sexta-feira, 6 de maio de 2016

Bolsonaro não é o Trump brasileiro

Muitos tem tratado Jair Messias Bolsonaro (PSC-RJ), o Bolsomico, de Trump brasileiro. Nada mais distante. A única semelhança entre os dois é o discurso de ódio e de incitação à violência e a filiação a uma genérica direita anti-política. Qualquer análise um pouco mais atenta dos dois personagens mostra que a distância é enorme.
A começar que muitos analistas têm dúvida sobre a crença de Trump em tudo aquilo que diz: guarnecido por uma forte equipe publicitária, o magnata americano já admitiu que usa sua verve raivosa em uma proposta polêmica toda vez que sente o moral de seus apoiadores arrefecer. Quanto a Bolsomico, não há dúvidas sobre sua fé no que professa, tanto que por muito tempo foi tido como um político folclórico - e se cresce agora é por mudanças na sociedade e não nas suas posições.
A figura de ambos também é diametramelmente oposta: Trump se vende como o vencedor, o chefe, o self-made man que fez e faz a América. Bolsomico é um aluno repetente da Escola Superior de Guerra, que não consegue ir além do medíocre, cujo grande mérito, falar o que pensa e peitar a todos não resiste a qualquer enquadramento mais forte da justiça - ou de um machão maior que ele. Ainda que motivados pelo medo (deles ou da população), ambos encarnam o cidadão típico de seu país, daí o discurso agressivo de Trump reafirmar sua pretensa superioridade - e dos Estados Unidos frente islâmicos e o resto do mundo -, enquanto Bolsonaro agride para disfarçar sua mediocridade, mais que isso, sua inferioridade - como falou esplêndidamente Contador Calligaris, não é Ustra que é o pavor de Dilma, é Dilma que é o pavor de Ustra e todos os seus apoiadores: "o silêncio do torturado é a vitória final sobre o torturador": Dilma não falou, Dilma não cedeu um milímetro ao seu torturador, que se viu impotente diante de uma mulher a quem tinha a vida e a morte nas mãos. Bolsomico tenta se vingar, ressentido e impotente (com toda a carga que essa palavra tem a um homem), por se saber inferior a uma pessoa do que ele tem por "sexo frágil".
Diferenças ainda, e significativas, há no plano político. Trump é um candidato que vem de fora da política para um partido central do sistema político estadunidense - ao invés de disputar a Casa Branca como independente, por exemplo. Bolsomico é um político profissional, de carreira, que tenta se fazer outsider. É tão inserido no sistema que diz ser contra que até a forma de fazer sucessor repete a dos habituais políticos oligárquicos do Brasil: indicar um parente - no caso, o filho. Os dois, portanto, fazem uma mistura confusa entre ser anti e estar dentro, mas o primeiro se mostra pragmático: entra para reafirmar seu "anti" com chances de vitória; enquanto o segundo está dentro tentando se passar por "anti".
Há também um quê do ethos de cada país que faz com que Bolsomico tenha teto baixo. Os EUA se fizeram e se reafirmam como nação agressiva, orgulhosa da própria violência. O Brasil, por seu turno, desde sempre tenta disfarçar sua violência com o que ganhou a alcunha, no século XX, de cordialidade. Bolsomico agrada a uma parcela da população bem específica: branca, diplomada, bem de vida, habitante do centro-sul, ressentida por ver seus privilégios frente os serviçais do prédio diminuídos por "direitos abusivos", e que se rebelou e ocupou as ruas, inflamada por Veja, Globo e Folha, contra os abusos dos vermelhos - seu modus operandi tem sido rejeitado pelos seus apoiadores, que se distanciam dos patos fascistas de Skaf. Vejo como seu eleitor típico um professor doutor da Faculdade de Educação da Unicamp, 15 pós-graduações orientadas, que num curso de Política Educacional para alunos de graduação solta que "o Brasil é um país injusto porque sul produz pro norte consumir", acrescentando a seguir que nordestino é preguiçoso e que pra cima de São Paulo tudo é precário, até a máquina de cartão de débito, isso vale já pra Minas Gerais, e ele não pode ser preconceituoso porque é mineiro (não estou exagerando, infelizmente não tenho gravada a aula, por isso não cito o nome do respeitado pesquisador). Talvez se o Bolsomico Júnior der uma de Marine Le Pen, afastar o pai, e trabalhar o discurso de direita num viés menos raivoso, mas com a mesma carga de ódio, ele tenha alguma chance - mas ele dá reiteradas mostras de ser tão limitado intelectualmente quanto o pai.
Outra e talvez mais importante diferença entre Trump e Bolsonaro: o primeiro é alguém up-to-date, o magnata que soube usar a indústria cultural para promover seu ego. Assim, ele não presta homenagem a McCarthy, e vocifera contra minorias, em especial contra imigrantes e muçulmanos, questões típicas do século XXI. Bolsomico está parado em 1968, ainda caça comunistas, e se ampliou seu ódio para gays, a cada manifestação ele reforça a impressão que isso é por uma questão interna mal resolvida dele. Conseqüência: junto com os impropérios, Trump tem um "projeto" de país, vagas idéias sobre o futuro da nação; Bolsomico é o ódio por si próprio e seu projeto para o Brasil não vai além de um passo atrás na roda da história.
Podemos respirar aliviados diante da fragilidade de Bolsonaro? Nem um pouco, pois temos fortes candidatos ao posto tupiniquim equivalente àquele ocupado por Trump nos Estados Unidos - com reais chances de vitória.

06 de maio de 2016



sábado, 30 de abril de 2016

Bolsonaro, o nome da vez - mas poderia ser qualquer outro

Jair Messias Bolsonaro (PSC), por muitos chamado de "Bolsomito", que eu acho mais coerente chamá-lo de "Bolsomico", é o nome da vez de uma certa direita ultra-conservadora brasileira, com destaque no campo dos costumes. Esse grupo busca um nome que o represente desde que ficou clara a derrota da aliança liberal-conservadora encabeçada pelo príncipe dos sociólogos - que trouxe junto a decadência de Bornhausen, Magalhães, Maluf e coronéis old-fashion afins -, junto com a ascensão política evangélica. O candidato da situação em 2002 se dizia nacional-desenvolvimentista e tinha histórico de esquerda (alguns incautos e ingênuos até acreditaram nessas pendências à esquerda, este escriba entre eles, o que não quer dizer qualquer apoio ao nefasto político), o que desagradou esse eleitorado. Nessa mesma eleição, Garotinho era o principal nome do grupo (lembro do professor Marcos Nobre, em palestra na Unicamp, dizendo que ele era o nome mais perigoso da disputa presidencial), e o sobrinho do chefe, bispo Marcelo Crivella, despontava como nome para o futuro (Veja comemorava a vitória do bispo da Igreja Universal sobre seu arqui-inimigo Leonel Brizola).
Uma breve pausa na voracidade política evangélica veio com o chamado Mensalão do PT e a candidatura do bom homem de Deus e das execuções extra-judiciais legitimadas, Geraldo Alckmin (PSDB-SP). Derrotado o "Santo", a força desse conservadorismo - que está próximo do movimento evangélico, mas de forma alguma se restringe a ele - cresceu sem parar, se organizando de modo cada vez mais autônomo dos partidos políticos centrais, até ser levado ao protagonismo, em 2010, por José Serra, que trouxe a pauta dos costumes e os pastores evangélicos mais obscurantistas para o centro do debate presidencial, ofuscando a representante oficial do grupo, Marina Silva (então no PV, hoje na Rede).
Desde 2010, revezam-se no congresso, nas emissoras de tevê e nas redes sociais nomes que tentam capitanear essa espécie de tea party tupiniquim. O senado, curiosamente, não consegue dar a mesma visibilidade que a câmara a esse tipo de político, enquanto Marina Silva tem o pecado original de ter sido do PT (o mesmo pecado de Marta Suplicy, a ser testado em outubro). O que sucedeu foi Garotinho e sua "pepita de 20 milhões" contra o kit anti-homofobia, Marco Feliciano, o homem da chapinha nos direitos humanos; Eduardo "Capone" Cunha e agora, finalmente, Jair Messias "Bolsomico".
Em sondagens para a presidência da nossa Republiqueta Bananeira do Brasil, Bolsomico desponta com cerca de 10% das intenções de voto. Jean Wyllys acredita que o carioca pode chegar a 15% quando mais conhecido (por sinal, o que é aquele deputado júnior por São Paulo votando em nome do "povo naxx ruaxx com o exxpirito doxx revolucionárioxx de trinta e doixx?"). Seu principal trunfo é atender aos anseios evangélicos - está até no partido mais ligado a eles - sendo católico. Também agrada às viúvas da ditadura, e a parcela mais ignara da classe-média, média-alta (na qual se inclui muitos mestres e doutores).
Seu discurso anti-minorias, contudo, faz com que tenha teto baixo. Uma coisa é falar mal de minorias na França ou nos Estados, onde gauleses e WASP são numericamente superiores e historicamente reivindicam supremacia sobre a emergência do Estado-Nação. Outra é essa fala num país periférico, tributário da colonização, pornograficamente desigual, e que tem conhecido um empoderamento das minorias - não condizente com a mesma asensão social das classes marginalizadas, infelizmente.
Não ter chances de ganhar a eleição não o faz um mero candidato folclórico, como Enéias, em alguma medida foi: além de poder puxar o debate ainda mais para a direita, seu discurso claramente estimula o ódio, a violência e a intolerância contra minorias, e contra todos que não compartilhem das idéias do fascio - Alckmin e Aécio que o digam, expulsos pelos milicianos do Paulo Skaf da própria manifestação. O neofascimo é uma ideologia anti-política que ganha adeptos em todo o mundo, mas tem suas peculiaridades nestes Tristes Trópicos. Por mais que não seja apenas o nome da vez, não há tanto a Temer Bolsomico: há figuras piores despontando no cenário nacional.


30 de abril de 2016.

E o pior é que um bigodinho orna.