Venho
cá chutar cachorro morto e chover no molhado: é o que se faz quando
se fala da imprensa nacional. Salvo os detalhes do momento, o que se
tem é um movimento regular, contínuo, bem estruturado da mídia
contra um partido que ela ainda vê como esquerda demi-comunista –
isso vale tanto para o protofascismo de Veja quanto para o
partidarismo não-assumido mas evidente de Folha.
O
assunto desta semana foi greve.
Há
várias na principal cidade do interior do Estado, talvez os leitores
de Folha não saibam: Campinas, além das crises sobre quem ocupará
a cadeira de prefeito na semana seguinte, vive caos na saúde, já há
muito é um zero na cultura, teve há pouco greve no transporte que
se serve do público, e segue com boa parte dos servidores públicos
em greve. É onde fica a Unicamp, uma das principais universidades do
Estado e do país, talvez perdendo só para a USP.
Vamos
para a capital, onde as coisas acontecem, dizem. Onde oito milhões
de almas são tidas como decisivas para o futuro dos dois principais
partidos do país – em contrapartida, os dois principais partidos
do país pouco se mostram interessados no futuro da cidade.
Na
quarta, tivemos uma “greve política” do metrô, conforme
editorial da Folha (“Greve contra São Paulo”, 24/05/12). Adoro
quando falam em “greves políticas”! De uma redundância maior
que subir pra cima, tão esclarecedor quanto dizer que a cor vermelha
é vermelha, que a água é molhada, que o sol é quente, e assim
vai. O dia que me apresentarem uma greve apolítica – até a das
mulheres de Atenas foi política –, farei questão de aderir. Até
lá, terei de suportar um jornal que se diz a serviço o Brasil
utilizar política como sinônimo direto de coisa ruim. Porém,
pior do que falar em “greve política”, só os argumentos do
editorial.
Primeiro,
conforme a Folha, quem recebe salário acima da média brasileira não
deve reclamar (se fosse acima do PIB per capta do Qatar, cerca de US$
90 mil, eu até poderia concordar). Fica a dúvida porque quem recebe
estímulos estatais bem superiores aos dos milhões de miseráveis do
Bolsa-Família teria o direito: se a Folha pretende ser tão
independente como apregoa, que comece recusando todo patrocínio de
governos, empresas estatais ou que tenham ligação com o Estado.
Segundo:
a determinação da justiça de 100% de funcionamento do sistema no
horário de pico. Há alguma coisa errada numa no conceito de “greve”
quando todo mundo é obrigado a seguir trabalhando. Contudo, a
novalíngua da Folha não vê nenhuma contradição nisso: deve o
jornal, então, reivindicar a mudança do artigo nos dicionários,
que insistem em dizer que greve é “cessação voluntária e
coletiva do trabalho”, a justiça do trabalho, de fato, rejeitou a
possibilidade de greve – tenha tido razão ou não, é outra
história. É fácil defender o direito de greve quando greve não
implica em nenhuma mudança da rotina, em nenhum custo aos patrões.
Terceiro:
Folha ignora que os metroviários fizeram uma contraproposta a essa
estapafúrdia decisão da justiça: 100% dos funcionários
trabalhando, mas com as catracas liberadas. O governo recusou,
ameaçou usar a força policial contra os grevistas, caso isso
ocorresse. Fica a dúvida: quem trabalhou para prejudicar os usuários
foram os trabalhadores ou o governador Alckmin?
Outra
greve são as das universidades federais. Essas, para Folha, não são
políticas – logo, há de se acreditar que sejam justas. A
acreditar que a Folha não use dois pesos, duas medidas, um professor
universitário ganha menos do que um motorista de ônibus, assim
sendo, tem direito a fazer greve – se não for, hora de chamar a
polícia para pôr ordem (fiquei esperando um editorial e não veio).
Ao
invés de apresentar um panorama com os pontos positivos e negativos
das IFES – como fez um outro jornal do grupo, dedicado à elite e
não à classe média inculta, que sequer sabe quem foi Hegel (ao
menos assim pensa a Folha de seus leitores) –, o jornal se centra
na Unifesp, que, pelo que dá a entender a reportagem, seria uma das
piores universidades do país, sem qualquer infra-estrutura. Pior: se
centra na Unifesp de Guarulhos, ignorando os outros sete campi. Por
que será? Se a infra-estrutura do campus de Guarulhos é realmente
péssima – se é que não soa ridículo falar em infra-estrutura
para o campus de Guarulhos –, o mesmo não se pode falar do de
Diadema, para ficarmos num exemplo de campus novo. Neste campus, o
problema está na assistência estudantil, como ausência de
bandejão, e não na qualidade dos prédios e laboratórios –
equipados com o que há de melhor, conforme me disse um amigo que
estuda lá (e é do comitê de greve).
Os
motivos de não terem ido ver as condições da UFAM, UFCG ou de
outra federal perdida nos rincões do Brasil, e ter se fixado no pior
campus de uma que está praticamente na capital paulistana tem motivo
bem evidente: atingir Fernando Haddad, atual ministro da educação e
pré-candidato petista à prefeitura de São Paulo. Faltou só eles
falarem “se Haddad não é capaz de dar condições a uma
universidade, o que dizer a uma cidade?” Quer dizer, do jeito que
vai, logo eles falarão isso – só o Haddad sair dos 3%.
O
relativismo da Folha é aviltante a qualquer pessoa que não coadune
com a burrice e a má-fé; de qualquer forma, sinaliza do que se pode
esperar para as eleições municipais.
São
Paulo, 27 de maio de 2012.