quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Faltam três dias - tempo demais para nossos Berlusconis tentarem mudar o resultado da eleição [Eleições 2014]

   Em 1993, um Lula ainda adepto da Política nos termos de Jacques Rancière, ou seja, política como conflito e inclusão de marginalizados na Ágora, dizia que se eleito uma das suas prioridades seria quebrar com o monopólio das Organizações Globo, império midiático porta-voz oficial da ditadura civil-militar que reinou sobre o Brasil entre 1964 e 1985. Está no documentário de Simon Hartog, Beyond Citizen Kane (Além do cidadão Kane), produzido para a televisão britânica e censurado no Brasil pela emissora que acusa de censura qualquer tentativa de pôr seu poderio sob o guarda-chuva legal, assim como demais poderes estatais e para-estatais, ou empresas de todos os demais ramos. 
 Em 2002, tão logo conquistou a presidência da República, qual o ato de Lula? Conceder com exclusividade à rede Globo a primeira entrevista. Era já o Lula adepto da tal "concertação", que abandonava o conflito por um pacto social menos retrógrado - progressista apenas para um país que ainda não se conforma com o fim da escravidão -, e incluía marginalizados não na Ágora, como atores políticos, mas nos mercados, como consumidores (de celulares e carros, mas também de saúde suplementar e educação privada).
 É certo que Lula tratou de diminuir o poder da Grande Imprensa, principalmente Globo, ao alterar regras de distribuição da publicidade oficial, suangrande galinha dos ovos de ouro. Teve a chance de enquadrar a revista Veja, quando esta publicou acusações falsas de contas do então presidente na Suíça - foi matéria de capa. Não é exagero dizer queno PT se acovardou diante da Grande Imprensa. 
 Dilma foi além, e devolveu a César o que a Grande Imprensa dizia ser de César, devolvendo-lhe a verba publicitária pulverizada entre outros veículos. Talvez tenha imaginado que seria capaz de comprar se não seu apoio, ao menos afagar a raiva dos barões da mídia contra o PT. Errou vergonhosamente, e agora paga por seu erro: há três dias das eleições, Veja deu o primeiro sinal para a tentativa do último golpe na decisão de voto, em uma capa que acusa Dilma e Lula de "saberem de tudo", e a crise hídrica de São Paulo ser culpa do aquecimento global, não do apagão local de planejamento. Amanhã, sexta, haverá o último debate, na rede Globo: um show de horrores pode ser esperado: MMA deve ter mais cavalheirismo. Sábado, os jornais da emissora falarão do tal debate. Um revival de 1989 não está descartado, e não por um apego à moda retrô, e sim por apego ao poder e ao golpismo. Que fique apenas na capa de Veja, que não tenhamos uma Dilma apática diante de um Aécio seguro de si, aclamado no dia seguinte como salvador da Pátria.
 O que me assusta é o PSDB, na sua ânsia de vitória a qualquer custo, aceitar toda espécie de golpe baixo - não apenas a ocultação da verdade, como em 1998, mas a mentira e a manipulação espúria. Nenhum partido ou político deveria aceitar atentar contra a democracia em nome de um projeto de poder. Diante desse udenismo tucano, não resta outra alternativa que torcer por uma vitória petista, ainda que os governos Lula e principalmente Dilma me soem pusilânimes, mesmo nos seus momentos de grandeza. Que a presidenta saia vitoriosa e aprenda com mais essa eleição: de que certo estava o Lula de 1993, e uma lei que regulamente a Grande Imprensa brasileira, nos moldes da estadunidense, por exemplo, seja a prioridade máxima - sem ela, uma reforma eleitoral será uma tentativa de tornar mais eqüânime um jogo de dados viciados.   

São Paulo, 23 de outubro de 2014.  

 Ps: análise das mais precisas sobre a Grande Imprensa e as eleições, do Guilherme Boulos: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilhermeboulos/2014/10/1533264-massacre-midiatico.shtml

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Picotes eleitorais (II) [Eleições 2014]

Assisto a um dia da propaganda eleitoral dos postulantes ao Planalto. O PT se centra na comparação entre seus mandatos e os do PSDB, aposta na polarização "governo para os pobres x governo para os ricos". Em um discurso que parece mais interessado em consolidar votos do que angariar mais, deixa o raciocínio pela metade, esquecendo de explicitar o porquê da melhora das condições de vida da base da pirâmide social trazer ganhos para o conjunto da sociedade - fator de diminuição de violência, pressão por melhorias nos serviços públicos, aumento nos salários. Já o PSDB recebeu não só o apoio de Marina Silva e do PSB, como teve seu discurso moralizante a la UDN repetido pela representante da nova política. Aécio, ao menos nesse programa, deixou passar a oportunidade de se apresentar como o candidato da uniâo contra o partido da divisão social. Além disso se focou em certo discurso da emoção - por conta do apoio da viúva de Campos -, próximo daquele usado por Marina durante o primeiro turno, uma tentativa, talvez, de ganhar o eleitorado pernambucano, ou de inflar a presumida onda que embala sua candidatura - Marina Silva foi uma mostra de que discurso da emoção não se sustenta por muito tempo. O mais deprimente foi vê-lo repetir discurso dos formadores de opinião da direita brasileira - essa que diz que o Brasil passou por uma "ditabranda" -, de que o país vive sob a hégide de um partido anti-democrático, uma quase ditadura (bolivariana): essa fala desligitima não só o processo de escolha como todo o sistema democrático! Que tenha sido um lapso, não um chamado ao "restabelecimento da ordem" (com Deus pela família?).
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Eduardo Campos tem sido alçado a político com legado para o Brasil - absurdo exagero. Tratava-se de um político hábil e com futuro, mas sem legado que garanta um lugar no panteão de políticos como Cipriano Barata, Rui Barbosa, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola - para ficar nos falecidos. Se não for esquecido tão logo se encerre a disputa eleitoral, seu presumido legado o tornará um grotesco espantalho para uso de ocasião pela Grande Mídia.
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Dois gigantescos desserviços dos eleitores ao Brasil: a substituição de Eduardo Suplicy por José Serra, como senador por São Paulo, e a de Pedro Simon por Lasier Martins, no Rio Grande do Sul.
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Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Pastor Feliciano, José Serra, André Sanchez (até agora não vi cartola que não seja uma decepção: ou um fracasso ou um Eurico Miranda com sutis diferenças), Lasier Martins, Paulinho da Força, Pedro Taques, Fernando Collor, Renan Filho, Raimundo Colombo, Celso Russomano. Parece que ao se olhar pro lado, o nível dos eleitos é sempre horrível. Para a Assembléia Legislativa do Paraná, graças à votação de Ratinho Jr (começamos bem), o PSC (Partido Nacional-Socialista Cristão, do Pastor Everaldo, Pastor Feliciano e tantos outros Intolerantes Cristãos) será o maior partido da Assembléia Legislativa. Daria para ser pior?
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Xico Sá sofreu censura prévia da Folha de São Paulo - expediente que dizem há tempos ser aplicado também a um dos polemistas do jornal (que acata obediente, enquanto anuncia o PT como partido ditatorial). Motivo: a Folha repudiaria proselitismo político em suas páginas. Em um jornal que tem Reinaldo Azevedo, proselitismo político significa ser favorável ao PT, porque qualquer coisa contra o Partido dos Trabalhadores e a favor dos tucanos, desde que se vista com uma tosca roupagem de informação, é autorizado. Xico Sá (de quem este escriba é fã de longa data e o assume como uma de suas influências) soube se dar o devido valor, e dignamente pediu demissão.
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Nada contra o voto em Aécio Neves, quando se trata de uma escolha racional, como comentou Antônio Prata ou Gregório Duvivier. Problema é o voto de cabresto - ignaro, para não dizer preconceituoso - que quer tirar o PT do poder federal por ser O partido corrupto. Não se trata de defendé-lo dizendo que todos roubam, mas convém ressaltar que nenhum outro partido até agora, em qual nível for, deu tanto apoio e tanta liberdade às investigações sobre malversação de dinheiro público. Não é a corrupção que cresceu, foi seu combate: os crimes foram muito semelhantes, mas José Dirceu está preso e Fernando Henrique Cardoso ou Eduardo Azeredo, não.
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Muito se tem comentado sobre os impressionantes erros dos institutos de pesquisa. Falei sobre isso após as eleições de 2010, na qual o índice de acerto das três principais empresas de medição de pretensão de voto teve acerto de 0% (isso mesmo, zero porcento). Está em http://j.mp/cG151010e. Este escriba insiste na sua tese de que as pesquisas de opinião divulgadas pela Grande Imprensa são uma forma discreta de tentar influenciar o voto: há quem vote no candidato favorito para "não perder o voto", por exemplo, ou então um candidato chega ao segundo turno em uma "empolgante crescente", pronto para desbancar a murcha presidente candidata à reeleição.


Pato Branco, 14 de outubro de 2014.