quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Televisão e infelicidade

Tenho andado mais tranqüilo nos últimos dias. Já faz um tempo que saiu uma reportagem no jornal que deixo bem guardada para usar – sempre que necessário – como calaboca àqueles que insistem em dizer que sou alguém para baixo, meio depressivo (o meio é por minha conta). Pessoas que geralmente também me têm por pessimista, por mais que não haja nada que comprove tal posição, muito pelo contrário. Me assumo como um realista (ou tentativa de, já que a questão da realidade é algo que dá pano para manga numa discussão filosófica-sociológica), ao que eles respondem que é a resposta típica dos pessimistas. E se digo que sou, no fundo, alguém muito otimista – o que deveras sou, a ponto de ser chamado por muitos de “humanista ingênuo” – preciso presenciar pessoas gargalhando defronte a mim. Gargalham porque provavelmente se atribuem a si o título de otimistas, antes um polianismo de segunda categoria com seu otimismo calcado na sua fé e nada mais, assim como o pessimismo dos pessimistas costuma ser no “sempre foi assim”. Dois belos argumentos que só atestam graus diferentes no caminho para o ressentimento e a preguiça intelectual em buscar qualquer resposta convincente e menos simplista. Enfim, me desvio do rumo que queria tomar nesta crônica, que era um rumo alegre.

Eu falava da reportagem do jornal. Diz ela que “pessoas infelizes vêem mais tv que as felizes”. Pronto! Era a prova cabal que eu precisava para provar que não sou infeliz: não assisto tv. Na verdade, nem tenho tv em casa. Com isso já posso, citando estudos do professor John Robinson, da Universidade de Maryland, dizer que sou alguém feliz. E num passe de lógica que estou com preguiça de explicar em detalhes aqui (na verdade, é preguiça de pensar se a conclusão está de acordo com as premissas), chego à conclusão que pessoas felizes não podem ser pessimistas ou depressivas. Logo, sou uma pessoa alegre, pra cima e otimista. Feliz, em suma.

Esse estudo ajuda também a entender porque eu quase surto quando passo dois meses seguidos confinado em Pato Branco – para alívio dos meus pais, que ainda que saibam que o problema não é com eles, parece que não sossegam o suficiente com somente uma resposta negativa. Pois a culpa está que na casa dos meus pais tem televisão – duas, ainda por cima! É certo que praticamente não assisto tv, mesmo nas férias. E estas férias nem serão férias de verdade, já que preciso estudar e, pior, aprender francês! O que não é de todo mal: o problema é que estudar línguas cansa. Mesmo que eu já tenha uma noção de francês. Já sei, por exemplo, que chuchu em francês é repolho. Torço para quando eu souber como é repolho em francês surja uma francesa – ou alguém de outra nacionalidade, não faço tanta questão – com quem eu possa usar esse conhecimento – ainda que me pareça um tanto brega. Eis aí um otimismo bem ao gosto dos que se declaram otimistas.

Fujo novamente do assunto que me propus tratar aqui. Deve ser a alegria. Alegria não de não ter tv em casa – acho que isso até me rebaixa na escala social, mas pouco me importa –, e sim de estar finalmente em férias, ainda que vá passar as férias estudando.

Fico imaginando o que seria da minha vida não fosse a ciência. Estaria eu até agora procurando uma justificativa para meu otimismo um tanto sui generis. A ciência me salva de grandes preocupações metafísicas, como salvou milhares de crianças hiperativas. Antigamente, quando não se sabia que isso era doença, crianças que sofriam desse mal - que ao invés de serem chamadas de doentes eram chamadas de sarnas -, os pais mandavam elas irem brincar e ficar pulando no quintal de casa (quando casas tinham quintal), enquanto hoje, cientes da doença dos filhos, socam pílulas goela abaixo dos pimpolhos, de modo que eles possam ficar quietinhos, obedientes e bem-comportados em frente à tv. Isso pode acabar por torná-las infelizes, como vimos no estudo de Maryland. Não se trata, contudo, de verdadeiramente um problema: uma pílula a mais entuchada e essas crianças estão felizes como se tivessem ganho na loteria.

Falando em ganhar na loteria, lembrei de outra história que não tem nada a ver com o que queria escrever (já nem sei bem o que queria escrever). Amiga minha, mais nova que eu, me contou semana passada que “ganhou” uma hérnia de disco. Isso é razoavelmente diferente de ganhar na loteria, eu sei. Quer dizer, desconfio, já que não sofro de hérnia de disco nem nunca ganhei na loteria. Lembrei dela porque não se deixou abater pela notícia, ainda que eu desconfie que ela terá dificuldades em voltar a praticar capoeira, conforme pretendia. Estava feliz sei lá porque, e continuou feliz, mesmo com uma hérnia de disco. E olha que ela tem tv em casa! E ela não vai à igreja, e me deve uma visita há mais de um ano, coisas que serviriam para contrabalançar a tv, já que ir à igreja ou visitar os outros seriam coisas de pessoas felizes, segundo a mesma pesquisa.

Essa é uma parte da pesquisa que pode ser utilizada contra mim, pelos otimistas que insistem em ter uma idéia pessimista a meu respeito: a última vez que fui à igreja já faz quase dois anos. Foi nas igrejas históricas de Minas. Tenho cá minhas dúvidas se o “ir à igreja” que deixa as pessoas felizes inclui as visitas guiadas, ou se não estaria antes ligado ao que se chama de missa ou culto ou algo equivalente. Quanto a visitar os outros, é algo que eu faço, ainda que mais comum seja eu fazer visitas a mim mesmo. De qualquer forma, acho que a igreja ou o social são argumentos fracos, já que a reportagem chamava a atenção para a tv, e tv eu não assisto! Em compensação escrevo crônicas bestas (inspiradas em reportagens bestas de pesquisas bestas), sem razão de ser (a não ser serem bestas) e sem um fim a dar. Como esta (ainda por cima cheia de parênteses para se justificar).


Campinas, 11 de dezembro de 2008


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