quinta-feira, 11 de junho de 2015

Copa, bancarrota e papagaios hidrófobos

Enquanto espero pelo meu horário, a secretária do médico reclama da Dilma. O argumento é razoável, e ela seria razoável se tivesse chegado a ele por sua própria conta - se não fosse um raciocínio heterônomo, de ocasião, apenas uma envólucro para justificar uma raiva sem sentido do PT. Reclama dos cortes da Dilma, que ela diminuiu o orçamento da educação. Sem querer entrar em polêmica, mas sem querer ficar quieto e sorrindo, digo que educação, saúde e bolsa-família foram três áreas poupadas da sanha do Joaquim Levy e seus porta-vozes na Grande Imprensa. "Que nada, ela cortou o Fies pela metade, agora aluno não pode mais estudar". É... essa questão do financiamento é complicada, porque é dinheiro que poderia ir para universidade pública, uma questão de escolha bastante controversa - tento contornar. "Pois é, o governo deveria investir em educação pública, mas se não tem universidade pública pra todos, se pobre não consegue entrar nela, se o governo preferiu pagar universidade particular - esse monte de universidade de segunda linha -, agora não dê para trás", retruca. Como disse, ainda que não seja o despertar de uma profunda consciência política, reivindicar que não se dê passo atrás não deixaria de ser um avanço - se fosse realmente esse o motivo pelo qual ela critica o governo. Lembro que o festival de faculdades de fundo de quintal foi obra do FHC, que se furtou de investir em universidade pública. Ela nega, eu reitero. Ela, então, revela que educação, saúde, inflação ou gol da Alemanha são desculpas quaisquer que ela papagueia dos nossos formadores (sic) de opinião: "não sou politizada pra discutir isso, o que eu sei é que ela está levando o país à bancarrota". Se ela sabe, quem sou eu para contestá-la? Desconfio que para ela qualquer pessoa minimamente informada saiba disso - assim como para mim qualquer pessoa informada além do mínimo sabe que as coisas não são exatamente como o JN diz. Penso em responder indiretamente: "imagina na copa", mas desconfio que ela antes vai me chamar de petista - o que, definitivamente, não é o caso - do que entender minha mensagem. Opto por apenas sorrir, na esperança de encerrarmos por ali nossa conversa. Por sorte, logo o médico me salva, digo, me chama. E eu fico a me questionar: não aprendemos nada com a copa? Nenhuma auto-crítica?


11 de junho de 2015.

ps: reconheço que o título não é muito convidativo a encetar um debate

terça-feira, 2 de junho de 2015

O centro degradado e sem vida de São Paulo

Estou no centro de São Paulo, na região tida por "degradada" (conforme o Houaiss: "1 destituído de graus, títulos, funções etc. 2 rebaixado em sua condição moral; corrompido, degenerado"), alvo de reiterados projetos de "revitalização" (já que - dizem - a vida que há ali não é de muito valor - se é que é de algum). Região degradada é toda aquela em que as classes média e alta evitam ao máximo freqüentar (quanto mais morar), seja por medo da violência (afinal, deu no JN), seja por medo da insalubridade do local (e dos locais). Parênteses: ao falar em insalubridade, me veio à memória a doutoranda em saúde pública na Faculdade de Medicina da Unicamp que uma vez tive o desprazer de conhecer. Ela dizia - sem nenhum tom de ironia, sarcasmo ou provocação - que pobre era igual a rato: só servia para se reproduzir e transmitir doenças [http://j.mp/cG200908udsp]. Noto agora que, por ser formada em educação física e não em medicina ou farmácia, a tal doutoranda era incompetente também na compreensão do modus operandi das ciências médicas atuais: tal qual rato, pobre também é usado como animal de laboratório. Ainda que não com o mesmo preconceito indecoroso, o discurso do medo não difere em essência. Fecha parênteses. Entro em um restaurante árabe que conheço há tempos - o melhor que já comi, além de custar menos da metade que o similar da Augusta. A dona, uma libanesa, há tempos que não a vejo - talvez fique durante o dia, eu tenho ido sempre à noite. O relógio que anda ao contrário marca seis e vinte e cinco. Um dos donos fala ao celular - em árabe. Certos momentos fala baixo, como se não quisesse que o ouvissem. Só entendo seu receio quando o outro dono vai até uma mesa e enceta uma conversa com outros quatro conterrâneos - ao menos falam em algum língua que desconheço. Na minha frente, fazem o pedido três portugueses. O garçom é um andino, na cozinha, dois brasileiros. Mudança radical diante de três anos atrás, em que trabalhava a família toda (e tenho a impressão de que uma mocinha, nem quinze anos, tentava me paquerar), e havia apenas um funcionário, que era garçom e entregador - e buscava cerveja no bar ao lado, porque ali não vendem, por serem muçulmanos. Enquanto espero meu lanche entra um negro (africano? haitiano?) vendendo relógios, bijuterias e carregadores de celular. Cumprimenta o dono com um sorriso, ele responde. Como não há ninguém interessado, logo sai. Entra uma garota cheia de piercings, cabeça raspada - à exceção do moicano-dread -, que tão-logo chega no balcão um dos rapazes já avisa que vai preparar. Entra um outro homem, que fala "frango", e recebe um sinal de positivo do rapaz responsável pelos lanches. O dono que estava ao celular já encerrou sua conversa e agora explica ao entregador o endereço - noto que estou cansado ao não conseguir distinguir que idioma eles falam - se português ou árabe. Pego e pago meu shawarma de sugôg (fala-se sujô) e vou até o metrô. Futuras kitnets chics (ou quase) são anunciadas como studios hype. Se for para nelas morar uma classe média disposta a agregar diversidade a essa babilônia paulistana, que sejam bem vindos. Se for para "revitalizar" a Luz, querer impor uma nova vida, a homogeneidade e o deserto dos bairros tidos por bem freqüentados, onde prédios e residências tem suas fachadas hostis à rua, e na qual a presença de pessoa é sinônimo de suspeito, que deixem o centro de São Paulo seguir degradado e desvitalizado dessa vida estéril preenchida com dinheiro.




São Paulo, 02 de junho de 2015.