quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A violência “sob controle” do sr. Alckmin

Quando o governador Geraldo Alckmin diz que a violência em São Paulo está "sob controle", ou ele está por demais alienado da realidade do estado que comanda, ou é conivente com assassinatos e todo tipo de truculência que a PM sob suas ordens tem sido acusada.

É normal que ele veja a PM paulista como "bem preparada" e dotada de "alta tecnologia" – afinal, um governador que assume falhas, por mais evidentes que sejam, é visto como incompetente na nossa sociedade da hipocrisia –, entretanto, daí para tentar desqualificar a série de denúncias contra abusos cometidos pela polícia já vai contra o que seria de se esperar de um político sério e afim à democracia – o que não surpreende em Alckmin, portanto –, mas agrada a uma boa parcela da população de São Paulo, obscenamente conservadora.

Independente se ignorância ou má-fé do governador, o que de fato está sendo transmitido em seu discurso é um aval às ações truculentas, violadoras dos direitos humanos e do Estado democrático de direito, por parte da polícia. Entra no rol da assustadora “quem não reagiu está vivo”. Pois a impressão que se tem é de que o único controle da violência que o Estado possui – e bem duvidoso, para qualquer um minimante crítico – é de o número de mortos. Ou então a violência “sob controle” a que o governador alude é sinal de que a série de assassinatos que vêm acontecendo há tempos são ações sabidas, respaldadas e legitimadas pelo governo. 

Achar que policiais serem mortos nas horas de folga, ou vinte e cinco civis assassinatos em um fim de semana, ou um publicitário não parar em uma blitze ser autorização para assassiná-lo, é sinal de uma situação sob controle é temerário. Ofende qualquer cidadão que preze pelos direitos humanos – o pessoal de Veja e muitos de seus leitores, que babam ao lê-la pela manhã, não se encaixam neste grupo. Um homem que aparece morto depois de ter sido filmado sob os cuidados da PM não pode estar em conflito, como alegaram os policiais. Não se trata de um caso “lamentável”, como lamentaram as autoridades, é contra a lei, é crime, é inaceitável – ou deveria sê-lo, só não ao defensores da Ordem e do Progresso –, afinal, é a polícia fazendo aquilo que teoricamente ela devia evitar, é o Estado agindo igual ao PCC. E já comentei alhures: escolher entre quem mata menos é uma falsa escolha.

Num Estado em que um partido teoricamente progressista dá abrigo a um jagunço fardado, e que a população o elege para a câmara da capital, os seguidos endossos que o governador dá à violência apenas indicam a continuidade da guerra urbana há muito vivenciada – em especial pelos moradores da periferias pobres. Se trancar em casa, em shoppings super-vigiados, em condomínios fechados, em carros blindados pode parecer uma alternativa razoável – àqueles que podem pagar por esses paliativos, é claro – para fugir dessa guerra que tememos mas não fazemos nada para minimizar, porém apenas estreitam nossa rotina e nossos horizontes, e afirmam num grito mudo que não temos mais esperanças.

São Paulo, 14 de novembro de 2012.

domingo, 11 de novembro de 2012

Os lentos cantos do destino no oriente.

Gestos vagarosos, em harmonia com o lento desenrolar da coreografia. Assistir ao Chants de la destinée, da companhia taiwandesa Legend Lin Dance Theatre foi – não apenas, mas primeiramente – uma experiência de estranhamento – para mim, recém saído da leitura de O império dos signos, de Roland Barthes, também de auto-reflexão sobre o Ocidente. Como pouco sei da cultura de Taiwan ou do extremo oriente como um todo, os muitos elementos – aparentemente alegorias com forte simbolismo – me soaram impenetráveis, de forma que não tentei compreendê-los e acabei atentando para aspectos talvez menores da coreografia.

Lin Lee-Chen, a coreógrafa da companhia, retomou suas atividades, após breve pausa para cuidar da família, com o intuito de revitalizar e reafirmar a identidade da cultura taiwandesa, que ela via ameaçada pela invasão das formas ocidentais. Se ela cede algo ao ocidente, é muito tenuemente.

O espetáculo começa em ritmo muito lento – dá até a impressão de que parado –, num vagaroso progredir para a frente do palco. Apesar de lento, esse ritmo não deixa de trazer certa tensão, e acaba por gerar ansiedade a um espectador ocidental típico (eu, por exemplo): que horas vai vir a grande explosão com a qual se iniciará a dança, finalmente? Passados mais de vinte minutos, desconfia-se que aquilo não é um prólogo para a coreografia, mas ela em seu desenvolvimento. O exercício é aceitar aquela tensão quase estática como permanente durante a apresentação.

O estranhamento vem não apenas do tempo e do ritmo, como da gramática gestual utilizada: diferentemente das danças ocidentais, o movimento dos bailarinos é principalmente o de assumir posições no palco e lentamente se moverem por ele, com gestos largos, nem leve nem pesados – a impressão é de ausência de peso –, até saírem pela coxia. Soa ritualístico em boa parte da apresentação. Em apenas dois duos os bailarinos fogem dessa relação, em que quase parecem elementos de cena, para uma interação mais direta – em apenas um deles há toque (essa falta do toque me fez lembrar um pouco do filme do japonês Kore-Eda, O que eu mais desejo).

Próximo ao fim, mudança de ritmo, e tambores deixam bem marcada a tensão – os bailarinos, por duas vezes, chegam até a correr! Porém, como na parte lenta, não há o desenvolvimento da música – ela uma hora simplesmente vai diminuindo até cessar –, e a dança segue a mesma lentidão. Beira o monótono – para alguns ultrapassa a barreira, como atestavam, desde o início, pessoas saindo, gente conferindo as horas nos seus celulares, ou conversas na saída, “que coisa mais chata!”, “deu sono”.

Beira também o choque: o desconforto de estar diante de algo que não conhecemos e não temos repertório para traduzir, nossa ânsia de que “coisas aconteçam”, a dificuldade em se centrar nos pequenos gestos (eu estava na última fileira, e pareceu que perdi bastante por conta disso), nos detalhes: queremos o maior número de eventos no menor espaço-tempo. Chants de la destinée oferece a nós, ocidentais, uma outra estética do tempo, e a oportunidade de por duas horas sair da nossa zona de conforto – em que até o incômodo tem, em alguma medida, uma forma familiar e previsível.

São Paulo, 11 de novembro de 2012.