quarta-feira, 18 de junho de 2014

18 de junho: os culpados por não terem combinado com os russos [Copa 2014 (toques)]

Se depois do primeiro jogo do Brasil seguiu-se um dia normal, visto que a vitória era óbvia e a alegria que muitos traziam no rosto era antes pela confirmação do que já era sabido, esta quarta a coisa mudou de figura: o clima menos leve, todos discutindo o jogo, apontando os culpados pelo empate inaceitável - a incompetência da seleção, a falha do Paulinho, o erro de Oscar. Paulinho? Oscar? Oscar pra mim é um jogador já aposentado, até onde me consta - e de basquete, ainda por cima! Assim como o Julio Cesar, goleiro aposentado até ser convocado pelo Felipão. Ah, sim, outro culpado pelo rompimento da ordem e da justiça futebolística foi o goleiro Ochoa – esqueceram de combinar com os russos, como diria Garrincha. E por falar em Méjico, trombo com um grupo de mejicanos, seu espanhol de curso de línguas - falado sem arrastar o ll até quase virar o ch dos argentinos e sem a língua presa e a bochecha solta dos espanhóis. Pessoas que não estavam discutindo a partida da seleção, finalmente! Perto do Teatro Municipal, um english speaker passa com uma placa “Compro tickets”. Não me soou um método muito eficiente, pela internet eu diria ter mais chances, mas com essa gringaiada toda perdida por Sampa, vai que a dinâmica da cidade não mudou. De qualquer forma ele aproveita para dar um passeio pela cidade nessa tarde que ameaça um toró para breve. Pouco adiante um homem com camisa da seleção da Itália passa me olhando insistentemente, a ponto me incomodar: que raios queria ele para me olhar tanto (e não parecia olhar de cantada)? Demoro um tempo até lembrar que estou a caráter pro clima: não porque uso um agasalho numa tarde fria, mas por ser tal agasalho da seleção italiana. Sempre me pergunto o por quê de ter comprado essa roupa: precisava, estava barata, é bonita, é certo, mas não gosto de dois dos títulos da Itália: oitenta e dois deveria ter ido para o Brasil de Zico, e dois mil e seis pra França de Zidane. Por falar em campeões, a Espanha seria eliminada pouco depois desse meu passeio.

São Paulo, 18 de junho de 2014.

terça-feira, 17 de junho de 2014

17 de junho: Vai pra Disney! [Copa 2014 (toques)]


Por um instante tive vontade de sair na rua gritando Não vai ter copa a partir das quatro da tarde. Mas meu lado mais Macunaíma me convenceu que era melhor ficar em casa, lendo e ouvindo música - Radiohead e Pavement, nada de Café Tacvba: era para criar um bolha com relação ao jogo, mesmo (diferentemente do compositor Henrique Iwao, que dá uma banana à copa, mas entoa o mantra Viva México). Pego os jornais do dia. No Estado de São Paulo, na sobra de papel, ausência de assuntos, despreocupação com a natureza e informe publicitário de escolas particulares da cidade muito mal disfarçado em um texto triste de tão fraco, uma “reportagem especial” sobre crianças que nunca viram o Brasil ganhar um título no futebol. Entre depoimentos dos quais jorram babaquices e pachequismos a la Galvão Bueno, senso comum e insignificâncias, há um que me chamou a atenção e mereceu até foto da fofuleche de um colégio da Zona Sul: a pequena Isabela Tomasi de Castro, oito anos (branca, como todas as crianças da reportagem, uma amostra significativa da população da capital e do país, diga-se de passagem). Achei seu desejo de uma ingenuidade tão reveladora. Em meio a crianças imaginando o povo ocupando feliz as ruas para comemorar, ela quer festejar o título do Brasil bem longe dessa terra - na Disney. Abraçar o Pateta, entrar no Castelo da Cinderela e quem sabe, num arroubo de ufanismo, comprar uma camiseta do Zé Carioca, por que não? Imagino as visões e valores que não são transmitidos a essa criança - pelos pais, pela escola, pelos amigos -, o mais puro e legítimo complexo de vira-latas tupiniquim, e isso reforça minha impressão de que a falta de educação dessa classe com a presidente da República, na abertura da copa, é coisa pouca perto do que fazem com os subalternos, esse povo feito de gente preta e feia e pobre e burra. E me pergunto por que não vai ela e todos os seus não só comemorar o título, como viver o resto das suas vidas perto do Castelo da Cinderela, felizes. Deixem o Brasil aos ignorantes!

São Paulo, 17 de junho de 2014.