segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Mariana H. [Retratos feitos de memórias]

Era uma garota toda miúda: um metro e cinquenta e seis de altura, pouco mais de quarenta quilos, calçava trinta e três. Hiper-ativa, estava em mil projetos, confabulava infindas idéias, prestava atenção em tudo. Comunicativa, puxava conversa na rua com uma facilidade que me impressionava, e como uma criança curiosa queria saber onde morava, de onde vinha, o que fazia da vida. Para o futuro, pretendia arrumar um emprego tão logo terminasse a faculdade de arquitetura – no fim do ano –, e começar o curso de audiovisual: queria ser uma artista, uma videomaker. Já ensaiara alguns vídeos e eu me admirava do seu olhar. Ela criticava o excesso de rigor técnico e a falta de poesia dos estudantes de cinema e afins. Um amigo compositor certa vez tentou alertá-la: sem técnica não adiantava inspiração, as idéias não se traduziriam em poesia. Eu sei, mas... e insistiu na sua tese, como uma criança birrenta. Em uma oportunidade questionei como pretendia ser artista e ter muito dinheiro (como dizia ser sua ambição). Trabalho para ganhar dinheiro, faço arte no outro horário. E não teme acabar fazendo vídeos publicitários, sem tempo para se dedicar à sua arte. Será, se questionou, e depois, agoniada: não quero isso, preciso fazer minha arte também! Vou achar um jeito de conciliar. Como disse, eu gostava do seu olhar, dos seus vídeos mais próximos do chão, recortes de detalhes mais ou menos definidos que insinuavam o contexto. Porém temia quão longe chegaria – ou se logo capitularia sua arte – com sua postura imatura frente o mundo. Com um quarto de século e uma pele adolescente (só que sem espinhas), falava reiteradamente em pôr botox quando velha. Eu, de minha parte, torço para que muito antes disso ela aceite as linhas da idade e as marcas do tempo, e consiga conciliar seu sonho de ser artista com a aspereza do mundo.   

São Paulo, 19 de agosto de 2013.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Paula O. (retratos feitos de memórias)

Foi na segunda vez que nos encontramos. Depois de jantar em um árabe na chamada cracolândia – indicação minha –, havíamos ido assistir a uma apresentação de dança – ela já havia feito dança contemporânea, até se apresentara, uns dois anos atrás; eu, um mero espectador ávido, talvez tímido demais para me arriscar nas artes do corpo. Passávamos pelo Anhangabaú, em direção à rua Augusta, quando ela titubeou uma pergunta, se perdendo nos termos. “O que você se imagina fazendo?”, “quando?”, “ah, mais pra frente”, “mais pra frente... quando eu crescer?”. Ela riu: duas pessoas com mais de trinta anos se perguntando o que querem ser quando crescer. “Não sei, e não penso muito sobre isso”, respondi, “e você?”. Ela também não sabia, só sabia que não queria seguir para sempre no mesmo emprego (é engenheira, trabalha na área), por mais que não pudesse se queixar de salário ou condições de trabalho. Me perguntei se seríamos os retardatários ou a vanguarda, ao ainda nos pormos esse tipo de questão de modo tão leve. A conversa prosseguiu por assuntos vários, enquanto caminhávamos em um presente prenhe de futuros, por mais que o mundo tente nos desautorizar de experimentar nossos sonhos e viver nossas angústias.

São Paulo, 14 de agosto de 2013.