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domingo, 1 de fevereiro de 2015

Eleições 2014, ainda - ao menos na Grande Imprensa.

Dois mil e quatorze acabou, as eleições, não. É o que dá para deduzir do artigo da diretora adjunta de redação do Valor Econômico, Claudia Safatle, em uma análise carente de lastro na realidade publicado na edição desta sexta-feira, que vocaliza como única verdade os desejos dos donos dos poderes - apresentados na Grande Imprensa como "opinião pública", "opinião de especialista" ou singelamente como "o país".
Diz ela que "Dilma não pode, ao final de dezesseis anos de governo do PT, entregar a economia pior do que Lula a recebeu em 2003, sob pena de condenar o partido à inanição e à morte". O fim do PT é o que canta a oposição desde o chamado Mensalão, mas o que se viu foi o desaparecimento do DEM e o enfraquecimento do PSDB. Achar que o Partido dos Trabalhadores corra perigo de desaparecer é desconhecer sua história e ignorar o presente. Ainda que perca as eleições, o PT conta com uma base forte, ainda que menos coesa e engajada do que na década de oitenta, e por ora nada no horizonte ameaça sua hegemonia dentro do espectro "progressista" da política tupiniquim (por favor, entender esse "progressista" em termos relativos frente as demais forças políticas do país). A explicação para os reiterados erros de previsão é simples: o Brasil, apesar de seus milionários e novos ricos com casa em Miami, de seus coronéis religiosos e midiáticos, segue um país feito de trabalhadores e trabalhadoras que labutam muito e ganham pouco, cuja preocupação maior é de suas contas fecharem no fim do mês, e não as do país. Os "desajustes macroeconômicos" - cuja idéia assume implicitamente que os modelos neoclássicos correspondem à realidade, apesar de cada vez mais desacreditados pelos grandes economistas do mundo -, apresentados como desastrosos, porque dificultam a transferência de renda aos donos dos poderes, são secundários, ao brasileiro médio, diante do emprego recorde e do aumento real dos salários - isso ajuda a explicar a vitória petista, ano passado. Além disso, os porta-vozes dos poderosos são incapazes de compreender a diferença que as políticas sociais petistas fazem, preferindo acreditar na grosseira tese do bolsa-família como curral eleitoral, enquanto os verdadeiros novos coronéis da política - os pastores evangélicos e os barões midiáticos - passam incólume, apenas aumentando seu rebanho de almas-votantes e zumbis-raivosos.
Quem corre mais risco com o segundo governo dilmista é a própria: ao adotar o receituário conservador-reacionário, depois de ter ganho as eleições com um discurso à esquerda, Dilma corre o risco de ser abandonada, no fim de seu governo, pelo partido e pelos movimentos sociais - dizia Maria Inês Nassif, no mesmo jornal, ainda antes da primeira eleição de Dilma, que ela seria a primeira presidente menor que o partido desde o início da Nova República. Sob fogo cerrado da Grande Imprensa, da direita hidrófoba, dos movimentos sociais e das esquerdas, não será surpreendente se o partido da situação apresentar um candidato de oposição, tal como o PSDB e José Serra, em dois mil e dois. O ministério de Dilma dá algumas pistas nessa direção.
Enquanto isso, âncoras, colunistas e formadores de opinião da Grande Imprensa seguem noticiando o que não passa de desejo de seus patrões, na esperança que uma alucinação coletiva traga de volta os bons tempos em que eles não eram incomodados pela malta que serve seus canapés.

01 de fevereiro de 2014.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Nem Charlie nem extremista

Ainda que repudie o ataque ao Charlie Hebdo, não entrei nessa comoção do "je suis Chalie". Je sui Dalmorô, e tento, no meu dia-a-dia, "je ser" do lado das minorias marginalizadas - que não é o caso do referido semanário. O que eu conhecia deles até então eram as polêmicas sobre charges contra o islã, as quais sempre me pareceram de profundo mau gosto, na melhor das hipóteses - e falo isso enquanto humorista, três anos à frente do Trezenhum. Humor sem graça, radicado na Unicamp entre 2007 e 2010 e de algum relativo sucesso [http://j.mp/trezenhum]. Li algumas coisas pela internet, posições sempre difíceis de concordar, em argumentações que pretendiam impôr a tomada de um lado: não concordo nem um pouco com os assassinatos, mas não é por isso que vou defender o Charlie Hebdo. Tampouco concordo com as execuções extra-judiciais da PM do senhor Alckmin, mas não é por isso que acho que criminosos não devam ser combatidos por uma força policial organizada pelo Estado e responsabilizados pelos seus crimes, tudo conforme as leis - ainda que estas devam ser sempre postas em questão nas esferas cabíveis, como legislativos e manifestações de rua.
É de um professor de Juiz de Fora, que atende pelo nome de El Rafo Saldanha, que li, enfim!, alguém capaz de se articular para além de dicotomias, sem a necessidade do Bem estar em um dos lados, sem dar razão a qualquer dos lados. É com esse texto que dialogo aqui, ressaltando um dos aspectos que mais me chamou a atenção - se estiver em dúvida se deve seguir meu texto ou ir para o de El Rafo, não hesite, vá para o dele: http://j.mp/17uDY0z.
O ataque ao Charlie Hebdo tem sido apresentado por muitos como um ataque contra a civilização ocidental, a democracia, a liberdade de expressão, a Europa, a França. Após o texto "Je ne suis pas Charlie", tendo a concordar com essa leitura. Ela, porém, conta só metade da história. A outra metade: a civilização ocidental, a democracia, a liberdade de expressão, a Europa, a França só foram atacadas porque não seguiram as diretrizes que com tanta pompa proclamam como conseqüência da evolução da sociabilidade humana e das quais se dizem os únicos portadores e os legítimos defensores. Se a França não tivesse fracassado como Estado Democrático de Direito, como sociedade justa e tolerante, dificilmente esse ataque aconteceria.
Entidades islâmicas acreditaram no Estado francês e tentaram pôr um limite ao que viam como ofensa contra sua religião e sua cultura - isso ainda em 2006 [http://j.mp/1y1m9lc]. A tal "liberdade de expressão" ganhou. Conforme El Rafo, foi um estímulo para que o Charlie Hebdo seguisse por essa senda - para não falar dos estímulos financeiros, com crescimento das vendas acima de cem por cento. Calados os que tentaram manter as relações dentro do razoável, ficou o caminho aberto para extremistas, fustigados pela publicação, acossados pelo preconceito, tudo isso com respaldo, mesmo que indireto, do Establishment francês.
"Qual é o objetivo disso [atacar o islã]? O próprio Charb falou: 'É preciso que o Islã esteja tão banalizado quanto o catolicismo'. Ok, o catolicismo foi banalizado. Mas isso aconteceu de dentro pra fora. Não nos foi imposto externamente. Note que ele não está falando em atacar alguns indivíduos radicais, alguns pontos específicos da doutrina islâmica, ou o fanatismo religioso. O alvo é o Islã, por si só. Há décadas os culturalistas já falavam da tentativa de impor os valores ocidentais ao mundo todo. Atacar a cultura alheia sempre é um ato imperialista. Na época das primeiras publicações, diversas associações islâmicas se sentiram ofendidas e decidiram processar a revista. Os tribunais franceses – famosos há mais de um século pela xenofobia e intolerâmcia (ver Caso Dreyfus) – deram ganho de causa para a revista. Foi como um incentivo. E a Charlie Hebdo abraçou esse incentivo e intensificou as charges e textos contra o Islã". O ataque ao Charlie Hebdo foi um ataque não contra um semanário escroto, e sim contra um sistema falido - simbolizado por um veículo avalizado pelo governo e pela justiça. As irresponsabilidades do Charlie Hebdo sempre foram pagos pela França e pelos franceses (aqui incluídos os não-gauleses, inclusive os de ascendência árabe), não foi diferente desta vez - a direita mais reacionária e xenófoba só tem que agradecer a essa revista que se diz de esquerda. (Parênteses: vejo no jornal televiso que no dia seguinte ao "ataque terrorista" ao Charlie Hebdo houve um "ataque" a uma mesquita, que não foi terrorista, talvez porque não foi executado por árabes e sim por homens de bem?).
A França, a Europa, a liberdade de expressão, a democracia, a civilização ocidental podem tirar um grande ensinamento desse episódio se, ao invés de buscar no Outro o bode expiatório para se eximir de qualquer culpa, entenderem que precisam avançar naquilo que se julgam tão avançados. Império da lei, democracia, tolerância, e outras afins são palavras vazias na boca da maioria dos políticos do ocidente, que precários de razão se aferram à fé para defender suas posições: "estamos em um país onde a liberdade de expressão é sagrada", afirmou Bernard Cazeneuve, ministro de Assuntos Europeus da França, quando na polêmica do Charlie de 2012. Extremistas ocidentais ou extremistas islâmicos, na modernidade nenhum princípio sacro deveria estimular o ódio contra o Outro - se pondo, ainda que indiretamente, contra a vida. Direito de expressão não dá o direito a ofender ninguém gratuitamente, ainda mais as minorias, "falar que 'Com uma caneta eu não degolo ninguém', como disse Charb, é hipócrita. Com uma caneta se prega o ódio que mata pessoas".
Aos dicotômicos e maniqueus pós-modernos: não sou contra a liberdade de expressão nem defendo a censura prévia, mas há limites para tal liberdade, e ressarcimentos àqueles que se sentiram ofendidos são um bom parâmetro de até aonde se pode ir - nada que impeça uma causa que realmente valha a pena de desafiar a justiça. 
Numa disputa em que os dois lados carecem de razão, me abstenho de tomar posição favorável a qualquer um.


ps: e aos que recusam a cultura árabe sem conhecê-la, um vídeo de Boualem Rahma, de música chaabi, umas das músicas tradicionais que acho das melhores (aqueles que me lêem com freqüência talvez lembrem de eu já ter citado o estilo mais de uma vez). Um pouco além na provocação, divulgo cantos religiosos. Aos que se aventurarem pelo vídeo, se estancarem no estranhamento, tenham um mínimo de vontade e notarão que se trata de um som de qualidade estética bem acima das músicas cristãs de louvor que somos obrigados a ouvir no centro de São Paulo (ô gosto terrível tem esse deus!).

ps 2: O segredo do grão, fantástico filme do diretor tunisiano Abdellatif Kechiche, de 2007, é uma boa mostra de como aceitamos sem notar o discurso preconceituoso da França gaulesa. Escrevi sobre o filme em: http://j.mp/cG080914




10 de janeiro de 2015.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Cria cuervos (sobre a expulsão do repórter do CQC de uma manifestação)

Assisto ao vídeo da expulsão do repórter do CQC da manifestação contra o PT e a Dilma, e a favor da ditadura militar, dia quinze de novembro, na Avenida Paulista. O manifestante que gravava a cena tece comentários ao fim da ação anti-mídia: "achei é que foi pouco". E foi mesmo. Não que merecesse mais - ou mesmo isso -, mas para quem viu o cortejo das esquerdas na última manifestação chamada pelo Movimento Passe Livre em junho de 2013, atacadas verbal e fisicamente por hordas de extremistas, achou a tal gritaria dos viúvos e das viúvas da ditadura nível iniciante: uns gritos, dedos em riste e a expulsão, sem ameaça séria ao repórter, que sequer precisou da ação dos policiais (que estavam do lado!) para conter o magote histérico. 
Como não sou jornalista não sou afetado pelo corporativismo (como atinge mesmo a excelentes nomes, como Paulo Nogueira), e tento evitar dois pesos duas medidas: por isso não condeno a ação contra o humorista. Já vi em greve da Unicamp, repórter da Folha de São Paulo tirar foto de papéis de divulgação publicitária, atirados por alunos numa ocupação da reitoria, para noticiar a perda de documentos importantes da instituição: se for para noticiar mentira (falo de fatos falsos, não se trata sequer de uma visão parcial), defendo que movimentos barrem a imprensa. Que a imprensa não se satisfaça com esse tratamento (por mais que muitas vezes mereça), acho do direito dela, e faz todo sentido não acatar cerceamentos - apesar de quando a polícia militar a impede de trabalhar, como no cerco aos manifestantes no hotel Linson, na Augusta, a Grande Imprensa no máximo solta uma nota de rodapé de pesar.
No caso dos manifestantes anti-PT e pró-militares de sábado, vale lembrar, antes de tudo, que o tal repórter é, antes de mais nada, um humorista, e o programa do qual participa tem como um dos seus expedientes principais, avacalhar com aquilo que estão acompanhando (eu ia dizer ironizar, mas para usar ironia é preciso um pouco de sofisticação intelectual e educação, algo que Marcelo Tas e seus pupilos, se possuem, não gostam de usar). Por mais boçais que sejam - talvez justo por isso -, os manifestantes na Paulista querem ser levados a sérios: o que esperavam que os manifestantes fizessem com quem chega para avacalhar em rede nacional com seu protesto? Que o receba com pompas de ser iluminado, só porque tem uma credencial de jornalista (se é que tem) e é acompanhando por um câmera? A situação é um pouco diferente no caso do repórter do Diário do Centro do Mundo, que cobria com intuito sério a manifestação - porém aqui trago o exemplo que vivi na Unicamp: se os manifestantes achavam que ele noticiaria inverdades, deveriam deixá-lo atuar, só porque jornalista se crê intocável? Jornalismo é uma profissão de risco, a depender de que linha o jornalista decidir seguir. Ser impedido de exercer seu trabalho por parte de um grupo de pessoas é um desses riscos, e isso não significa, necessariamente, cercear a liberdade de expressão - pode vir a ser, por exemplo, num caso de ameaças prévias ou agressões sistemáticas.
Aqui concordo, ainda que por um caminho diferente, com a análise de Paulo Nogueira, do DCM: a imprensa está criando seus próprios corvos. Pela sua incitação ao ódio, mas também pelo uso sistemático da mentira, ou da "desinformação", como preferem os mais pudicos. A recusa em contribuir, ou mesmo compactuar, com a imprensa se dá porque a população tem percebido - ainda que inconscientemente - que a imprensa não está ali para relatar os fatos, e sim para distorcê-los ao sabor dos seus interesses. E isso traz uma questão muito mais assustadora do que expulsão de jornalistas por extremistas: uma questão que atinge a população média, em tese longe de extremismos. Tratarei em uma próxima crônica.

São Paulo, 20 de novembro de 2014.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Internet x imprensa nas eleições [Eleições 2014]

Li em algum formador de opinião da auto-proclamada Grande Imprensa que o impacto da internet nestas eleições está abaixo do esperado. Não sei quanto esperavam, mas me parece que esse impacto, se não é positivo, no sentido de construir uma candidatura, tem tido forte papel negativo, em desconstruir discursos, em especial os discursos da Grande Imprensa. Desde a ascensão do PT ao executivo federal, a mídia corporativa assumiu - velada mas explicitamente - o papel de partido oposicionista - como aponta Maria Inês Nassif. Veladamente nas suas capas e reportagens, explicitamente em discursos internos. 
Goebbels dizia que uma mentira repetida mil vezes se transforma em uma verdade. A Grande Imprensa tupiniquim desde longa data tenta isso (as repotagens da Rede Globo sobre a eleição no Rio de Janeiro, em 1982, sobre a campanha das Diretas Já, em 1984, a edição do último debate de 1989, a crise quebra do país antes das eleições de 1998, por exemplo), e diante de recentes fracassos, aumenta a dose a cada eleição, atuando cada vez mais como sistema. Mesmo assim, sua tática não tem dado muito certo - não sei se errado estava o ministro nazista ou se nossa Grande Imprensa é que é de uma incompetência constrangedora.
Desde o mensalão o PT é acusado diuturnamente. Nos últimos dois anos e meio, a dose foi cavalar. Mesmo depois de longo período de fogo cerrado, diário, o PT segue forte, e Dilma Rousseff ainda lidera a corrida presidencial, é favorita, e já se volta a cochichar em vitória no primeiro turno (possibilidade que creio publicidade mal-feita por jornalistas de má-fé e bons salários). 
A campanha anti-petista nível hard, em que a indústria cultural agiu como sistema, atacando por todos os lados - imprensa editorial, televisiva, radiofônica, hebdomadária, diária, blog -, teve início em 2012, no julgamento do chamado mensalão, no STF, em cronograma feito sob medida para o veridicto sair na semana anterior às eleições municipais - não fosse uma pedra no caminho que o atrasou. Findo o julgamento, vieram os tais embargos infringentes, na ânsia de garantir direito posto inicialmente de lado, o de ampla defesa. Isso tomou todo o ano de 2013 e parte do 2014. Julgados os embargos, qualquer coisa virava notícia, de pacote de sanduíche no lixo da penitenciária a eventuais falsos laudos médicos, passando por depoimentos de vizinhos de parentes de conhecidos de carcereiros da Papuda sobre privilégios. 
Ao se dar conta que o discurso do mensalão não se convertia em mais votos à oposição, buscou-se novo bode expiatório, encontrado na Petrobras e nas acusações de irregularidades e perda de competitividade - vale lembrar que dependesse do PSDB e da Grande Imprensa se chamaria Petrobrax e pertenceria há muito tempo a algum grupo estrangeiro, ou ao amigo do rei Daniel Dantas. Mais de meio ano de capas, manchetes, notícias e reportagens sobre os eventuais desmandos na estatal. No rádio, nas principais notícias do dia a cada meia hora, ou de vinte em vinte minutos, onde tudo pode mudar (menos a ladainha contra o governo), ou no rápido giro de quinze minutos, sempre há algo a ser dito sobre o assunto, que seja notícia velha ou irrelevante, ou suspeita sem fundamento.
E aqui, imagino, possa ser sentido o impacto da internet nas eleições: mesmo ao se utilizar de todos os seus meios, a Grande Imprensa não tem mais o domínio da informação como tinha antigamente: portais alternativos de notícia, reportagens compartilhadas em redes sociais, blogs de analistas independentes, tudo isso permitiu que boa parte da população pusesse em suspeição as notícias divulgadas pelos Marinho, Civita, Saad, Frias, Mesquita e afins. O Jornal Nacional amarga perdas sucessivas de audiência. Diários e hebdomadários amargam vendas declinantes - vejo pelo edifício em que moro, sou o único assinante de jornal, a porcaria do Valor Econômico, e um dos cinco assinantes de revista semanal, a Carta Capital. 
É nessa quebra do quase monópolio da verdade e da mentira pelo Quarto Poder (que se sabe um, mas recusa se submeter ao guarda-chuva legal e de contra-poderes democráticos) que a internet têm tido relevância nestas eleições. Perde muito da efetividade manchetes nos jornais, capas nas revistas, notícias nos telejornais, se o eleitor menos interessado se fia pela notícia compartilhada por conhecidos que têm em alguma estima. Sim, a Grande Imprensa também está presente nesse espaço, com seus portais e versões on-line, porém não tem a força pré-internet.
Mas nesse ponto concordo com o tal formador de opinião que não me recordo quem é: o impacto da internet é pequeno, contudo demonstra a necessidade urgente de uma lei da mídia que desoligarquize os canais midiáticos tradicionais e submeta esse quarto poder ao crivo da lei e da democracia.

São Paulo, 22 de setembro de 2014

terça-feira, 15 de julho de 2014

Política travestida de análise: quando distorcer os fatos é sinônimo de bom jornalismo.

Costumo dividir os formadores de opinião da Grande Imprensa tupiniquim (em letras maiúsculas pra serem grandes ao menos em alguma coisa) em três grandes grupos: os que fazem análise política, os que fazem política travestida de análise e os que latem o que os donos querem. Estes últimos são os tais polemistas: Sheherazade, Jabor, Pondé, Mainardi (alguém lembra dele?), Azevedo, entre tantos, que destilam ódio e intolerância mal disfarçados em silogismos constrangedores pela precariedade. Talvez num passado longínquo já tenham escrito algo razoável, digno de reflexão. Hoje, o que refletem é a ignorância que assola o país, o pior do senso comum classe-média-alta conservadora. Os primeiros são raros de encontrar. Antes da vejanização da Folha de São Paulo e conseqüente folhização do Valor Econômico, este tinha a fantástica Maria Inês Nassif, analista do mais alto quilate que, sem esconder suas preferências políticas, busca deixá-las de lado quando faz suas análises (lembro um artigo sobre o PFL-DEM, seu risco de sumir e as alternativas que lhe restava, parecia ter escrito para o partido). O Estado de São Paulo, não sei como, mantém um patinho feio desse naipe, às segundas-feiras: José Roberto de Toledo, que antes da copa do mundo já avisava que haveria uma surpresa àqueles que criam nas manchetes dos jornais sobre as eleições de outubro. A Folha, mesmo a contragosto, mantém Jânio de Freitas e alguns poucos outros, ciente que eles sustentam boa parte das suas assinaturas, resquícios de quando o jornal dava credibilidade aos colunistas e não o contrário.
Já os que fazem política travestida de análise, esses proliferam aos borbotões na Grande Imprensa: mais do que pregar aos convertidos, como os tais polemistas, ele tentam legitimar os desejos dos chefes, ao justificar manchetes fictícias (para não usar um termo muito pesado), ao tentar argumentar o porquê do que eles querem ser o mais provável. As apresentações das pesquisas de intenção de voto para a eleição de outubro são um ótimo exemplo: falam em risco real para o PT de vitória da oposição, sendo que as pesquisas, mesmo depois de mais de um ano de fogo intenso contra a presidenta Dilma, apontam vitória da petista ainda no primeiro turno. Diante dos dados de hoje, essa possibilidade de vitória de Aécio está mais ou menos equivalente à do Brasil contra a Alemanha, no intervalo do jogo: pode ganhar? Pode. Mas vai ter que suar um bom tanto a mais, ou esperar qualquer milagre, um apagão alemão, um escândalo atingindo diretamente a chefe do executivo e sem equivalente no campo oposicionista, um proconsult, uma edição um pouco enviesada do último debate.
Exemplifico um pouco mais este grupo majoritário com dois exemplos do jornal Valor Econômico, jornal que assino (sim, sou um jurássico que gosta de tomar café sujando o jornal) não por mérito dele, mas por demérito dos concorrentes. No jornal do dia nove de julho, Cristiano Romero escreve artigo intitulado "Inflação em 12 meses supreende governo" (na semana anterior ele já havia escrito "Indicadores de crise"). O texto serve para reafirmar o que seria o ponto fraco do governo petista, depois que mensalação petista, Petrobrás e fiasco da copa parecem ter perdido sua capacidade de comover o eleitor. O próprio título já sinaliza um governo pouco preparado, que é pego de surpresa com algo que a Grande Imprensa tem dito, dia sim, outro também, desde que o tomate teve sua elevação sazonal de preços, no ano passado. As medidas para conter a inflação são postas em dúvida, há inflação represada nos preços administrados, o governo petista tem histórico de descumprir o centro da meta. O resultado disso tudo, ele não anuncia, mas é alardeado em todo lugar: inflação alta é igual a crise, país na bancarrota, população na miséria. Discurso que parece não ter surtido muito efeito no eleitorado, talvez porque o país tenha taxa de desemprego abaixo de 5% e aumentos reais dos salários. Na página seguinte à coluna de Romero há uma reportagem com Francisco Lopes, ex-presidente do Banco Central, entre 1995 e 1998 - durante o primeiro governo tucano, portanto -, e sócio de uma consultoria. Vaticina ele, que não pode ser acusado de petista, não apenas que a inflação de 2014 fica abaixo da meta, como que analisar a inflação dos últimos doze meses, tal qual o colunista ao lado, não faz muito sentido: primeiro, dado os solavancos naturais no índice de preços; segundo porque o que vale é a inflação do ano (no caso, 2014), não a acumulada em um ano; terceiro, porque é a previsão para os próximos doze meses que deve ser levada em conta (hoje em 5,89%) - o que está afim à teoria das expectativas racionais que economistas neoliberais tanto gostam e se utilizam para criticar a indexação de salários (nunca dos preços).
No mesmo dia nove de julho, o incauto leitor do Valor é alertado pela sagaz colunista Rosângela Bittar, chefe de redação do jornal (reparem que não me rebaixei ao precário Raymundo Costa), de uma "armação ilimitada" da petista: votar em Dilma é votar em sabe-se-lá-o-que: enquanto os adversários já anunciaram suas equipes econômicas e delimitaram com clareza o caminho que seguirão, a presidenta, não diz nomes e só aponta linhas mestras para um eventual segundo mandato: "noutras palavras, quem quiser votar em Dilma, que o faça no escuro (...). O que ela apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral como programa de sua candidatura foi um plano fantasia, para cumprir tabela legal. O eleitor que crie a expectativa que quiser sobre o que vem aí, prenúncio de que boa coisa não é, senão o governo propagaria". Para chamar o eleitor da petista de idiota só faltou o adjetivo - por isso incluo ela nos analistas que fazem política e não nos que latem, porque ela tem um resquício de educação, mesmo que honestidade intelectual não seja seu forte. Ou então ela não lê o jornal que paga seu salário. Dois dias antes, reportagem de Vandson Lima e Raqual Ulhôa mostrava o festival de chavões lugares-comum e desconectados do discurso efetivo dos três principais postulantes ao Planalto, em que é quase impossível saber quem apresentou o que no seu programa de governo registrado no TSE. Bittar fala meia verdade ao dizer que Dilma apresentou um plano fantasia: esqueceu de dizer que não foi a única. Dois dias depois, Bittar foi contradita no mesmo Valor Econômico por Leandra Peres, em seu artigo "Dilma continuará na Fazenda em 2015". Ué? Mas não era um voto no escuro? Como, então, Leandra diz que ao votar em Dilma sabe-se bem o que virá? Para complicar a situação de Bittar: Peres tem argumentos bem mais consistentes que a chefe.
O que mais me irrita nesse tipo de "análise" é o pressuposto de que o leitor é incapaz de ler e interpretar fatos e gráficos e, principalmente, incapaz de perceber que eles estão distorcendo os fatos e não interpretando. Em outras palavras: pressupõem que o leitor é um apedeuta microcéfalo. Um burro. (Folha é especialista nesse em tratar o leitor com essa falta de respeito). O que me assusta é que se esses são os exemplos de formadores de opinião ponderados, o que nos resta é um rebaixamento ainda maior do debate - não por acaso o desprezo à "verdade factual" (por mais que falar em verdade ao se tratar de sociedade seja difícil, há pontos mínimos que não se pode negar) já é replicado em blogues, à direita e à esquerda (e sequer me refiro aos blogueiros raivosos).

São Paulo, 15 de julho de 2014.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Rachel Sheherazade: a nova geração de falsos polemistas.

O título na internet me chamou a atenção: "Sheherazade diz que já foi de esquerda e defende Feliciano",junto uma foto de uma mulher classicamente bem vestida. Que raios é Sheherazade? Me pareceu nome artístico de atriz pornô (ou ex, pela foto. Procurei, não achei nenhuma, mas que soa um bom nome, soa). Cliquei na notícia. Trata-se da apresentadora do jornal SBT Brasil, Rachel Sheherazade, de quem tive conhecimento há pouco - apesar de estar há três anos como apresentadora nacional -, quando vi o vídeo de um amigo contra-argumentando seus comentários sobre a legalização da maconha no Uruguai. 

A reportagem que li é de Mônica Bergamo, para a Falha de São Paulo, e traça um breve perfil da apresentadora, "famosa pelos comentários polêmicos", segundo a jornalista. Talvez a polêmica maior de Rachel seja poder demais para pensamento "demenos": ela não se restringe ao senso comum classe-média, como Ricardo Boechat, seu concorrente da Band; ela vai além e abusa de preconceitos. E não digo isso só pela sua defesa do deputado e pastor Marco Feliciano que, segundo ela, sofre "perseguição religiosa" por sua incitação ao ódio. Falo também do preconceito com a cidade, com pessoas pobres, quando diz que tem medo de violência urbana e que, a não ser para trabalhar, raramente sai de Alphaville, e quando sai, é para ir a shoppings (talvez não mais com o risco da turba querer utilizar esse espaço). Trata-se de outro bom exemplo do nível do que a Grande Imprensa apresenta ao grande público como formadores de opinião, pensadores, intelectuais: pessoas com formação superior (para dar legitimidade), uma capacidade de refletir rasteira, uma capacidade de argumentar precária, e uma retórica afiada para inflamar paixões. É da geração que substituirá Jabor, Leitão, Boechat, Waack, Azevedo, Mainardi, Bueno e outros, que cria polêmica para ter ibope, e não aquela polêmica que leva a repensar pontos estabelecidos. O pior é que, como formadora de opinião, trata-se de um modelo de postura - fechada ao diálogo, dona da verdade, recusadora da reflexão, desmerecedora do Outro - que provavelmente será seguido por muitos.

Outro ponto do perfil que me chamou a atenção é quando fala da sua orientação política: "eu era de esquerda. Votei no Lula até ele ser eleito. Me decepcionei com o PT (…). Com minha maturidade, passei a ter posicionamentos mais de direita do que de esquerda". O PT parece ser o álibi mais fácil e em voga para supostas mudança de lado. O que esse argumento mostra, antes de tudo, é a precariedade do pensamento, que aceita desde a identificação de um partido com uma linha política até a escolha binária, é isso ou o contrário. Nuances? Possibilidades fora do que é dado? Crítica ao sistema representativo que gera esquerdas e direitas tão próximas? Nunca!

A pretensa mudança de lado, na verdade, me parece ser o desvelamento do conservadorismo inerente aos habitantes da "sociedade do espetáculo". Ao ferimento do seu narcisismo, à aridez de um mundo que não é a Terra do Nunca que os pais disseram que era, os antigos jovens bem de vida e de esquerda se tornam adultos bem de vida e maduros. Quantos ex-presidentes, escritores, intelectuais, professores universitários e mais um sem número de pessoas que se crêem ilustradas, não enchem o peito para falar de antigamente, das lutas revolucionárias, dos conflitos com a polícia ou com a autoridade, para então concluírem à sua platéia jovem-revolucionária de que eram irresponsáveis e irrealistas - idealistas -, e se hoje criticam a esquerda é porque já foram um dia e sabem o que estão falando. 

Sheherazade tem quarenta anos, creio que não preciso de mais dez anos para ver meus ex-colegas de faculdade (afinal, estudei no antro marxista do Brasil), então cheios de hormônios revolucionários, discursarem, na melhor das hipóteses, um conservadorismo xoxo de esquerda: de graduandos revolucionários a acadêmicos responsáveis. Auto-crítica, dirão eles, como disseram a eles nossos professores. E a auto-crítica de perceberem que sempre foram conservadores, essa nunca fazem, porque desligitimaria seu discurso de "eu sei" e, pior, poderia mostrar a seus pupilos que eles fazem teatrinho de contestação, nada sério. Como dizia Debord, em 1967, na sua tese 62: "Onde se instalou o consumo abundante, aparece entre os papéis ilusórios, em primeiro plano, uma oposição espetacular entre a juventude e os adultos: porque não existe nenhum adulto, dono da própria vida, e a juventude, a mudança daquilo que existe, não é de modo algum propriedade desses homens que agora são jovens, mas sim do sistema econômico, o dinamismo do capitalismo. São as coisas que reinam e que são jovens; que se excluem e se substituem sozinhas". Rachel Sheherazade, diante do seu papel político na sociedade, é como qualquer um de nós: insignificante pela sua pessoa e substituível com mais facilidade do que se troca de roupa.

Pato Branco, 12 de janeiro de 2014

domingo, 27 de maio de 2012

As greves políticas e as greves justas.

Venho cá chutar cachorro morto e chover no molhado: é o que se faz quando se fala da imprensa nacional. Salvo os detalhes do momento, o que se tem é um movimento regular, contínuo, bem estruturado da mídia contra um partido que ela ainda vê como esquerda demi-comunista – isso vale tanto para o protofascismo de Veja quanto para o partidarismo não-assumido mas evidente de Folha.

O assunto desta semana foi greve.

Há várias na principal cidade do interior do Estado, talvez os leitores de Folha não saibam: Campinas, além das crises sobre quem ocupará a cadeira de prefeito na semana seguinte, vive caos na saúde, já há muito é um zero na cultura, teve há pouco greve no transporte que se serve do público, e segue com boa parte dos servidores públicos em greve. É onde fica a Unicamp, uma das principais universidades do Estado e do país, talvez perdendo só para a USP.

Vamos para a capital, onde as coisas acontecem, dizem. Onde oito milhões de almas são tidas como decisivas para o futuro dos dois principais partidos do país – em contrapartida, os dois principais partidos do país pouco se mostram interessados no futuro da cidade.

Na quarta, tivemos uma “greve política” do metrô, conforme editorial da Folha (“Greve contra São Paulo”, 24/05/12). Adoro quando falam em “greves políticas”! De uma redundância maior que subir pra cima, tão esclarecedor quanto dizer que a cor vermelha é vermelha, que a água é molhada, que o sol é quente, e assim vai. O dia que me apresentarem uma greve apolítica – até a das mulheres de Atenas foi política –, farei questão de aderir. Até lá, terei de suportar um jornal que se diz a serviço o Brasil utilizar política como sinônimo direto de coisa ruim. Porém, pior do que falar em “greve política”, só os argumentos do editorial.

Primeiro, conforme a Folha, quem recebe salário acima da média brasileira não deve reclamar (se fosse acima do PIB per capta do Qatar, cerca de US$ 90 mil, eu até poderia concordar). Fica a dúvida porque quem recebe estímulos estatais bem superiores aos dos milhões de miseráveis do Bolsa-Família teria o direito: se a Folha pretende ser tão independente como apregoa, que comece recusando todo patrocínio de governos, empresas estatais ou que tenham ligação com o Estado.

Segundo: a determinação da justiça de 100% de funcionamento do sistema no horário de pico. Há alguma coisa errada numa no conceito de “greve” quando todo mundo é obrigado a seguir trabalhando. Contudo, a novalíngua da Folha não vê nenhuma contradição nisso: deve o jornal, então, reivindicar a mudança do artigo nos dicionários, que insistem em dizer que greve é “cessação voluntária e coletiva do trabalho”, a justiça do trabalho, de fato, rejeitou a possibilidade de greve – tenha tido razão ou não, é outra história. É fácil defender o direito de greve quando greve não implica em nenhuma mudança da rotina, em nenhum custo aos patrões.

Terceiro: Folha ignora que os metroviários fizeram uma contraproposta a essa estapafúrdia decisão da justiça: 100% dos funcionários trabalhando, mas com as catracas liberadas. O governo recusou, ameaçou usar a força policial contra os grevistas, caso isso ocorresse. Fica a dúvida: quem trabalhou para prejudicar os usuários foram os trabalhadores ou o governador Alckmin?

Outra greve são as das universidades federais. Essas, para Folha, não são políticas – logo, há de se acreditar que sejam justas. A acreditar que a Folha não use dois pesos, duas medidas, um professor universitário ganha menos do que um motorista de ônibus, assim sendo, tem direito a fazer greve – se não for, hora de chamar a polícia para pôr ordem (fiquei esperando um editorial e não veio).

Ao invés de apresentar um panorama com os pontos positivos e negativos das IFES – como fez um outro jornal do grupo, dedicado à elite e não à classe média inculta, que sequer sabe quem foi Hegel (ao menos assim pensa a Folha de seus leitores) –, o jornal se centra na Unifesp, que, pelo que dá a entender a reportagem, seria uma das piores universidades do país, sem qualquer infra-estrutura. Pior: se centra na Unifesp de Guarulhos, ignorando os outros sete campi. Por que será? Se a infra-estrutura do campus de Guarulhos é realmente péssima – se é que não soa ridículo falar em infra-estrutura para o campus de Guarulhos –, o mesmo não se pode falar do de Diadema, para ficarmos num exemplo de campus novo. Neste campus, o problema está na assistência estudantil, como ausência de bandejão, e não na qualidade dos prédios e laboratórios – equipados com o que há de melhor, conforme me disse um amigo que estuda lá (e é do comitê de greve).

Os motivos de não terem ido ver as condições da UFAM, UFCG ou de outra federal perdida nos rincões do Brasil, e ter se fixado no pior campus de uma que está praticamente na capital paulistana tem motivo bem evidente: atingir Fernando Haddad, atual ministro da educação e pré-candidato petista à prefeitura de São Paulo. Faltou só eles falarem “se Haddad não é capaz de dar condições a uma universidade, o que dizer a uma cidade?” Quer dizer, do jeito que vai, logo eles falarão isso – só o Haddad sair dos 3%.

O relativismo da Folha é aviltante a qualquer pessoa que não coadune com a burrice e a má-fé; de qualquer forma, sinaliza do que se pode esperar para as eleições municipais.

São Paulo, 27 de maio de 2012.