Por um instante tive vontade de sair na rua gritando Não vai
ter copa a partir das quatro da tarde. Mas meu lado mais Macunaíma me convenceu
que era melhor ficar em casa, lendo e ouvindo música - Radiohead e Pavement, nada
de Café Tacvba: era para criar um bolha com relação ao jogo, mesmo (diferentemente
do compositor Henrique Iwao, que dá uma banana à copa, mas entoa o mantra Viva
México). Pego os jornais do dia. No Estado de São Paulo, na sobra de papel,
ausência de assuntos, despreocupação com a natureza e informe publicitário de
escolas particulares da cidade muito mal disfarçado em um texto triste de tão
fraco, uma “reportagem especial” sobre crianças que nunca viram o Brasil ganhar
um título no futebol. Entre depoimentos dos quais jorram babaquices e
pachequismos a la Galvão Bueno, senso comum e insignificâncias, há um que me
chamou a atenção e mereceu até foto da fofuleche de um colégio da Zona Sul: a
pequena Isabela Tomasi de Castro, oito anos (branca, como todas as crianças da
reportagem, uma amostra significativa da população da capital e do país,
diga-se de passagem). Achei seu desejo de uma ingenuidade tão reveladora. Em
meio a crianças imaginando o povo ocupando feliz as ruas para comemorar, ela
quer festejar o título do Brasil bem longe dessa terra - na Disney. Abraçar o
Pateta, entrar no Castelo da Cinderela e quem sabe, num arroubo de ufanismo, comprar
uma camiseta do Zé Carioca, por que não? Imagino as visões e valores que não
são transmitidos a essa criança - pelos pais, pela escola, pelos amigos -, o
mais puro e legítimo complexo de vira-latas tupiniquim, e isso reforça minha
impressão de que a falta de educação dessa classe com a presidente da República,
na abertura da copa, é coisa pouca perto do que fazem com os subalternos, esse
povo feito de gente preta e feia e pobre e burra. E me pergunto por que não vai
ela e todos os seus não só comemorar o título, como viver o resto das suas
vidas perto do Castelo da Cinderela, felizes. Deixem o Brasil aos ignorantes!
São Paulo, 17 de junho de 2014.
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