quarta-feira, 11 de junho de 2014

11 de junho: o dia anterior [Copa 2014 (toques)]

Passo pelo viaduto sobre a Radial Leste, na rua Galvão Bueno, no bairro Liberdade. São cerca de cinco horas da tarde. Pessoas se aglomeram. Me aproximo, curioso. Vejo o trânsito parado - imagino ser alguma manifestação. Me equivoco: uma segunda moto da polícia militar chega para ajudar a que já está fechando a pista. Carros estão parados, por entre eles motos seguem até onde podem, e vão se acumulando. É a seleção! É a seleção! Algumas pessoas comentam. A aglomeração aumenta, celulares apontados para a via, na expectativa do ônibus da seleção. Carros e motos parados buzinam empolgados. Desponta da alça de acesso duas motos e um carro da polícia, logo após o ônibus. Algumas pessoas puxam o coro: É campeão! É campeão! É campeão! Acenam. Ainda não vejo cena de histeria no pequeno grupo sobre o viaduto quando alguém lança o aviso: É o ônibus da Croácia. Os gritos de campeão não cessam: vão diminuindo conforme as pessoas vêem que não se tratava de uma piadinha infame. Terminam em um suspiro geral de frustação quando não resta dúvida de que é a seleção croata que passa - mas as pessoas não deixam de tirar fotos. Consigo reparar em um dos jogadores, fone de ouvido, olhando a cidade de São Paulo - que, na minha opinião, se apresenta feia e desinteressante a quem a percorre motorizado por suas grandes artérias. Não há mais buzinas, nem gritos das pessoas no viaduto, e a caravana passa. O trânsito é liberado - as motos saem na frente, como em um enxame de insetos a se espalhar por todas as pistas. As pessoas seguem, decepcionadas por não ser a seleção brasileira, mas satisfeitas por terem tirado foto da seleção de alguma seleção qualquer. Se servir de consolo, alguns metros adiante há outra aglomeração. Não se trata de jogador ou seleção alguma: as pessoas anunciam ser a apresentadora Sabrina Sato, dentro de uma loja, fechada por três volumosos leões-de-chácara. Ao passar espicho o pescoço, não vejo nem a apresentadora nem ninguém especial. Quem sabe eles não tenham melhor sorte do que eu.

São Paulo, 11 de junho de 2014.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

O CCSP quer deixar de ser público!

Chego a uma biblioteca pública de São Paulo para pegar um livro emprestado. No guarda-volumes, seguranças vestidos ao estilo capo da máfia, tão em voga nos shoppings, dizem que para adentrar o recinto preciso fornecer alguns dados pessoais, tirar uma foto e de um documento de identidade. "Mas eu já tenho cadastro", respondo. Não se trata do cadastro para a retirada de livros, esse cadastro é de seleção de quem pode entrar na biblioteca. Ao fim dessa burocracia, entrego minha mochila no guarda-volumes, passo o cartão por uma catraca e estou liberado para entrar numa biblioteca pública. Estou perplexo, ainda tentando entender. Só lembro desse trâmite todo em prédios de escritórios, não em bibliotecas. Nem na PUC-SP, uma universidade privada, nem nos SESCs, instituições também privadas, me exigiram tamanha identificação - na verdade, nunca me exigiram identificação alguma, sequer para usar a internet (diferentemente do CCSP, que exige cadastro e pedido de autorização diário). 

Ok, há uma diferença entre Centro Cultural São Paulo, no metrô Vergueiro, e SESCs e PUC: no primeiro as pessoas não precisam estar bem vestidas ou serem brancas para poder freqüentar seus corredores (certa feita vi um homem reclamando à caixa do restaurante de um SESC que havia sido interpelado pelo segurança na entrada, que queria saber o que ele pretendia fazer ali: o único sinal fora do normal era seu estilo motoqueiro (limpo), para não falar de quando uma mãe foi impedida de amamentar em público). Quer dizer, havia essa diferença, hoje já não tenho certeza.

Desde que conheci o CCSP, e mais ainda desde que vim morar em São Paulo, considero o lugar mais interessante da cidade: sua entrada é uma continuação da calçada, há ali muitas atividades de qualidade gratuitas ou a preços ainda medianamente populares (R$ 20,00, no máximo, se não me engano), e seus espaços livres são ressiginificados pelos seus usuários: seus corredores são pontos de encontro, de conversas sérias e leves, de reuniões, de ensaios de teatro e de dança, de namoros, de leituras, de jogos, de estudos; freqüentados por brancos, negros, pardos, asiáticos, ricos, pobres, classe média, doutores e pessoas de pouca escolaridade, velhos, jovens, crianças, adultos, sem que eu nunca tenha visto uma tensão pesada entre pessoas tão distintas a primeira vista (já vi algumas vezes segurança pedindo para grupos de dança baixarem o som, e serem prontamente atendidos).

Mas o que a prefeitura e a gestão Haddad querem fazer do CCSP? O que simboliza as várias mudanças que o CCSP tem sofrido, desde que foi fechado para reformas?

A primeira mudança veio na cantina: se outrora era uma lugar de preços razoáveis (não chegavam a baratos, mas ficavam numa certa média paulistana), os novos donos do espaço praticam preços abusivos: R$ 3,50 um café, R$ 4,00 um pão de queijo. Resultado (a mim, que tenho essa possibilidade): ao invés de chamar meus amigos pra um café no CCSP, chamo-os para um dos SESCs, em que um café e um pão-de-queijo custam menos do que o café da cantina do lugar público. Vale ressaltar: uma lanchonete em um espaço como o CCSP não é mero local para comer: é também lugar aberto à socialização - já fiz uma boa amiga, um dia que estava de bobeira na cantina e ela lia Borges ao meu lado. Agora veio essa mudança na entrada da biblioteca, com o cadastro, a foto e os documentos, feito por seguranças engravatados (simpáticos, não nego, mas sou universitário branco de classe-média, creio que se eu fosse um negro com primeiro grau vindo de São Miguel ou Cidade Ademar não teria o mesmo tratamento). Quais os próximos passos? Limpar o espaço desse povo "feio", "pobre", que mora na rua (e logo, não podem saber o que é cultura, muito menos podem querer ter acesso a isso), pra garantir o bom uso pelos brancos de classe-média? Aumentar o valor das entradas, para ficar na média do mercado? Proibir o uso dos corredores para outros fins que não o de passagem? Cobrar entrada para as exposições? 

E enquanto tolhem o espaço de sua característica democrática e pública, lançam uma campanha "seja público, sou público". A quem querem enganar? Que público é esse que dificulta o acesso à cultura?

Ao que tudo indica, a gestão Haddad e o CCSP têm se esforçado para acabar com a vitalidade de um dos espaços mais democráticos de São Paulo. Para felicidade deles, creio que estão no caminho certo. A quem, como eu, gosta do CCSP por seu caráter radicalmente público, é preciso reagir.

São Paulo, 28 de maio de 2014.

Ps: como xingar muito no twitter não me parece muito efetivo, estou enviando uma cópia deste texto para prefeitura municipal, câmara, CCSP e outros.

PS2: o acesso à internet não exige mais pedir permissão todo dia.