quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Paula O. (retratos feitos de memórias)

Foi na segunda vez que nos encontramos. Depois de jantar em um árabe na chamada cracolândia – indicação minha –, havíamos ido assistir a uma apresentação de dança – ela já havia feito dança contemporânea, até se apresentara, uns dois anos atrás; eu, um mero espectador ávido, talvez tímido demais para me arriscar nas artes do corpo. Passávamos pelo Anhangabaú, em direção à rua Augusta, quando ela titubeou uma pergunta, se perdendo nos termos. “O que você se imagina fazendo?”, “quando?”, “ah, mais pra frente”, “mais pra frente... quando eu crescer?”. Ela riu: duas pessoas com mais de trinta anos se perguntando o que querem ser quando crescer. “Não sei, e não penso muito sobre isso”, respondi, “e você?”. Ela também não sabia, só sabia que não queria seguir para sempre no mesmo emprego (é engenheira, trabalha na área), por mais que não pudesse se queixar de salário ou condições de trabalho. Me perguntei se seríamos os retardatários ou a vanguarda, ao ainda nos pormos esse tipo de questão de modo tão leve. A conversa prosseguiu por assuntos vários, enquanto caminhávamos em um presente prenhe de futuros, por mais que o mundo tente nos desautorizar de experimentar nossos sonhos e viver nossas angústias.

São Paulo, 14 de agosto de 2013.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Além da faixa amarela

Estação da Sé, sete da noite de uma terça-feira com alguns problemas no metrô (nada comparado ao dia anterior, quatro da tarde, na Barra Funda). Estou com uma amiga espremidos na baia, esperando pelo próximo carro. Chega um, já lotado. Somos arrastados até próximo do embarque, pessoas se socam lá dentro. O trem parte, ficamos esperando pelo próximo. A tal faixa amarela – que, segundo o metrô, “é para a sua segurança” – há muito foi desrespeitada por um sem número de pessoas. Enquanto compartilhamos do calor dos corpos alheios, resolvo contar a minha colega de aperto histórias ouvidas de uma outra amiga, metroviária, sobre casos de pessoas que não respeitaram a tal faixa. O caso que mais me impressiona é o de uma pessoa que, ao que tudo indica, espirrou justo na hora em que o trem passava. Resultado: o trem bateu em sua cabeça e ela morreu. Comentei de um vídeo do metrô em Praga, em que uma mulher passa mal, desmaia e cai no meio dos trilhos na hora que o trem se aproximava. “E aí”, pergunta minha amiga. Se encolheu e o trem não a pegou. “Que sorte”. Sim, sorte, mesmo, porque quando desce pra via, há o risco de morrer eletrocutado pelo chamado terceiro trilho – ou seja, não é só o trem o perigo. “Onde fica esse terceiro trilho”, ela pergunta espichando o pescoço. Também não sei e, claro, não consigo mostrar. Enquanto comento esses casos, vejo duas mulheres – depois da faixa amarela – me observando, checando qual a credibilidade do rapaz que comenta histórias escabrosas de mortes no metrô. Reparo que devem ter me dado por alguém sério, tentam dar um impossível passinho para trás. Seguro o riso e conto um caso mais. O trem chega e, independente da nossa vontade, somos assardinhados para nossa viagem.

São Paulo, 07 de agosto de 2013.