quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Brasília de poucos contatos humanos [Diálogos com a dança]

O branco domina espaço, luzes e roupas, alguns detalhes em cinza evitam a monocromia - e também a monotonia. Os bailarinos são sincrônicos nos movimentos - mesmo que em sentidos diferentes. Sincrônicos e sem contatos. Os raros momentos de encontro entre os três são marcados também pela música "normal", com ritmo e melodia identificáveis - no restante, o que predomina são ruídos eletroacústicos. Vinil de asfalto, espetáculo de Edson Beserra, se propõe a dançar Brasília, e, sem inovar, soa feliz no seu intento. Consegue ser bonito e delicado - com uso de certa linguagem consagrada na dança, sem soar virtuosista -, captar algo da Brasília - típico de qualquer grande cidade baseada em asfalto e concreto -, e apresentar faltas da cidade: a monumentalidade anti-povo, anti-gente, anti-humano, típica da arquitetura modernista de Niemeyer - arquiteto pouco afeito a pessoas, e menos ainda à pólis e à política -, que garante o fluxo e impede encontros, que mantém a ordem e evita contatos. Conceitualmente convidativo, existencialmente árido - de uma aridez que não dialoga com o cerrado ao redor, uma aridez fria, branca, das teorias desprovidas de humanidade -, eis a Brasília sugerida por Vinil de Asfalto. Entretanto, ambos - a cidade e a coreografia - insistem em ser mais que fluxo ordenado, a monotonia monocórdia do poder autocrático: há encontros, há raros momentos em que se aproveita para que entre corpos haja mais que espaços vazios - ou, se preferir, há raros espaços em que se aproveita para que entre corpos haja mais que momentos vazios. Há convite ao diálogo - esse aspecto da sociabilidade moderna tão em falta no mundo atual. O espetáculo ressalta a pertinência de ocupar ao enfatizar o volume dos corpos dos três dançarinos - reforçado pela iluminação preponderantemente feita de contra -, e mostra o ocaso que talvez esteja à nossa vista, mas não enxergamos, ao apresentá-los como sombras de si próprios diante da cidade banal que é projetada ao fundo. A tensão é tênue, fácil de se desfazer na imensidão pastel da Esplanada dos Ministérios, mas importante para que não se esqueça que há homens e mulheres em meio a todo o concreto asfalto lobby e poder da capital federal.

10 de setembro de 2015



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