terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Utilidades básicas de um celular

Não é novidade para mim que um aparelho novo não é um facilitador da vida apenas, mas um transformador da percepção, da relação do indivíduo com o mundo e, em larga escala, do próprio mundo. Mesmo assim, insisto em me surpreender quando me dou conta dessas banalidades.

Começo com um exemplo tirado dos livros. Conforme McLuhan, o estribo, introduzido na Europa na Idade Média, foi responsável primeiro por maior firmeza sobre o cavalo e, a partir disso, permitiu em combate um tranco muito maior contra o adversário que não se utilizava da pecinha. Quando ambos a utilizavam, a alternativa era se guarnecer. Surge daí a figura do cavaleiro, cujos altos custos de construção da armadura fizeram com que só a nobreza tivesse condições de se dedicar à arte da cavalaria, e apenas parte o fizesse, o que trouxe conseqüências muitas para o correr dos secúlos subseqüentes.

Enfim, pouco entendo de Idade Média e de cavalos, e antes de me enroscar, melhor vir logo para a cidade e os tempos atuais – ainda que cavalos possam ser vistos pela Av. Paulista, sempre com estribos, eventualmente com símbolos medievais.

Ter um carro não significa apenas se mover com mais rapidez e agilidade pela malha urbana. Significa uma outra relação o tempo: o número e a forma de organizar compromissos é alterado de maneira considerável. Significa ver a cidade de outra forma. De início conheci São Paulo por carro apenas, apresentada por meu tio. Desde 2008 resolvi me perder pelas ruas do seu centro e conhecê-la à pé. De uma cidade feia, hostil e que me assustava, ela se tornou uma cidade habitável e bonita, ainda que siga feia, problemática, caótica, às vezes até hostil – não o suficiente para que agora eu não deseje morar nela.

Enquanto me enrolo para trocar de ares, já que Fuvest não ajuda, amigo meu que também resolveu mudar para a capital avisou que um celular ajuda muito na hora de procurar apartamento. Acreditei nele, não via porque deveria desacreditá-lo: não é dos chatos que ficam tentando me convencer que celular é como se fosse um umbigo pós-moderno. Como sobrava um na casa de meus pais, resolvi trazê-lo, ainda que, sinceramente, não soubesse no que ajudaria – isso ele não explicou, por ser muito óbvio. A utilidade mais plausível que consegui imaginar foi a facilidade de um corretor me encontrar.

Pois semana passada, saindo da Unicamp, vejo um rapaz que pára defronte a kitnets com placa para alugar. Do bolso saca o celular. Agil com os dedos, liga rapidamente para a imobiliária e pede informações. Caramba! Então é assim que o celular ajuda?!


Campinas, 08 de fevereiro de 2011.


(na foto, cavalos e vaquinhas, todos com estribo, na Av. Paulista, no dia mundial sem carro de 2010, sobre o qual faço alguns comentários no texto "Dia da piada do dia sem carro", que vem sem esta ilustrativa foto, por eu não ter máquina digital e demorar para revelar os filmes).

sábado, 29 de janeiro de 2011

Facebook e segregação

Por não ser católico, graças a uma formação moral-cristã assaz tíbia dada por meus pais, posso discordar do santo padre sem estar condenado à danação (ainda que as mensalidades da PUC provavelmente compensassem esses e outros deslizes), e o faço nesta crônica, porque Bento XVI criticou o uso da internet para a criação de personalidades falsas ou ilusórias nas redes sociais – como se ilusão fosse privilégio da internet, e não da sociedade ou da Igr...

Vejo como uma das grandes perdas da internet justo a falta desses espaços de anonimato, talvez não completo, mas ao menos com um certo controle sobre o que é exposto, a quem é exposto. A ascensão do padrão Msn frente o Icq – em que endereço de e-mail substitui um número de identificação –, e a febre das n redes sociais que se sobrepõem desde 2004 marcam essa virada, em que a internet se tornou definitivamente extensão do mundo real, e não um apêndice.

Tomemos o Facebook. Não há como se esconder ali: pode não pôr sua foto, seu nome, nada que o identifique no seu perfil, mas por seus amigos as chances de ser encontrado e identificado são consideráveis.

Porém o que mais me chama a atenção é o potencial de segregação entre os “in” e os “out” da rede do sr. Zuckerberg: pois sendo a rede virtual feita dos amigos reais do dia a dia, e havendo um “diálogo” permanente entre todos ali – diferentemente de um bate-papo por mensageiro, geralmente restrito a duas pessoas, ou ao menos ao presente da comunicação –, assuntos do mundo real continuam no virtual, os do mundo virtual continuam no mundo real, e assim as duas esferas vão se misturando e virando uma coisa só. Os não animados com a tela do computador – ou com as maravilhas do Facebook, apenas –, passam a ter dificuldades para se entender no próprio grupo, precisam que alguém explique as piadas internas. Logo se verão deslocados entre aqueles com quem convivem, por não compartilhar as discussões do Facebook.

Talvez me chamem de jurássico. Pode ser. Noto pelos endereços dos meus e-mails, do meu Msn, pelas minhas contas falsas em redes sociais, que sigo o padrão de quando comecei com a internet, em 1996: um lado sempre meio escondido. Tento justificar dizendo que isso me permite certa visão crítica, pelo distanciamento; há quem diga que isso serve apenas para acentuar meu lado velho ranzinza, como quando insisto em não ter celular ou em ainda ter máquina fotográfica a filme. Pode até ser, mas de carola ao menos ninguém pode me chamar – se é que quem usa Facebook ainda sabe o que é carola, já que dia desses tive que refrescar memória de amiga para essa "gíria antiga"...


Ponta Grossa, 29 de janeiro de 2011.