sábado, 10 de dezembro de 2022

Dez anos - tão rápido, tão lento

Desço na estação Prefeito Celso Daniel - Santo André. Há dez anos não parava ali, desde quando abandonara o curso na Federal do ABC, ainda no segundo quadrimestre. É como voltar dez anos no tempo, mas não parece tanto tempo assim. São mesmo dez anos? 

Diferente do que fiz tantas e tantas manhãs de 2012, me encaminhei para o lado do  centro da cidade, não da universidade. E diferentemente de 2012, meu pai não me ligou às seis, horário em levantava para esvaziarva bolsa de colostomia, para saber se eu tinha dado conta de acordar (até então eu estava acostumado a dormir sempre depois das três, foi difícil voltar a acordar cedo). Estou atrasado, caminho sob o sol ardido num dia quente e seco - que me faz lembrar de Pato Branco ano passado, quando estava vivendo com minha mãe seus últimos dias. Chego já fora do horário oficial de lançamento do livro Colateral, da Isabela Veras, amiga de meia década e muitos desencontros. O horário do almoço ajuda a esvaziar a livraria, e sobram alguns recalcitrantes - eu dentre eles. 

Escultura de Ricardo Amadasi

Isa me apresenta a Alpharrabio, projeto de 30 anos de sua mãe, Dalila. O local vende livros, mas claramente isso é uma desculpa para reunir pessoas que gostam de literatura e possuem outras afinidades. Antes de ela me falar, havia ouvido Dalila contar a um grupo da compra da casa e das reformas para transformar no que é hoje. Isa conta dos eventos que acontecem todo mês - o sarau, o encontro de escritoras. Me faz lembrar de Misson, que sempre agitava eventos na Penha - às vezes conseguia algum lugar público, se não, improvisava numa praça ou reunia em sua casa mesmo. Quem sabe se não tivesse partido prematuramente não teria ela aberto seu Alpharrabio? Também me lembro da Casuística, a revista eletrônica que agitei entre 2009 e 2013 - interrompida com o vazio trazido pela partida da Misson, que assumira a função de co-editora a partir da segunda edição. E dos "poetinhas", o grupo de poesia agitado pelo Cassio e Jeff, do qual eu participava como ouvinte, por não ser um gênero no qual me arrisco. Um lugar desses seria uma preciosidade para o daniel de 2010, 2012, e seus amigos.

Antes mesmo de ir à Alpharrabio, volta e meia recordo com nostalgia daquele meu ânimo em experimentar e arriscar, talvez mesmo fazer o papel de bobo, em nome de nem sei o quê - ter gente interessante e igualmente realisticamente rebelde com o princípio de realidade por perto. 

Nunca achei que aquele meu ímpeto fosse coisa da juventude, ainda que acredite que tê-lo perdido seja fruto do tempo - não o tempo que simplesmente passa, mas o que deixa cicatrizes, no meu caso, dessas três perdas: Misson, meu pai e minha mãe. Dalila abriu a livraria com mais idade que tenho hoje, e não só isso: é explícito o tesão com que leva suas atividades - a livraria e o ativismo cultural em Santo André, que já lhe rendeu uma série de homenagens, além de um doutorado honoris causa. Claramente idade não é algo que interfere na juventude de uma pessoa - antes como ela consegue levar as adversidades da vida.

Isa me mostra detalhes da Alpharrabio: o auditório, as esculturas, os livros da editora, os livros-objeto. As escadas no jardim interno me remetem à Prainha da PUC. O mimeógrafo posto como enfeite me faz lembrar do "livro" que produzimos na escola, rodado em um aparelho desses, com o cheiro de álcool a marcar a alegria de termos nosso livro - eu tinha oito ou nove anos, estava na terceira série. Naquela época nunca que eu imaginaria que um dia lançaria livros de "verdade" - hoje me questiono do que valeria lançar os que tenho no prelo.

É perceptível o afeto que atravessa o mostrar e recordar de Isa: "cresci em meio às reuniões de poesia de minha mãe, primeiro na casa das pessoas, depois aqui. A Alpharrabio é minha segunda casa". É o mesmo afeto que me atravessa quando penso na casa de Pato Branco - e me vejo mostrando ela aos amigos e companheiras que chegaram a conhecê-la com essa mesma empolgação, de um passado vivo e presente. A diferença é que a casa de Pato nunca deixou de ser a primeira - junto com as outras que tive. Casa que sonhei hoje, e que no meu sonho não estava vazia, como está há dez meses, pelo contrário: estavam lá meu pai no balanço, minha mãe com os bonsais e meu irmão com a reforma da cozinha, que ele levou a cabo ano passado.

Na volta, na estação esperando o trem, como fizera vários fins de tarde de 2012, me pego pensando em tudo o que me ficou pelo caminho entre Santo André e São Paulo, entre 2012 e 2022: ânimos, ímpetos, desejos intensos de experimentar... futuros do pretérito interrompidos pelo que a vida tem de mais ordinário: a morte. "Viver é ir morrendo aos poucos", dizia minha mãe.

Foram mesmo só dez anos desde o último trem que peguei ali?


10 de dezembro de 2022

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Macedo, meu nobre colega [por Sérgio S., da Equipe Trezenhum. Humor sem graça.]

Macedo, meu nobre colega, como comentei em outro texto, sempre me acompanha nos entretenimentos de hora do almoço - vulgo comer e dar um rolê, às vezes fazer compras. 

Antes de continuar, um parênteses. Para não ter toda vez escrever "Macedo, meu nobre colega", vou abreviar para "Macedo MNC", mas não seja preguiçoso ou preguiçosa ou ambos e siga lendo "Macedo, meu nobre colega". Fecha parênteses.

Foto de Macedo, meu nobre colega, em suas últimas    
férias (arquivo pessoal dele, vulgo Instagram)

Não apenas isso, os demais colegas - que são nobres, mas não se chamam Macedo - dizem que somos parecidos: ambos magros, filhos de bancários, barbicha parecendo um ninho feito por um pombo bêbado, as mãozinhas para trás na hora de caminhar, guarda-roupas com pouca variedade (quer dizer, eu acho que ele tem um guarda-roupa, mas pode ser que seja uma pessoa chique e tenha um closet), humor bastante peculiar e que dividem com poucas pessoas, e branquelos - ainda que ele tenha um tom fanta mais autêntico e eu esteja para um branquelo-amarelado encardido (ao menos minha mãe sempre critica minhas roupas brancas, que ela diz estarem encardidas por conta do tom de branco que possuem). Por causa dessas semelhanças entre nós, eu acabo ficando estatisticamente parecido com um colega que trabalha alguns andares acima, no que hoje chamam de Rooftop (lê-se rufitóp), mas no meu tempo era apenas último andar, a quem chamaremos aqui de Fernández, Funcionário do Topo (FDT), sendo que o topo aqui se refere ao topo do edifício, não da carreira. Isso porque, apesar de eu não parecer com Fernández FDT, ele e Macedo MNC se parecem, e como eu e Macedo MNC nos assemelhamos, sobra que termino por ser estatisticamente parecido com o nobre colega Fernández FDT, de alguns andares acima.

Novo parênteses (me desculpe tantas interrupções): acabei de notar que o MNC não é uma boa, por dois motivos. Primeiro: vai que alguém se refira a ele como "Macedo, teu nobre colega", e um "Macedo TNC" não seria merecido com o nobre colega. Segundo, pelo risco de que alguma hora apareça no trabalho alguma "Yara, Minha Colega Admirável", e uma abreviatura com as iniciais induza um certo playboy meia bomba que faz cosplay de "não sou pulítico, sou jestor" e que gosta de se fantasiar de Village People para ir na Little Seul a achar que estou falando dele e me meter um processo. Fiquemos, então, com Macedo M, apenas, mas insisto para que o prezado leitor, a prezada leitora não seja preguiçoso ou preguiçosa ou ambos, e siga lendo Macedo, Meu Nobre Colega. Fecha parênteses. Ou melhor, abre outro, rapidinho: até pus a música aqui, pra acompanhar, achei que ficou supimpa. Agora fecha. Ou abre de novo para o tema nomes: acabei de notar que Fernández FDT ficou perto também de uma abreviatura infeliz, e que falado em voz alta pode ser confundido com um sonoro FDP, que Fernández não merece. Vamos convencionar, então, de usar só uma letra, assim, Fernández, Funcionário do Topo, o Fernández FDT, será apenas Fernández F. Agora fecha de verdade.

Na verdade foram tantas interrupções que precisarei encerrar este texto sem narrar o que pretendia e que você que me lê esperava. Peço desculpas e paciência: creio que foi por um bom motivo: facilitar a compreensão e apresentar nosso herói, Macedo M (lembrou de ler "meu nome colega"?). Na verdade, o herói deveria ser eu, Sérgio S, mas trupiquei nesses parênteses e sem querer perdi até o protagonismo da crônica. Ou nem sei se foi tão sem querer, porque Macedo M (não esqueça do "Meu Nobre Colega"!), sempre eficiente e concentrado, costuma ganhar o protagonismo e os elogios dos chefes (e não reparar nas suas barras de gergelim da gaveta).


05 de dezembro de 2022

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.