quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Sem Campos, como pode ficar a disputa presidencial? [Eleições 2014]

Para além da tragédia familiar e dos amigos próximo com o acidente aéreo que vitimou Eduardo Campos, a morte do candidato do PSB tem potencial para provocar grandes mudanças na corrida presidencial deste ano. Pela primeira vez vislumbro possibilidade real de segundo turno na campanha, se for Marina a substituir Campos (convém ressaltar que todas as pesquisas divulgadas até agora apontam vitória de Dilma no primeiro turno, sendo o tal segundo turno antes distorção dos números por parte de institutos de pesquisa (sic) e jornalistas (sic) da Grande Imprensa).
Eduardo Campos parecia ter alcançado algo próximo do seu teto de votos, sem possibilidades de grandes avanços nesta eleição - e seu projeto era para 2018. Marina, por sua vez, tem o nome consolidado nacionalmente: é de se imaginar que mantenha boa parte dos vinte milhões de votos da eleição passada (quase vinte por cento dos votos válidos), e ganhe alguns mais, por conta da comoção pela morte de Campos. Ademais, seu discurso se propõe o de uma via alternativa à forma de fazer política tradicional - a idéia de rede e não de pirâmide hierárquica -, e dada a saturação da polaridade PT-PSDB pode granjear o voto dos semi-descontentes com esses partidos ou dos muito descontentes com o sistema representativo nacional. E ainda que não seja "candidata evangélica", tal qual o Pastor Everaldo, por ser evangélica, já tem uma barreira a menos para vencer diante do eleitorado mais conservador - nem precisa defender abertamente redução da maioridade penal, manutenção da criminalização do aborto e temas afins daqueles que "são a favor da vida" (sic).
Se Marina Silva assumir a cabeça da chapa, trará preocupações para o bunker petista assim como tucano: Aécio Neves, por ter sido preterido na eleição passada, ainda não tem nome forte nacionalmente - diferentemente das suas adversárias -, e será obrigado a radicalizar sua apresentação como anti-governo - quando para boa parte da população não se trata de desfazer as conquistas petistas, mas aprofundá-las, mudá-las sutilmente de rumo. Dilma Rousseff, por seu turno, terá uma oposição moderada mais forte que a de Campos, e pode se ver obrigada a uma defesa incondicional do seu governo - sem mea-culpas para pequenas melhoras. Sem contar que Marina pode roubar votos tanto de Aécio quanto de Dilma e ainda animar eleitores indecisos ou que votariam nulo - a disputa pela segunda vaga no segundo turno seria acirrada entre os oposicionistas, e creio que a acreana seria favorita.
Há, entretando, um porém anterior às conseqüências da entrada de Marina: a aceitação do seu nome pelo PSB. O partido vem numa curva ascendente e cresceu muito na eleição passada, assumindo certo protagonismo nacional, a ponto de lançar um candidato ao planalto com intenção de votos expressiva - e longe de ser um oportunista-aventureiro, como Collor-1989 ou, em menor medida, Marina-2010, sem suporte no legislativo para conduzir o governo. Marina Silva e seu grupo entraram no PSB somente para esta eleição - após o pleito, terminariam de recolher as assinaturas e criariam o Rede. Os caciques do PSB estão nessa aporia: ou dão a cabeça da chapa para Marina, vislumbram ganhar a eleição, mas perder o poder logo em seguida - correndo o risco de ver o PSB diminuir e sem candidato "natural" para 2018 -; ou põem um nome menos conhecido, insistindo com Marina como vice, com vistas a ter maiores chances de disputa em 2018. O problema desta segunda alternativa: quem?
Pela legislação, o PSB tem dez dias para uma nova convenção. Até lá, várias alternativas serão avaliadas, prós e contras pesados, e a decisão menos onerosa tomada. Enquanto não se anuncia o novo cabeça de chapa socialista, Dilma e Aécio tentarão preencher possíveis espaços que Marina poderia ocupar - um centro moderado com críticas leves ao governo Dilma.

São Paulo, 13 de agosto de 2014.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Uma soneca às cinco

São quase cinco da tarde. O dia está quente e seco. Deitado de bruços, travessado na cama dos meus pais, interrompo a conversa com minha mãe para uma soneca rápida. Peço que me acorde em dez minutos, tempo suficiente para eu relaxar, dormir, sonhar - e babar, eventualmente. Tempo suficiente também para pensar no esboço desta crônica, enquanto ainda não havia dormido e os sons pareciam distantes, obrigando os ouvidos a ficarem mais aguçados. Minha mãe está sentada na cadeira de balanço que foi de seu pai, tira a pele de amendoins recém torrados. É o som mais forte que escuto, mas parece dividir o mesmo espaço que sabiás, bem-te-vis e pardais, que cantam no quintal. O barulho do tráfego ainda é pequeno e os operários das obras em volta já encerraram o bate-estaca. Diferentemente de São Paulo, não há sirenes (talvez porque em Sampa eu sempre morei próximo de hospitais?). Minha mãe assopra - não vejo, mas sei que ela se levantou e foi até a janela. Há um canto de pássaro que não reconheço - não sei se diferente ou apenas misturado em minha mente sonolenta. Logo mais aumentará o tráfego, logo mais o som predominante será o das curucacas se ajeitando no pinheiro para a noite. Logo mais a cidade irá dormir, e o som do tráfego será cada carro que passar pelas ruas desertas. Logo mais os filhotes de coruja, aninhadas no prédio ao lado, começarão seu choramingo estranho por comida. Logo mais elas pararão - como os operários, os carros, as curucacas. Logo mais pegarei o ônibus de volta para São Paulo. Logo mais. Então o que tenho são os sons se afastando, enquanto o sonho se achega - e ao longe, abafado pelo sono, pelo tráfego, pelos pássaros, pela cadeira do meu avô, ouço o sino da matriz bater as horas.

São Paulo, 12 de agosto de 2014.