quinta-feira, 12 de maio de 2011

As árvores do meu quintal

A campainha de casa estava quebrada e o dono se prontificou a consertá-la. Como minha alterativa a ela era um tanto precária – me ligar para abrir o portão –, graças à qualidade sofrível dos serviços da Net, freqüentemente fora do ar, aceitei, mesmo sabendo qual seria a fatura.

Meu pequeno pátio estava que um matagal só, salvo os dois trechos não cimentados, um por um metro o primeiro deles, e dois por um o outro. Eu bem que tentara dar uma limpada no final de janeiro, quando o mato já havia tomado conta, mas antes do quinto minuto queimei a mão numa taturana. Depois disso fui postergando a retomada da tarefa – até pela falta de tempo.

O dono da casa, ao chegar para para consertar a dita campainha e se deparar com todo aquele mato (ao menos da parte interna da casa eu cuido bem), fez aquela cara de desagrado e se propôs a dar um jeito também no quintal. Anui, o que fazer?

Dois dias depois ele veio. Não demorou muito e o capim já estava todo arrancado, e ele, facão na mão, partia para as plantas de caule grosso. Nessa hora me surpreendi com seus conhecimentos em botânica. “Este aqui”, me mostrou um pé já alto, mais de um metro e meio, “é um ipê”. “E como foi parar aí?”. O abacateiro cortado há dois anos é fácil: tenho minha composteira, ou algo que o valha, onde jogo restos de frutas, mas eu não como ipê. “Ah, é passarinho que traz”. E zapt, era um ipê, porque o facão já havia levado.

“Esta aqui é uma pitangueira”, comentou de uma arvorezinha que há bem uns quatro anos brigava para se firmar. Trinta segundos e foi-se. Perguntou se a palma eu que tinha plantado. Como tinha sido, falou que deixaria, “mas assim que você sair eu corto”. O pé de amora ao lado não teve a mesma sorte – e minha sorte de ter um pé de amora no quintal durou um minuto. Consegui ainda salvar o pé de acerola que ganhara de um amigo, com o argumento de que eu quem plantara. Já o pé de lichia, que também tinha sido plantado por mim quando eu nem sabia o que era lichia, muito menos na árvore monstruosa que ela cresce, estava de saída e preferi não dizer nada. Não sei se reconheceu que árvore era aquela, de qualquer forma, quando voltei pra casa, o quintal “limpo”, ela não estava mais lá.


Pato Branco, 12 de maio de 2011.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Bicicletas de primeiro mundo

Se tem uma coisa que a elite brasileira adora é fazer o que ela acha que é chique no exterior. Ir à ópera vestindo casaco de pele em Ribeirão Preto, sendo que durante o dia a temperatura passou dos trinta graus, por exemplo. Essa elite acredita que a última onda mundial é bicicleta. Mas não qualquer magrela, tem que ser bicicleta comunitária. Veja São Paulo: espalhou bicicletários pelas estações de metrô – outra coisa chique, de primeiro mundo, metrô. Quantas pessoas usam o serviço? Isso pouco importa para a elite: fica bonito, não fica?

Numa cidade sem ciclovias – começam agora a ensaiar a instalação de algumas, ainda incipientes e sem perspectivas para um futuro próximo –, em que bicicleta é estimulada como passeio de domingo, o “usebike” é um programa tão patético que o sucessor só viu nele gasto inútil – ou seja, viu o que ele é. Mas como é coisa que tem em Barcelona, no Canadá, em Paris – e São Paulo não serviu de exemplo –, a Unicamp resolveu também aderir, numa prova de falta de senso de ridículo e de prioridades.

Agora a universidade contará com um sistema de bikes comunitárias intracampus para a comunidade interna se deslocar pra lá e pra cá gastando menos tempo e com “menos stress” (sic). Atrasado para a aula? Azar o seu, corra: o tempo autorizado com a magrela não permite assistir à aula inteira. Esqueceu algo em casa, ali pertinho? Vá de carro ou à pé: a bicicleta é só para o campus. Daí a pergunta: para quê bicicleta, se já tem ônibus circular interno? Só se for para passeio de domingo, pelo visto.

Enquanto isso a Unicamp finge que estudante universitário não é estudante e não mexe um dedo pelo meio passe estudantil no transporte público, melhora o tráfego dos carros às custas de piorar a vida de pedestres e ciclistas – que têm que se deslocar mais e atravessar mais ruas –, e segue sem calçadas para pedestres em boa parte da fazendona, mas vagas para estacionar, isso sobra. Inclusive, a Unicamp a cada dia se firma como um grande estacionamento gratuito e cada vez mais bem equipado e protegido – só falta ser com seguro.

Enquanto isso, a moradia estudantil – destinada a alunos que ainda não são da elite – segue sem ampliação de vagas, casas mal pensadas e mal construídas, com reformas sempre lentas; o restaurante universitário tem fila das 11h30min às 13h45min (para compensar o tempo que você vai ganhar com o bicicleta?), e bibliotecas e salas de informática continuam alagando eventualmente – mas só quando chove. Olha, uma utilidade! As bikes poderão ajudar pra sair à cata de gente para entrar no mutirão de retirada dos livro das prateleiras antes que molhem.

Campinas, 29 de abril de 2011.