terça-feira, 11 de outubro de 2011

Médicos, palhaços e uma minoria que faz questão de ir além.

Outlier é como a estatística chama os casos em uma amostra que estão muito fora do espectro das respostas padrões, e por isso são desconsiderados. Reconheço que eu via como outliers o que chamo de bons médicos, aqueles que além dos conhecimentos técnicos exigidos, têm atenção e cuidado para com seus pacientes – nada excessivo, apenas o necessário na relação entre duas pessoas. Resistia – e ainda resisto – em taxar essa minha postura como preconceituosa, ainda que tampouco a julgue positiva: diria antes que se trata de má vontade com a classe médica, fruto de interação não apenas com médicos enquanto profissionais, mas com parentes que seguiram a profissão, e de ter morado com estudantes de medicina, numa república que virou ponto de encontro de parte da turma – para não falar do relato de amigos não-médicos que trabalham na área da saúde.

Semana passada tive a oportunidade de pôr essa minha concepção à prova, ao aceitar o convite para participar de uma mesa sobre máscaras sociais, no evento Medicina, Cultura e Arte 2, organizado pelos alunos da Faculdade de Medicina do ABC – convite que me surpreendeu, tanto quanto o teor do evento.

Por conta de alguns acasos, acabei ficando além, muito além da mesa que participei, e do que havia planejado e esperava: como domingo precisaria estar em São Paulo de novo, aceitei a sugestão e o convite para dormir no Diretório Acadêmico, onde acampavam parte dos participantes de outras cidades. Com isso pude ter um contato com os alunos bem maior do que havia tido durante a tarde, alunos tanto da FMABC, quanto de outras universidades, Unesp, Curitiba, Recife. 

Como um deles mesmo admitiu, estudantes e médicos como os participantes do MCA são minoria – porém minoria é diferente de outlier! E, mais animador: trata-se de um pessoal ciente que está numa posição de poder perante a sociedade, e que está disposto a refletir sobre as próprias práticas – disposição que me pareceu até maior do que na grande maioria de quem é das ciências humanas, até porque enquanto estes se julgam pensadores natos, e isso os desobrigaria da auto-reflexão, aqueles sabem que estão tendo uma formação técnica e se vêem forçados a ir além do que a faculdade oferece.

Voltei do ABC mais otimista: descobri que médicos e futuros médicos com uma visão holística do paciente existem em maior número do que eu imaginava, e estão se organizando – pelo que entendi, começam a. Quem sabe em um futuro não tão distante, aliado a políticas governamentais e iniciativas institucionais que já ocorrem, médico da saúde da família, por exemplo, não seja considerada uma carreira para os fracassados.

Campinas, 11 de outubro de 2011.

ps: o título fica por conta de muitos dos estudantes com quem conversei participarem do projeto "Sorrir é viver", que, pondo alunos transformados em palhaços (clowns), procura humanizar a formação médica e dar uma aliviada no carregado ambiente hospitalar. É inspirado nos Doutores da Alegria (que fizeram uma apresentação-palestra no primeiro dia do evento, por sinal) e na medicina de Patch Adams.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Ah, tantos chamados!

Andava eu por Campinas, ensimesmado em minha dor nada poética – pelo contrário, até me impedia de pensar nos eventos recém ocorridos que caberiam em uma crônica como a do macho cordial –, quando ouvi uma voz feminina me interpelando impaciente “Vem logo, Dalmoro”. Dalmoro é como muitos de meus amigos me chamam – e eu mesmo prefiro ser chamado assim. Olhei para o lado, a mulher insistiu uma vez mais: “anda, amor”.

Sem respirar aliviado, porque a dor continuava, entendi o ocorrido: a habitual confusão entre “amor” e “Dalmoro”. Não que eu me ache um cara que apaixona loucamente mulheres casamenteiras à primeira vista, ou à segunda, terceira, décima; ou que esteja carente a ponto de sair à cata de chamados de amor atirados ao zéfiro (apesar de teimarem que meu negócio seria mais os chamados atirados ao euro). É que se se falar amor meio enrolado, acaba soando como Dalmoro – por isso eu achar que é comigo. Felizmente não é sempre que amor e Dalmoro se parecem – digo na sonoridade, que é o móbil desta crônica.

Pior é com meu irmão: ninguém pode escutar mal, não entender algo ao seu lado, que logo acha que a parada é com ele.

Graças a uma foto minha, que teimaram que era dele, ostenta desde a adolescência o lacônico apelido de . Um dia, quando eu falava do meu problema com chamados vindos de desconhecidos, contou que seu drama era muito maior: é alguém ao seu lado perguntar “ã?”, e já está se virando, achando que estão falando com ele. E poucas vezes de fato estão: gasta a virada do pescoço à toa, e encena novamente a cara de “disfarça...” – que segue ruim, por sinal.

Nessa conversa, até cheguei a cogitar se não teríamos algum problema mal resolvido de egocentrismo crônico, achar que o mundo gira ao nosso redor: só porque eu ligo do celular da namorada do meu amigo e ele atende dizendo meu nome, antes d'eu falar qualquer coisa, e eu encafifo “como ele descobriu que era eu quem estava ligando?”; ou meu irmão que atende a todos não-entendimentos, “ã?”. Coisa que vem de casa, sem dúvida, já que meu pai, de nome pouco usual – Dejanir –, em alguns casos se espicha para atender a uma solicitação “de janeiro”, até que O engole toda sua prontidão.

Cheguei à conclusão, então, que nossos apelidos, associados a uma atenção, essa sim um tanto carente, acabam por nos pôr nessas situações que soam como quem leva o mundo no umbigo. E no fim das contas, enquanto eu ouço chamados que não são pra mim, recebo e-meios – ou até comentários no blogue –, reivindicando que eu desça um pouco do planeta onde estou com a cabeça e seja capaz de ouvir quando me chamam, “Dalmoro!”, realmente.

Campinas, 08 de setembro de 2011.