva parecia mais um office boy – moço de recado, como chamam em Portugal – do que ombudsman: levava e trazia mensagens dos leitores e do jornal pra lá e pra cá, pouco acrescentava.

Já Suzana Singer só não beira o patético porque o que ela faz como ombudsman é patético. Ela simplesmente inverteu o que faria o ombudsman: ao invés de fazer a crítica do jornal a partir do que recebe dos leitores, ela defende o jornal das críticas dos leitores! E defende de maneira muito pobre, o que é pior. Diz ela em sua coluna do dia 31 de outubro que a cobertura do jornal, depois de escorregadas (escorregadas? Eram tombos!) no primeiro turno, foi equidistante com relação aos dois candidatos no segundo. Aham. Numa eleição que mais parecia ser pela paróquia de Aparecida do que pela presidência do Brasil, na capa de 12 de outubro o jornal mostrava Dilma não comungando, ao contrário de todos ao seu redor; já na capa do dia 29, a foto era de Serra beijando uma Santa. Se isso é equidistância, Singer deveria explicar o que é “equidistante” na novalingua da Folha, que não achei a definição no seu Manual de Redação.

Se Folha um dia quiser provar que não é tão mau caráter assim e não tenta enganar seus leitores, que nomeie para o que eles chamam de ombudsman a Eliane Catanhêde, ou o Clóvis Rossi, ou o Otávio Frias Filho de uma vez, por que não? Aí, então, podemos conversar.

Campinas, 31 de outubro de 2010.