Assisto a alguns números do grupo Barracão Teatro, apresentados em comemoração pelos seus dez anos. Não sei se deveria chamá-lo de campineiro, visto a rixa (o racha) que há entre Barão Geraldo, o distrito onde fica a Unicamp e o referido grupo, e Campinas. Racha que se acentua, até onde me consta, no teatro. Ontem assisti a “Encruzilhados entre a barbárie e o sonho”, recomendação de uma amiga que parece ter sacado meu gosto e anda acertando em cheio nas suas indicações – coisa não muito simples, para o chato que sou. Antes dessa peça, tinha me recomendado, dentre outros, o livro A arte de provocar efeito sem causa, do paulistano Lourenço Mutarelli, o qual devorei (e quase fui devorado) em um dia.
Pois essa amiga tinha dito que a peça era minha cara, que eu iria gostar, e que não era palhaço (as outras quatro apresentações do grupo nessa comemoração são de palhaço). Não fosse a indicação dela e eu não teria ido assistir – mais por conta da distância e do rodopiar do ônibus até lá. Começa a peça com um ator imitando um desses vendedores ambulantes que formam rodinhas nas praças das cidades. O mesmo jeito de falar, erros de português que costumam caracterizar esses pequenos animadores de auditórios de praça pública. Detalhe que notei: ao contrário de caracterizações de tipos semelhantes feitas por alunos do curso de cênicas do IA, não havia ali o tom de estereótipo e de deboche. Era antes uma imitação, que tirava um ar cômico desse tipo de figura, mas deixava que o espectador se desse ao trabalho de identificar e rir, não forçava um riso de maneira grosseira.
Tom cômico. Começa a peça e esse é o tom que ela tem. A Professora da Luz, o animador de auditório de praça pública, um assiste de palco. Um cenário meio circo decadente. A ligação entre este mundo e o divino, o poder da telepatia e a explicação das escolhas das pessoas. Pensei que minha amiga tivesse se equivocado na sua indicação – não que eu não goste de coisas engraçadas, mas ela tinha dito que era uma peça mais séria. Vou rindo, como todo mundo. Não é porque não era o que eu imaginava que vou achar a peça ruim.
Em dado momento, a atriz que fez a Professora da Luz surge em meio à platéia vestida como espectadora qualquer, com a diferença de ter surtado. Será uma mulher que o assistente fará voltar ao seu passado para compreender como as suas escolhas a levaram até lá. A partir desse momento, por mais que tenham feito piadas a rodo, tive dificuldades para rir. Também não vou tentar fazer um resumo do que aconteceu a partir daí, porque, além das cenas, o que veio foi uma avalanche de idéias bastante densas – seja em termos existenciais, seja em termos sociais – jogadas uma atrás da outra. Violência gratuita, solidão, bullying, as recordações de um velho que contra o tempo e contra o nosso tempo insiste em ter e manter sonhos, mesmo já sendo muito velho para isso, conforme frase da personagem.
Mais para o fim da peça, quando minha vontade é antes de chorar do que de rir, noto que não estou tão sozinho. Reparo na platéia. Pouco mais da metade também parece não conseguir rir das piadas. Alguns ainda gargalham como se estivessem vendo Zorra Total. Os dois caras que estão ao meu lado, por sinal. Para mim, aquele riso solto e despreocupado se torna quase ofensivo. Lembro do espetáculo deles que assisti no dia anterior, “Www para freedom”, espetáculo de palhaço. Não consegui rir muito, ao contrário da platéia. Achei que o problema fosse meu mau humor, ou que eu fosse mal amado, sei lá. Afinal, palhaço é para dar risada, por mais que estejam tratando de guerra e que um dos “personagens” (na verdade um personagem invisível com quem o palhaço interage) se mate com um tiro no peito. Não é?
Termina a peça. Foi ótima, mas não teve graça. Tenho quase uma sensação ruim pelas risadas do início. Lembro de uma peça que assisti há tempos, a também excelente “Borboletas de sol de asas magoadas”. É sobre o universo transexual e segue script parecido. Saí de lá me questionando sobre o que pensar dessa leveza toda, desse humor que perde a graça e se torna amargo com o desenrolar da peça, por mais que os atores sigam iguais ao início. Qual o poder de alcance de tal forma de crítica? Quantos dos que assistiram a peça se sentiram tocados, quantos acharam divertidíssima do início ao fim, quantos acharam chata e sem graça, quebra-clima?
Comecei a peça rindo dos trejeitos do Outro, a Professora da Luz, o animador de auditório de praça pública, pessoas que certamente não sou. Terminei calado, incomodado pelo meu próprio reflexo naqueles personagens que eu julgara caricatos e distantes.
Campinas, 13 de dezembro de 2008
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