quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Dia da piada do dia sem carro

Ultimamente meu mau humor tem excedido limites aceitáveis, toda vez que vou fazer papel de idiota e pegar um ônibus urbano em Campinas. Meus pais bem queriam que eu tivesse carteira de motorista, carro e tal, eu que sou teimoso e insisto em vivenciar certas situações.

Estava no ponto esperando a (única) noiva – que pelo tanto que demora, os ônibus em Campinas podem ser chamados de noivas – que me cabia na rodoviária (que chega a ter intervalos de 52 minutos entre um ônibus e outro, conforme a página da Emdec), e pensei se não era melhor engolir aquele mau humor, fazer de conta que o lixo quotidiano é também normal. Seria mais cômodo. Mas como já tenho eventuais problemas de digestão, achei melhor manter meu mau humor e, mais, compartilhá-lo com os poucos infelizardos que me lêem.

Esta semana tivemos a jornada internacional na cidade sem meu carro. Não sei como é em outros países, desconheço em absoluto. No Brasil essa jornada é patética, situada algo entre a palhaçada e a idiotice. Em Campinas, o estímulo ao dia sem carro teve até um episódio grotesco, para completar a cena. Domingo a prefeitura, para promover o evento de quarta, organizou um show gratuito, às 11h da manhã, na lagoa do Taquaral. Como moro perto, tivesse carro, poderia sair às 10h30, contando dez minutos para achar vaga para estacionar. Como não tenho, saindo às 9h eu tinha chances de chegar justo na hora – se tivesse sorte nos horários das baldeações. São Paulo não ficou tão atrás no grotesco, com pessoas circulando em cavalos e bois pela avenida Paulista.

Mas, para não parecer que eu só ranzinzo negativamente, ranzinzarei aqui positivamente, com algumas sugestões para o ano que vem tornar a tal jornada algo sério e não um evento irrisório cuja única marca são os cartazes.

Primeiro pressuposto: sei que é coisa de economistas, mas nestas horas os políticos sempre se esquecem de consultá-los: vamos trabalhar com “expectativas racionais” dos cidadãos, e não “expectativas polianais”. Ninguém vai deixar o seu Civic na garagem por uma mera questão de civilidade. Se fosse assim, fariam o ano todo, e não só no dia 22 de setembro. Portanto, se a idéia é sensibilizar as pessoas, deve-se ou tomar uma atitude chocante, ou fazer algo que dure um pouco mais. Poderia multar todo mundo que saísse de carro no dia: infração gravíssima, sete pontos a mais na carteira e 500 reais a menos. Me parece uma opção burra, em todos os sentidos. Sou mais de forçar certa adesão demi-voluntária. Daí que ao invés de um dia deveria ser uma semana, para as pessoas poderem planejar um quotidiano sem carro – idas ao trabalho, compras, festas, shopping, etc.

Mas isso, claro, não basta. Há 52 semanas por ano em que as pessoas podem fazer isso e se não fazem, é pela razão óbvia que não há qualquer estímulo. Frases do tipo “começa com você” só servem de estímulo para vender ingressos, não para mudar qualquer atitude. O transporte público, por essa semana, que seja, precisa ser vantajoso para o usuário, e não para o dono das empresas.

Economicamente significa que ônibus tem que ser mais barato que carro. Tomemos um trajeto mediano, coisa que se faz em 45 minutos, uma hora à pé: quatro quilômetros. Ignoremos as pessoas que vão à padaria da esquina de carro (e não são poucas), não apelemos às grandes distâncias. Ida e volta são oito quilômetros, e vamos supor que o carro não seja lá muito econômico, e nisso consuma um litro de gasolina, R$ 2,50, portanto. Usar esse carro para essa distância só deveria ser mais barato do que ônibus se quatro pessoas estivessem no carro na ida e duas na volta. Para tanto, a passagem de ônibus deveria algo em torno de R$ 0,50. Em Campinas está em R$ 2,60. Em São Paulo, R$ 2,70. Impossível esses R$ 0,50? No dia a dia pode ser, mas convém lembrar que a tarifa integrada metrô-trem-ônibus-etc em Madrid sai 0,90 Euros. Mas há planos bem mais em conta para quem usa transporte público diariamente.

Porém, apenas dinheiro não é suficiente para que se deixe o carro em casa. É preciso haver racionalização dos trajetos. Racionalização pensando no usuário, e não no lucro do dono das empresas. Um trajeto que me é muito familiar, e que já reclamei acima: do terminal Barão até a rodoviária (não faço da minha casa para não ficar muito irreal). Diz-me o Google Mapas que a distância entre esses dois pontos é de 10km. Diz-me a página da empresa que organiza o trânsito em Campinas que a distância entre esses dois pontos é de 25km. Convenhamos não é muito convidativo passar 38 minutos num ônibus (sic. são 50) quando se pode ir em 18 minutos de carro (sic, em 15 se chega tranqüilamente). E não estou propondo aqui uma linha direta, sem paradas, e sim uma que passe por bairros bastante povoados. Também não adianta fazer em 20 minutos esse trajeto se se espera 52 minutos pelo ônibus – e olha que estamos falando do ônibus que serve a rodoviária e não terminal-bairro, em que fica um pouco mais feio. Novamente um tempo máximo de espera deveria ser estipulado: dez minutos para linhas principais, vinte para as secundárias.

Como seria apenas uma semana, não dá para trocar de ônibus, querer carros mais confortáveis, o máximo que se pode pedir é que os motoristas (alguns) sejam um pouco menos brutos ao volante: certamente se carregassem tomates seriam demitidos na segunda viagem. E como seria por uma semana, as empresas não faliriam em estimular o uso do transporte público, a melhora da qualidade do ar, o convívio entre as pessoas, etc.

Por fim, faixas das ruas exclusivas para bicicletas (quem sabe o governo federal não se animasse e abrisse uma linha de crédito para a compra de bicicleta elétrica?), e semáforos que dessem preferência à passagem dos pedestres e não ao fluxo dos veículos

Há apenas um porém em toda esta minha proposta: não falei que a campanha pelo dia sem carro deveria se pautar em expectativas racionais e não em expetativas polianiais dos cidadãos. Pois é de esperar o mesmo dos donos do poder, os donos das empresa e os político. Resumindo: em 2011 espere uma jornada internacional pela cidade sem meu carro tão idiota quanto a de 2010: shows para quem tem carro, passeios a cavalo, cartazes e camisetas espalhados por aí, propagandas, “Começa com você”, e tudo como está, porque onde se deve realmente começar, esses não têm o menor interesse, e a parte que cabe a nós, se nós formos realmente fazer, teremos que enfrentar a polícia.


Campinas, 22 de setembro de 2010.

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