Gestos vagarosos, em harmonia com o lento desenrolar da coreografia. Assistir ao
Chants de la destinée, da companhia taiwandesa Legend Lin
Dance Theatre foi – não apenas, mas primeiramente – uma
experiência de estranhamento – para mim, recém saído da leitura
de O império dos signos, de
Roland Barthes, também de auto-reflexão sobre o Ocidente. Como
pouco sei da cultura de Taiwan ou do extremo oriente como um todo, os
muitos elementos – aparentemente alegorias com forte simbolismo –
me soaram impenetráveis, de forma que não tentei compreendê-los e
acabei atentando para aspectos talvez menores da coreografia.
Lin Lee-Chen, a coreógrafa da companhia, retomou suas atividades,
após breve pausa para cuidar da família, com o intuito de
revitalizar e reafirmar a identidade da cultura taiwandesa, que ela
via ameaçada pela invasão das formas ocidentais. Se ela cede algo
ao ocidente, é muito tenuemente.
O espetáculo começa em ritmo muito lento – dá até a impressão
de que parado –, num vagaroso progredir para a frente do palco.
Apesar de lento, esse ritmo não deixa de trazer certa tensão, e
acaba por gerar ansiedade a um espectador ocidental típico (eu, por
exemplo): que horas vai vir a grande explosão com a qual se iniciará
a dança, finalmente? Passados mais de vinte minutos, desconfia-se
que aquilo não é um prólogo para a coreografia, mas ela em seu
desenvolvimento. O exercício é aceitar aquela tensão quase
estática como permanente durante a apresentação.
O estranhamento vem não apenas do tempo e do ritmo, como da
gramática gestual utilizada: diferentemente das danças ocidentais,
o movimento dos bailarinos é principalmente o de assumir posições
no palco e lentamente se moverem por ele, com gestos largos, nem leve
nem pesados – a impressão é de ausência de peso –, até saírem
pela coxia. Soa ritualístico em boa parte da apresentação. Em
apenas dois duos os bailarinos fogem dessa relação, em que quase
parecem elementos de cena, para uma interação mais direta – em
apenas um deles há toque (essa falta do toque me fez lembrar um
pouco do filme do japonês Kore-Eda, O que eu mais desejo).
Próximo ao fim, mudança de ritmo, e tambores deixam bem marcada a
tensão – os bailarinos, por duas vezes, chegam até a correr!
Porém, como na parte lenta, não há o desenvolvimento da música –
ela uma hora simplesmente vai diminuindo até cessar –, e a dança
segue a mesma lentidão. Beira o monótono – para alguns ultrapassa
a barreira, como atestavam, desde o início, pessoas saindo, gente
conferindo as horas nos seus celulares, ou conversas na saída, “que
coisa mais chata!”, “deu sono”.
Beira também o choque: o desconforto de estar diante de algo que não
conhecemos e não temos repertório para traduzir, nossa ânsia de
que “coisas aconteçam”, a dificuldade em se centrar nos pequenos
gestos (eu estava na última fileira, e pareceu que perdi bastante
por conta disso), nos detalhes: queremos o maior número de eventos
no menor espaço-tempo. Chants de la destinée oferece a nós,
ocidentais, uma outra estética do tempo, e a oportunidade de por
duas horas sair da nossa zona de conforto – em que até o incômodo
tem, em alguma medida, uma forma familiar e previsível.
São Paulo, 11 de novembro de 2012.
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