terça-feira, 4 de março de 2003

Reprimir, liberar ou legalizar?

O senador do PDT do Amazonas Jéfferson Peres vai propor ao presidente do senado, José Sarney, uma medida polêmica e radical para acabar com o tráfico de drogas: a sua legalização. Teoricamente essa é a única maneira capaz de extinguir o tráfico de drogas. Quase certeza que essa idéia, caso ganhe algum espaço na mídia, será, no mínimo, satanizada, assim como o senador. Apesar disso, como ferrenho defensor da legalização das drogas, vejo com certo otimismo que tal questão seja posta em debate.

Sei que muitos devem parar de ler minha crônica por aqui, tomados por um medo dogmático incumbido por uma lavagem cerebral (muito bem) feita pelo governo estadunidense e a imprensa no final dos anos 80 (Noam Chomsky, O que o Tio Sam realmente quer, pág. 107). As drogas fazem mal, é o único argumento que muitos têm para defender a sua criminalização. Mas faz mal a quem? O que faz mais mal, o uso, o abuso ou o tráfico de drogas? Sabemos que cigarro e álcool são tão perniciosas quanto muitas drogas ilegais, mas ainda assim são utilizadas, e muitos pouco condenadas. Argumentarei um pouco àqueles que, por mais que tenham sua posição definida, não são dogmáticos quanto a ela.

A primeira questão que se põe é entre legalização e descriminalização. Sou a favor da legalização, ou seja, que as drogas sejam legais, com cobrança de impostos sobre a venda, tal como ocorre com cigarro e bebidas. A descriminalização me parece uma atitude muito hipócrita, que beneficia apenas as classes média e alta, consumidoras de droga que tem o dinheiro necessário para consumi-las. A classe pobre, que para poder usar droga se vê obrigado a trabalhar para o tráfico em nada seria beneficiada. Sem contar que o tráfico continuaria existindo, e com ela suas vítimas, a maioria pobres, com alguns poucos respingos para os mais abastados, que quando ocorrem motivam passeatas e camisetas pedindo paz.

Segundo, defendo a legalização das drogas, mas caso houvesse um projeto para legaliza-las em 2005 eu seria contra. Drogas fazem mal, isso é inegável. Legaliza-las sem antes uma campanha de conscientização é loucura, e não basta uma campanha com a Ana Paula Arósio e duas ou três falas na novela das nove, isso não muda em nada a mentalidade vigente. Imagino que seria necessário dez anos de propaganda intensa, manhã tarde noite, rádio tevê revista, escola clube boate, antes de haver a legalização. Sem essa conscientização agressiva, ocorreria como a experiência (holandesa, se não me engano) dos anos 70, de criar um local liberado para uso de drogas, que em certa medida estimulou seu uso.

Já que falei de uso em local restrito, essa é outra idéia que defendo: uso de drogas legal, mas não em qualquer parte; acho que deve haver locais próprios e leis severas para quem fumar um baseado em praça pública, por exemplo, e penas ainda mais severas para crimes cometidos sob o efeito de drogas.

Enfim, a discussão é boa, o tema ser proposto por um senador é ótimo, mas as coisas devem mesmo é ficar do jeito que estão. Afinal, crime organizado, traficantes, igrejas e a classe-média são contra qualquer frouxidão nas leis. Os primeiros porque isso tiraria sua fonte de lucros. Os segundos porque ainda crêem que o Estado sirva de exemplo ao povo, e que se ele diz que é proibido, devemos imaginar que é porque ele nos quer bem e drogas fazem mal, legalizar seria como dizer drogas faz bem.

Enquanto isso, tranque seus filhos em casa e tranque suas portas: a droga está em cada esquina, a violência está em todo lugar.


Pato Branco, 04 de março de 2003

domingo, 2 de março de 2003

O método ou o erro

A caminho da rodoviária, eu escutava a conversa entre duas amigas. Uma era terceiro-anista de medicina, enquanto a outra, caloura da biologia. Dizia a caloura de um experimento que tinha que fazer: calcular quantas gotas havia em 1ml. Enquanto seus colegas se utilizavam de tudo quanto é instrumento para calcular, fazendo contas e contas, tal como o método exige, ela utilizou da pipeta para marcar o um mililitro pedido e com um conta-gotas contou quantas gotas possuía. Sua amiga veterana reprovou: era preciso utilizar o método, e não o jeito mais fácil.

Bem que eu tive vontade de me intrometer na conversa (o que eu não seria o primeiro nem o segundo a fazer), mas como é da minha índole, fiquei quieto. Mas nada como ver a velha e boa visão limitada em ação. A idéia da caloura, apesar de simples, é engenhosa, precisou de raciocínio, coisa que seus colegas não tiveram. E se é possível chegar aos raciocínios apenas com as próprias pernas, para que apelar para o método? Ainda mais quando se está aprendendo. Pois o raciocínio é preciso desenvolver, enquanto para seguir o método basta abrir um livro e seguir as instruções.

Uma pena que a universidade (toda a sociedade, na verdade) ainda valorize tanto o método, em detrimento do raciocínio. E que os alunos por ela formados não tenham coragem suficiente para inovar e contesta-la. Que os poucos resistentes suportem bem a pressão para utilizar o método e continuem fazendo uso dos métodos “simples” que com o raciocínio conseguiram chegar.


Pato Branco, 02 de março de 2003