quinta-feira, 26 de abril de 2012

Discussão de trânsito


Porra, não freia assim, caralho!
Estou descendo (à pé, claro) a Augusta, já depois da meia noite. O grito é nas minhas costas.
Quase que bato em você!
Cara, eu vi onde você tava, não tinha risco.
Não tinha risco?! Não tinha risco?!
Sinto que os dois gladiadores do trânsito seguem descendo, se aproximando de mim, apesar de prosseguirem com a discussão.
Se eu não freio com tudo tinha acabado em cima de você, porra!
Tinha nada, tinha distância, eu vi. Acha que fiz sem ver?
Olho para trás, surpreso da discussão seguir em movimento, e também por curiosidade mórbida de uma discussão de trânsito de madrugada em São Paulo.
Viu o caralho!
O sinal vermelho, os dois páram – eles, não a discussão.
Claro que vi, você tava longe!
O caralho! Eu tava logo atrás!
Eu segui meu trajeto. Carros passavam. O sinal abriu, e os dois patinadores (rollerskater) seguiram sua discussão, se haviam quase batido ou não.

São Paulo, 26 de novembro de 2012.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dilma, a gerente nos tempos da política da lição de casa.

A última pesquisa de opinião do Datafolha, que dá à presidenta Dilma Rousseff 64% de aprovação, muito acima dos seus antecessores no mesmo tempo de governo, serve para reforçar uma vez mais a idéia de que a polarização irracional entre PT e PSDB que imprensa, internet e redes sociais alardeiam está superdimensionada. Se somar os que consideram o atual governo regular, Dilma alcança 93% de opiniões favoráveis – o que não implica, nas simulações de segundo turno (!) contra candidatos tucanos, que a atual presidenta consiga reverter automaticamente todo seu apoio em votos.

De qualquer forma, alguém que aprova Dilma votar no PSDB é sinal que não vê diferença substancial entre os partidos. E, salvo no PSDB paulista, não está tão equivocado, não. O grande carro chefe de Lula, o Bolsa Família, atendia a proposta que corria entre muitos economistas neoliberais, de adoção de políticas compensatórias para a devastação do livre-mercado – nada que PSDB não adotaria, ou que não tenha adotado, ainda que mais timidamente. Quanto à sanha privatista tucana, não é demais lembrar que dos primeiros atos relevantes do segundo governo Lula foi a privatização das estradas, como de Dilma, a dos aeroportos. A guinada neo-nacional-desenvolvimentista, aprofundada com a crise de 2008, talvez seja uma das diferenças mais substanciais entre os partidos – mas essa opção de política de governo, para além da esfera de economistas, cientistas políticos e meia dúzia mais preocupados em macro-economia, pouco influencia a visão de grande parte da população sobre um partido, e aqui incluo a parcela que se crê politizada.

Outra diferença mais marcante está entre PT e PSDB paulista, talvez o grande motor da pseudo-polarização que afeta a sociedade, a se crer no que se lê e se vê. E isso por conta, principalmente, de dois caciques do partido: Serra, que desde 2010 abraçou abertamente as propostas mais reacionárias no quesito de costumes; e Alckmin, que tem como política de governo uso sistemático de repressão policial contra populações marginalizadas não-criminosas. Ou seja, a diferença aqui estaria no respeito ou não aos direitos humanos [bitly.com/cG24112]. O terceiro cacique do partido no Estado, FHC, até tentou problematizar em busca de norte menos reacionário – ainda que conservador – ao partido; não obteve respaldo, ao menos em São Paulo. A imprensa, claro, tem seu papel fundamental nesse superdimensionamento, uma vez que, como mostrou Maria Ines Nassif em texto para revista Interesse Nacional [j.mp/J5zd9k], acabou se tornando a base da oposição – o PSDB até anda tentando adentrar nos sindicatos, mas ainda é muito frágil socialmente.

A aprovação de Dilma ser maior do que a de Lula mostra, por outro lado, que a popularidade do ex-presidente vai além da sua figura, foi transferida ao PT no governo federal. Dilma, ao manter a linha mestra de políticas econômicas e sociais do antecessor conseguiu preservar a popularidade entre aqueles que o aprovavam. O extra frente Lula se deve, muito provavelmente, a dois fatores. O primeiro, ao estilo discreto da atual mandatária da República, que se trata, no fundo, da aplicação do slogan de Alckmin em 2006, “O Brasil precisa de um gerente”. O segundo é que, como Dilma possui diploma universitário, quebrou-se a rejeição nutrida por uma parte da população – que por ser letrada e ter um diploma “superior” na parede crê ser instruída e saber ler – contra Lula, que tinha como base unicamente o preconceito e o rancor contra alguém que já foi do populacho se tornar presidente.

Nestes tempos de esvaziamento da política (fruto do fim das ideologias, aliado às políticas neoliberais da década de 90) e guinada conservadora – quando não reacionária –, o “fazer a lição de casa”, como dizem Mirian Leitão e tantos outros “intelectuais” da mesma (diminuta) envergadura, tem sido o suficiente para garantir uma alta aprovação. A política transformada em disputa de escândalos e dossiês não tem se mostrado forte suficiente para mobilizar a opinião pública, ao menos nas pesquisas de opinião. Porque na internet e na Grande Imprensa, temos governos prestes a cair de podre.


São Paulo, 23 de abril de 2012.