Vida
de porteiro em prédio de classe média de São Paulo não é fácil.
Além de ganhar pouco, ouve muito - de que ganham demais (miseráveis
mil reais por mês) pro pouco que trabalham a todo tipo de
doutrinamento dos moradores que se crêem ilustrados. Mas a coisa
começa a assustar quando o porteiro assume esse discurso
classe-média-fascista - o que não é difícil, visto que os
moradores que se crêem ilustrados não fazem nada mais que repetir
sem qualquer mostras de reflexão Datena, Rezende, Bonner, Sheherazade e "formadores de
opinião" afins.
No
meu prédio há um senhor que volta e meia está parlando seu
discurso fascista aos porteiros que, presos pela profissão ao pouco
espaço que possuem, não têm como fugir de tal vilania (esse mesmo
senhor era sempre simpático e educado comigo, até a vez que, na
frente de sua platéia, peguei meu jornal e não aceitei sua verdade
de que tudo de ruim é culpa do PT, lembrando-o que havia também uma crise internacional, que se arrasta desde 2008, não me cumprimenta mais desde
então, numa clara mostra de apreço pela democracia e pela pluralidade de opiniões).
Hoje,
o porteiro da tarde - que, apesar de pernambucano, tenta ser um bom
paulistano imitando aqueles que dizem que nordestino (ele) é quem
estraga São Paulo - conversava com outro morador - branco, claro.
Falavam mal do Haddad e dos novos limites de velocidade na cidade -
medida que tem como objetivo (alcançado, conforme primeiros
levantamentos) diminuir os acidentes automobilísticos e permitir que
o trânsito flua sem percalços. O porteiro dizia que agora tinha que
ir devagar na Marginal - ele tem uma moto - e, pior, se acelerasse além do limite,
tomaria multa - "esse governo petista só quer ganhar em cima do
povo". Eu, já com vontade de chorar, me segurando para não
intervir, pensava "obra pro povo é oito bilhões de reais para
não despoluir o rio Tietê, é ponte e viaduto superfaturados, é trem superfaturado, é novas pistas da marginal a
preço de trilho de metrô, é conta no HSBC da Suiça", quando intervêm
o morador: "e o pior, eles dizem que na Marginal tem muito
atropelamento. Mas quem é atropelado? Mendigo, drogado, ambulante."
Espero pela conclusão do raciocínio, mas o raciocínio está
concluído, a ponto do porteiro concordar: "é isso mesmo!".
O elevador chega, adentro querendo sumir logo dali. Ainda escuto o
morador reclamar "aí somos nós que pagamos a conta".
Contra minha vontade, deve me incluir no grupo dos "somos nós",
esses que perdem velocidade por causa de vidas que não valem nada.
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