sábado, 26 de julho de 2014

Unidos x cindidos

Em um país em que a democracia engatinha, quando muito, e o dissenso típico de uma sociedade democrática é visto como crise - ou então calado na base de balas de borracha e prisões arbitrárias -, colunas que pipocaram nos jornais do grupo Folha no início da semana podem significar algo mais do que informação: podem ser uma tentativa um pouco menos explícita de influenciar o voto de quem está em dúvida, ou mesmo dar subsídio para a época de campanha na tevê - "não somos nós quem estamos dizendo: saiu na imprensa, que é imparcial".
Não que não tenha havido desentendimentos no comitê de Dilma, e não que não possa haver uma união tucana em São Paulo em torno de Aécio. O pertinente é se questionar qual é, exatamente, a relevância disso e o porquê de tamanho espaço.
Na Folha de São Paulo de segunda, Valdo Cruz comentava que a campanha de Dilma foi tomada por conflitos, dado o medo de perder a eleição no segundo turno. A disputa entre "lulistas e "dilmistas" teria estourado quando Franklin Martins fez críticas à CBF. A revista Carta Capital (que não subestima seus leitores e é declaradamente favorável ao governo) dá a pista da importância dessa tensão: Martins é tido como O inimigo da Grande Imprensa corporativa, por ter diminuído, quando ministro de Lula, o envio de verbas governamentais a tais veículos e preparado uma lei dos meios de comunicação - a exemplo do que há em países desenvolvidos e tem sido implementando em países subdesenvolvidos, como México e Argentina. Diante da mera possibilidade de Martins ter algum papel relevante num enventual segundo mandato de Dilma, vale tudo para queimá-lo.
No dia seguinte, no Valor Econômico, é a vez de Raymundo Costa informar que o alto tucanato está unido como nunca, arestas aparadas e sem pontos de atritos: "PSDB de São Paulo se rende a Aécio". O tom do artigo é louvatório às pretensas qualidades conciliatórias e agregadoras do mineiro (perto do Serra, qualquer um é conciliador e agregador), e o próprio título pode ser encarado assim, dentro da mentalidade de que todo e qualquer desentendimento é pernicioso. Olhado de fora, o título é um tanto comprometedor: rendição é um termo militar, que não implica em conciliação e sim em sujeição. Ou o título foi infeliz, ou o artigo está equivocado, ou o PSDB paulista sofre da síndrome de Estocolmo - pois quem se engajaria "efetivamente" no projeto de um inimigo ao qual foi subjugado? -, ou, mais provável, pode ser um pouco de cada: Aécio calou a boca de alguns com o apoio e engajamento de outros.
Colocar as candidaturas petista e tucana em dois pólos bem antagônicos - um em crise, outro em lua-de-mel -, serve para tentar explicar por causas internas o que seria a queda da presidenta e a subida do oposicionista nas pesquisas. Ademais, serve para, discretamente, reforçar o discurso tucano, de que o PT divide o país, enquanto o PSDB se propõe a governar para todos: "se internamente já são rachados, imagina com relação à sociedade". Eis um discurso difícil de ser quebrado pelo PT, visto que a união tucana se baseia numa cisão velada, enquanto o PT se une ao explicitar essa cisão - periferia-centro, norte-sul, pobres-ricos, empreendedores-rentistas.
A moral da história óbvia dos artigos é que "a união faz a força", por trás, contudo, há a mentalidade pouco afeita à democracia do brasileiro médio: mais que a força, a união sem oposição seria o fundamento da democracia.


São Paulo, 26 de julho de 2014.

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