segunda-feira, 9 de março de 2009

Um retrato de uma universidade reconhecida por seu pensamento crítico

Vivemos em uma sociedade na qual o que realmente importa é deter títulos e não possuir conhecimento. Os títulos a que me refiro são os acadêmicos e a importância que evoco diz respeito antes a posições de prestígio na sociedade, não necessariamente vinculadas a importâncias monetárias. Sempre que me refiro a essa questão cito como exemplo a prova para o Instituto Rio Branco, considerada a prova mais difícil do país. Na primeira fase, questões de múltipla escolha, uma alternativa errada anula uma certa. Nas três fases seguintes, questões discursivas. Seria de se imaginar que alguém que supere todas as fases está apto a entrar no Itamaraty, certo? Talvez fosse, caso o Itamaraty estivesse interessado em escolher os melhores para os seus quadros. Há, contudo, uma cláusula posta na década de 70, se não me engano, quando o ensino hoje médio começou a se popularizar, cujo objetivo é garantir que tais vagas sejam destinadas aos melhores... da elite: a exigência de diploma superior. Ainda que essa cláusula tenha perdido sua validade original com a massificação do ensino superior no correr da última década, me parece um bom exemplo de como a sociedade articula "formas legítimas de exclusão", como sintetizou um professor da Faculdade de Educação, quando utilizei esse meu batido exemplo.
Faço toda essa propedêutica para reclamar da vida. Interssado em ter experiência no ensino básico e sabendo que meus quase quatro anos lecionando em projetos de educação popular não me ensinaram nada, e que só terei capacidade para ser professor se sentar a bunda mais dois anos em sala de aula e organizar três ou quatro atividades em uma escola oficial, tenho tentando encarar uma vez mais a penitência (para não dizer tortura) que é passar pela Faculdade de Educação da Unicamp. Da primeira vez que tentei, não suportei. Nesta segunda tentativa comecei com um professor bem razoável (esse ao qual me referi no parágrafo acima). Até cheguei a imaginar que fui azarado nas matérias da primeira tentativa e não que esse professor foi um lance de sorte. Recaídas polianas.
Pois lá fui eu para a primeira semana de aula, já irritado por ter disciplinas negadas, o que significa que minha tortura deve durar um semestre a mais (isso se eu resistir). Lá fui eu, irritado mas esperançoso, à Faculdade de Educação, Faculdade que a secretária de educação do governo Serra acha que deveria ser fechada.
Na primeira matéria que assisto, o professor começa a aula dando sermão sobre assinar a lista para colegas ausentes. Diz que isso é corrupção, "igual àquela que criticamos no congresso". Torço o nariz e tento relevar: primeiro porque já estou careca de saber (quase literalmente) que política, ao contrário de física, é um conhecimento muito mais à mão e muito prático, ainda que a preguiça de pensar não permita que as pessoas - e mesmo os professores doutores e pós-doutores que teoricamente lidam com política educacional ou assuntos afins - saiam do mais rasteiro senso comum. Segundo porque tenho a viva impressão de que na Faculdade de Educação da Unicamp ainda se está longe, muito longe, anos luz de distância de descobrir Foucault (já Skinner...). Relevado isso, sigamos com a tortura.
É impressionante como há pessoas que possuem o dom de fazer o relógio andar mais devagar! Eu me sentia aquele personagem do Angeli, cuja cabeça cresce até quase explodir diante das conversas das pessoas de bem. Porém minha curiosidade masoquista queria ver até onde esse professor iria.
O ponto alto da aula foi quando ele dividiu o Brasil em dois: o sul, que correspondia, segundo ele, "de Minas para baixo: Minas, Espírito Santo, Rio, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul", e o norte, que era o resto. Está bem, uma mapa esquemático, viremos um pouco ele na diagonal e tentemos ver o Mato Grosso do Sul acima de Minas Gerais. Feita a divisão em norte e sul, diz ele que se se separassem, o sul seria um país de primeiro mundo. Ok, é uma apresentação sem muito rigor, depois ele deve desenvolver um pouco melhor sua tese. Seguiu o professor doutor com uma série de informações inéditas e vitais, como a dificuldade em se encontrar um posto de conveniência do Gugu Minas, ou em conseguir fazer o cartão passar em uma máquina, ou o medo em se parar em qualquer posto desse estado que é, segundo o professor, parte do primeiro mundo. Assim ia até a inédita e lapidar e científica explicação (que fiz questão de anotar para não colocar senão a frase exata): "enquanto o sul produz, o resto do país gasta". Óbvio! Todo mundo sabe que no semi-árido nordestino a média é de duas tevês de plasma por residência, e que qualquer pessoa com mais de cinco anos possui um i-phone, pelo menos!
Quis levantar e sair da aula, mas achei que frase assim absurda devia ser para provocar a indignação dos alunos, ainda que não fossem alunos do primeiro ano, sequer fosse a primeira vez que dava curso àquela turma. Eu mesmo fiz uso algumas vezes de tal expediente. Permaneci, então, sentado, quietinho, enquanto ele prosseguiu com suas fascistadas paulistas. Comecei a entender então que ele ter dito no início da aula prezar por toda a liberdade de pensamento que a universidade pública oferece não era ignorância dos últimos acontecimos: ele pode pensar e, melhor, falar o que bem entender que os alunos não têm para onde correr nem são loucos de questionar: com um mês de aula já todo mundo sabe (se não sabe é porque não quer) que há duas coisas básicas que movem a universidade pública: café e ego. Com um pouco mais de tempo se certificam que questionar um professor é pedir para ser perseguido - talvez não por ele, pois isso seria muito rasteiro, mas por algum colega da sua panela.
E o mais revoltante foi o professor ter falado em liberdade de pensamento na universidade uma semana depois da reitoria ter autorizado a entrada da Polícia Federal no campus para apreensão dos equipamentos da Rádio Muda, a rádio livre que funciona no campus da Unicamp, e um mês depois da reitoria ter apresentado queixa à polícia do servidor do Grupo de Estudos Saravá, que funcionava no campus e ao mesmo tempo que servia para estudos, atendia a projetos sociais.
Talvez eu esteja agindo de má-fé e ignorando o óbvio: há liberdade de pensamento e expressão na universidade, sim. Uma liberdade limitada, é claro, pois sou aluno. Se eu não faço uso é porque não tenho coragem de arcar com os meus atos. E para aqueles que têm coragem de fazer uso de "toda" essa liberdade que a universidade oferece, e não estiverem sob o poder direto dos professores (o que lhes dá direito a reprovar em matérias ou rejeitas bolsas entre outros expedientes), o jeito é chamar a polícia, assoviar e olhar para o lado com cara de defensor da democracia, esbravejando - num misto de alegria e desalento - contra os despautérios da nação que ele leu na última Veja, e indignado com a corrupção dos alunos que assinam listas para os colegas.

PS: Do meu lado, apenas torço para que nem ele nem seus colegas fascistóides leiam esta crônica até eu terminar minha licenciatura (caso consiga terminá-la).

Campinas, 09 de março de 2009

1 comentário:

Anónimo disse...

Daniel, concordo com vc plenamente com relaçao à faculdade de educaçao, os anos que dei aulas em projetos populares tambem nao me adiantaram muito e foram necessarios outros estagios em escolas e mais semestres na educaçao pra conseguir a licenciatura. É frustrante, é triste, é ridicula a situaçao universitaria, a unicamp em especial.
e no final das contas resta um amargo nó na garganta, uma certa lembrança acre, e uma nao vontade de retornar.
K