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quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Eleições 2018: análise dos candidatos antes de iniciada a campanha de fato

Meu texto anterior tinha como objetivo sublinhar que a eleição presidencial de 2018 nada tem de normal, que não se trata "apenas" de escolha entre projetos de país e de como lidar com a coisa pública, e sim entre dar um verniz democrático ao golpe em curso - com poder judiciário agindo como poder moderador extraconstitucional - ou tentar retomar um caminho de democracia efetiva, ainda que bastante limitada, a princípio [bit.ly/cG180807]. Entretanto, as movimentações que resultaram nas candidaturas por ora postas apontam numa aparente normalidade, com polarização entre PT e PSDB. Falta, contudo, combinar com os russos, ou melhor, os eleitores. Ainda que se consagre essa polarização, nada há de normal - eu já havia dito, quando no imbróglio tucano para o candidato à prefeitura paulistana, que a escolha por Doria Jr era o fim do PSDB enquanto opção democrática [bit.ly/cG160201], e a gestão do ex-prefeito confirmou o pouco apreço da legenda com princípios democráticos e republicanos básicos (corroborado pelo desejo de FHC de lançar Huck à presidÊncia, para não falar na não aceitação da derrota em 2014 por parte de Aécio Neves e o apoio ao golpe de estado de 2016). E por mais que julgue atual e pertinente a divisão do espectro político em esquerda e direita, por conta do contexto do golpe prefiro falar em campo progressista e campo conservador/reacionário/de extrema direita. Deixo de lado os candidatos do Patriotas, DC, PPL e PSTU. 
No campo conservador são seis candidatos. A aparente divisão é apenas aparente: efetivamente são dois candidatos - Alckmin e Bolsonaro -, dois azarões aguardando uma reviravolta de última hora para serem ungidos como eleitos do establishment - Marina Silva e Álvaro Dias - e dois candidatos de apoio - Meirelles e Amoêdo. Estes dois últimos devem ser candidatos propositivos de direita, deixando mais evidente as propostas gerais desse campo. Devem ir a combate contra a esquerda e levantar a bola para alguém da direita chutar.
Meirelles tem papel importantíssimo na eleição: servirá principalmente para que Alckmin tente se descolar de Temer - afinal é ele o candidato do MDB -, e poderá, ainda, tentar trazer o PT para algo próximo do Usurpador - para além de ter sido vice de Dilma -, por ter trabalhado em ambos governos. Com tempo de tevê, pode fazer deliberadamente o que Ulysses Guimarães fez por omissão em 1989, e contribuir decisivamente para um candidato conservador no segundo turno - certamente seu trabalho não será em vão. Parece pouco provável que aja com bom MDBista e troque de canoa no meio do caminho, ao notar que o PT avança inconteste, mas não cabe descartar essa possibilidade.
Marina Silva e Álvaro Dias tentam correr como azarões, ela mais pelo centro, ele mais pela extrema-direita. Se conseguirem emplacar seus discursos, Marina pode tirar votos tanto dos candidatos do campo conservador quanto do campo progressista, enquanto Dias tende antes a enfraquecer Bolsonaro. Se Alckmin não decolar, apesar de todo seu tempo de exposição, podem ganhar a vez de brigar com o capitão pela vaga num eventual segundo turno: seriam candidatos mais confiáveis ao establishment que o destrambelhado do exército. Devem tentar encarnar um discurso antipetista e antissistema light (se comparado à propaganda de ódio de Bolsonaro), de quem está dentro mas nunca compactuou com "tudo o que está aí", apelando principalmente para o discurso ético. São candidaturas em stand by, prejudicadas pela redução do tempo de campanha. 
Alckmin é o presidente do Brasil a partir de 2019, se os eleitores "votarem certo", de acordo com os donos do poder. Comentei em outro texto [bit.ly/cG180717] que Alckmin é muito "Hillary Clinton" em uma eleição na qual o eleitorado sinaliza saturação com o centro. Atraiu para sua aliança as forças do establishment (o que sinaliza um eventual presidente fraco, completamente  à mercê do tal centrão e das forças que o patrocinaram), mas eles sabem que não é garantido sequer sua ida ao segundo turno, daí provavelmente o alto preço que devem estar cobrando desde já, e a possibilidade de abandonarem o barco a qualquer momento. Uma das apostas de Alckmin deve ser no tempo de tevê e na brevidade da campanha, que permitiria a construção de uma blietzkrieg narrativa sem chance de desconstrução, que o catapulte como uma onda, como foi Doria Jr em 2016, ou mesmo Haddad em 2012 (e quase em 2016) - a questão é que Alckmin é suficientemente conhecido para ser construído do zero, a estratégia, portanto, não tende a ter grande efeito, sem falar que ele terá tempo demais para tentar falar o mínimo possível, uma vez que não pode expôr seu projeto de governo. A escolha de Ana Amélia, um Bolsonaro de saias e sem farda (mas com milícias), do agronegócio, depois de longo flerte com o ex-comunista Aldo Rebelo, que trocou de partido duas vezes para estar disponível a Alckmin, mostra que o tucano tem como preocupação primeira passar para o segundo turno. A aposta inicial em Rebelo daria o verniz de alguém aberto ao diálogo e com uma ponta na esquerda, tentativa de ganhar, no segundo turno, indecisos simpáticos à centro-esquerda porém desagradados com o PT. Ana Amélia é a sinalização do namoro sério com o neofascismo, o discurso aberto de ódio, e a queima de pontes com eleitores mais à esquerda. Pode, a depender das pesquisas, deixar Bolsonaro quieto e atacar fortemente - junto com as outras candidaturas de apoio do campo - o PT, para no segundo turno ganhar o voto do "mal menor". 
Bolsonaro, por enquanto, é um dos nomes desta eleição - junto com Lula. Seu parco tempo de tevê, se por um lado prejudica sua exposição, por outro é positivo ao evitar que fale muito - o que garante não desagradar os que não são fanáticos -, além de reforçar seu discurso de antissistema - que apresenta aliado ao discurso antipolítico e antipetista, de necessidade de ordem para garantir a segurança, e fim de democracia e direitos sociais, apresentados como favorecimentos, privilégios de vagabundos, ao custo para os "cidadãos de bem" (termo que deve ser usado à exaustão nesta breve campanha). Os absurdos que profere - frases racistas, misóginas, de incitação à violência - costumam ser relevados em favor desse discurso: na ânsia de pertencimento nesta modernidade líquida, muitos de seus eleitores preferem enxergar a si e aos seus próximos apenas como cidadãos de bem, a despeito de serem gays, mulheres ou negros, na crença de que sejam vistos assim também pelos seus futuros carrascos - a descoberta da realidade será amarga e inevitável. Encontrou um tal "ponto ótimo", que o deixa numa situação confortável, sendo seu principal desafio se mexer sem sair do lugar: deve ser atacado pela direita e - equivocadamente - pela esquerda, e isso tende a reforçar seu discurso "contra tudo o que está aí". Se não for atacado, pode crescer igual. A questão é que chegou onde está por acaso, não por cálculo, e um passo em falso é perigo eminente à sua candidatura. (Minha grande dúvida: em um segundo turno entre Bolsonaro e PT, o PSDB declará apoio a um dos candidatos? Meu palpite: entre alguns falando em apoiar o PT e muitos silentes, se declarará neutro). 
O campo progressista tem a faca e o queijo na mão - se não houver fraude ou novo golpe -, mas dá sinais de ser capaz de esfaquear a si mesmo. Parte da esquerda acha que unidade é candidato único - e não objetivo em comum -, e o narcisismo das pequenas diferenças dá sinais de ser mais forte que a necessidade histórica do momento. 
Boulos entra como candidato sem pretensões de vitória, mas com objetivo de marcar posição, pôr os movimentos sociais na vitrine política (e não policial, como tentam grande imprensa, PSDB e demais partidos do campo reacionário), e qualificar o debate. Se tiver oportunidade em debates e na grande mídia, pode fazer diferença, tirando votos, inclusive, de Bolsonaro, ao se apresentar como opção antissistema porém política. Pode significar uma mudança na forma como se vê movimentos sociais de reivindicação de direitos - uma candidatura desse tipo faz muita falta desde 1994, um candidato ainda em trabalho de base, sem se deixar levar pelo canto da sereia tecnocrática. Ademais, o PSOL pela primeira vez tenta ampliar sua base para além dos acadêmicos revolucionários de gabinete com teses impecáveis teoricamente exemplificadas em vocabulário parnasiano. 
Ciro Gomes, ao que tudo indica, é o grande perdedor das últimas movimentações, seja com a o apoio da direita fisiológica a Alckmin, seja com a "neutralidade" do PSB - e isso não é positivo para o campo progressista, assim como para o próprio PT. Não apenas pelo risco de Ciro despejar fogo amigo, como principalmente pela diminuição de seu tempo de ataque ao campo adversário. Com fama de falar sem medir as palavras - como Bolsonaro -, Ciro pode tirar votos do fascista ao mesmo tempo que fustiga Alckmin (ou Haddad...). A escolha de Kátia Abreu para vice, depois de flertar com o centro fisiológico do congresso, mostra que sua candidatura é a sério e propõe reviver o pacto lulista - expus em outro texto minha tese de "vice-caução" como condição de elegibilidade para candidatos de esquerda ou progressistas [bit.ly/cG180509]. Mais: Abreu abre Ciro para certo potencial eleitor tucano, afim ao agronegócio mas reticente com Ana Amélia e com o excesso sulista da chapa tucana - a senadora tocantinense pode ser apresentada como mais pragmática, "genuinamente ruralista", e mesmo como "empreendedora de sucesso". Muitos da esquerda criticam tal escolha, como prova de que Ciro não é da esquerda. Quanto a isso, dois pontos: talvez Ciro não seja mesmo de esquerda, seja apenas um progressista, um nacional-desenvolvimentista a la Dilma. Segundo: quem critica "alianças espúrias" ainda acha que política democrática real pode ser feita com selo de pureza: pureza em política só em congresso de anjos ou em ditaduras totalitárias; em democracia, vai ter abraço e acordo com adversários ou não vai ter espaço para nada. Pode-se dizer que é o azarão do campo progressista, à espera da eventualidade de Haddad não despontar como é esperado - tivesse mais tempo e poderia ser adversário de Haddad num eventual segundo turno, talvez o grande medo do PT. Me parece o nome mais apto para deslocar Bolsonaro do confortável ponto onde está; o risco de isso dar certo e ele crescer e vislumbrar chances de vitória é apelar para algum grau de antipetismo e ambos afundarem abraçados, quando o melhor para o campo progressista é que se afirme como um não-petismo, um pós-petismo, sem anti. 
Enfim, Haddad. Novamente prejudicado pela mudança na legislação eleitoral que diminuiu o tempo de campanha, ainda assim é o nome mais forte do campo progressista. Vai se apresentar como o emissário de Lula. Como disse alhures [bit.ly/cG180717], a perseguição a Lula e ao PT foi tão forte que teve "efeito rebote": em 2015, a rejeição ao ex-presidente era de 55% [bit.ly/2OTD8AU], o que tornava muito difícil uma vitória; em 2018 volta aos patamares normais do antipetismo: 31% [bit.ly/2KDpKxr]. Mais: a saturação com "tudo o que está aí" fez com que tal perseguição desse naturalmente ao PT o ar de partido antissistema light: que ao mesmo tempo incomoda os poderosos (por isso a perseguição), mas não é de aventureiros (vide os mandatos presidenciais). Haddad, curiosamente, é talvez o nome mais "Hillary Clinton" do PT - sua vantagem sobre Alckmin é essa marca imposta ao seu partido. Se conseguir marcar sua ligação com Lula, dificilmente não herda os 20% que este tem na espontânea - por isso deve haver da justiça (sic) eleitoral alguma proibição à vinculação de Lula nas propagandas e nas falas -, mais alguns pontos dos que simpatizam com sua figura, outro tanto dentre aqueles que querem fugir de "extremismos" (como a Grande Imprensa tentou marcar Lula e Bolsonaro), podendo tirar votos que seriam para o centrista tecnocrata convertido ao extremismo de direita, Alckmin. Assim como sua vice, é bem articulado e bem apessoado (soa tosco, mas isso conta), dificilmente perde as estribeiras e sabe revidar com delicadeza - resta saber se isso atrairá certo tipo de eleitores, seja pela delicadeza, seja pelo linguajar mais rebuscado, e neste ponto o enfraquecimento de Ciro é prejudicial a si, ao menos no primeiro turno. Vai sofrer ataques da Grande Imprensa sem cessar até outubro, e se não conseguirem acertar um bom golpe, a tendência é que cresça com tais ataques. A grande falha de sua candidatura foi a atuação nas alianças, ou melhor, nas não alianças, com o intuito de isolar Ciro. Nesse ponto o PT agiu como se estivéssemos numa eleição absolutamente normal, e não em um momento crítico e dramático para o país. O medo de perder a eleição para Ciro pode significar perder a eleição para Bolsonaro, Alckmin ou algum azarão conservador tutelado pela mídia e judiciário. Faltou ao PT o óbvio: reconhecer o contexto e se pautar por uma visão mais ampla que a eleitoral: ainda que difícil de acontecer, mesmo se tivesse o apoio do PSB, um segundo turno entre Ciro e Haddad poderia ser um banho de civilidade e a derrota cabal do golpe. Ao forçar uma polarização com os reacionários, o espectro do golpe e do lava-jatismo seguirá rondando o país.
Talvez uma "novidade" nesta eleição seja uma maior mobilização das bases desde 1989 - seja pela direita, seja pela esquerda. A esquerda ainda está mais tímida, intimidada: ser de esquerda ou ser petista virou praticamente uma ofensa, e as respostas de militantes da extrema-direita (que foi o que se tornou nossa direita, PSDB incluído, sem pôr nem tirar) tendem a ser intimidantes pela sua agressividade. Grupos de Whatsapp terão grande influência, mas não se deve achar que substitui o cara a cara. A diferença é que há um ponto aglutinador no campo conservador - o antipetismo -, enquanto a esquerda, se não se policiar, vai partir para a guerra fratricida - daí a necessidade do campo progressista se centrar numa militância positiva, de elogio aos seus candidatos, deixando a desconstrução do campo adversário para segundo plano. Ataques mútuos entre candidatos progressistas, ou mesmo ataques a Bolsonaro, me parecem o caminho mais equivocado.
Por fim, se a campanha presidencial no Brasil já costuma ser sempre de baixo nível, com golpes brancos ou tentativas de por parte da Globo e dos donos do poder (1989, 1998, 2002, 2006, 2010, 2012; 1994 o plano real prescindiu de jogo mais sujo), imagina agora que está sob ameaça a fina flor do entreguismo das elites, que por dois anos pode florescer sem amarras e sem lastro social. Por isso tenho repetido: uma fraude eleitoral não é algo remoto e absurdo, é possibilidade efetiva (e vale lembrar a Globo e o caso Procunsult de 1982). Também tenho repetido: é preciso também se mobilizar nas eleições legislativas: uma vitória progressista na eleição presidencial com um congresso como o atual vai praticamente inviabilizar o novo governo.

08 de agosto de 2018

terça-feira, 17 de julho de 2018

Lula, o candidato antissistema [Eleições 2018]

Tenho dito em conversas que o capitalismo liberal (mesmo que sob a alcunha de neo) parece ter uma única solução na manga para as crises que ele próprio engendra: o fascismo. Falo isso sem acreditar em qualquer previsibilidade ou lei histórica, de que o futuro seria predizível, ou que a história acontece primeiro como tragédia e se repete como farsa: cem anos depois da experiência fascista, a resposta ao desalento neoliberal e à crise de 2008 segue pela mesma senda, Europa, EUA, nestes Tristes Trópicos e alhures. Precisa ser assim? Não, mas é a solução mais fácil ao capitalismo. Outra pergunta: quem são os personagens políticos (individuais, coletivos e coletivos "encarnados" em uma figura) capazes de fazer frente a esse zeitgeist do capitalismo de exceção ancorado no Estado totalitário? O que seria fazer frente a esse capitalismo de exceção e seus ferrenhos defensores? Mais liberalismo, como defendem os que ainda acham que a ascensão da extrema direita é apenas um lapso?
Em 2015, durante as prévias para a eleição presidencial do império decadente, enquanto no partido Republicado Bush era tido por moderado e varrido de cara por pré-candidatos de verve mais radical, e o azarão Trump já despontava como futuro candidato, com fortes chances de vitória, li análises que apontavam que o partido Democrata precisava escolher entre uma trabalhosa possível vitória da candidata do establishment e uma vitória quase certa de Bernie Sanders. Optou por Clinton, e Trump pôs fim a quase três décadas de revezamento entre duas famílias nos principais cargos do país. Seu discurso era antipolítico e antissistema, o extremo oposto de Clinton, imersa no fazer político estadunidense (que não deixa de ser antipolítico, a depender de como se encare o termo) e abertamente comprometida com o sistema. Sanders, por seu turno, pode ser visto como um meio termo: assumia o comprometimento político, ao mesmo tempo que era antissistema - inclusive ao propôr um aprofundamento político, com seus comitês que permaneceram ativos mesmo depois da campanha. Há algo muito de errado no mundo, e os resultados das eleições ao redor do globo sinalizam isso. Que saída escolher?
O Brasil não tem prévias ao estilo estadunidense: aqui o debate público entre pré-candidatos é substituído por balões de ensaio lançados na mídia e postos à prova em pesquisas de opinião. O que tem se visto em tais pesquisas, desde que ficou claro, para parte da população que de boa fé seguiu o pato golpista, de que Lula é um perseguido político por parte do sistema, são posições consolidadas. Lula disparado, Bolsonaro firme, Marina, Ciro e eventual outsider da vez com razoável percentual, Alckmin e demais candidatos do establishment passando vergonha.
Falei acima do zeitgeist, o espírito do tempo atual, e creio que ele ajuda a explicar tais posições. Ainda que não caiba simplesmente transferir a situação dos EUA para o Brasil, guardada as distâncias, há pontos em comum no contexto de ambas as eleições, e o discurso dos candidatos mais bem posicionados aqui acaba, sem querer, mimetizando muito do espírito de Trump e Sanders - Alckmin poderia ser visto como a versão tupiniquim de Clinton. Se lá se discutia a decadência do império, aqui se discute o que fazer diante da terra arrasada após o golpe, a perda da qualidade de vida ganha nos anos dourados do PT no Planalto. Lá, Wall Street vista como vilã, comprando políticos para favorecer sempre os mesmos; aqui, ainda que o vilão não seja dito por interdição da mídia - que tenta imputar aos políticos e à esquerda -, parece ficar cada dia mais forte a sensação de instituições sequestradas por uma elite financeira e burocrática que tem como interesse apenas a si própria - políticos são a face mais visível do descrédito, mas o judiciário corre para fazer companhia, como apontou Marcos Lisboa em sua coluna desta semana na Carta Capital. Se parte da população ainda crê em juízes e procuradores - a ponto de se falar em bancada da Lava Jato - parte também ainda crê em políticos. A disputa é pelos corações, almas e votos dos que perderam a crença - mas terão que comparecer às eleições, por força da lei.

Bolsonaro, apesar de político profissional e bem inserido no sistema, se apresenta como o candidato anti: antipolítico e antissistema. Se de fato nada tem fora do sistema dominante, peitar o que foi definido pela direita xucra como politicamente correto, sem medo da justiça, bancando o macho valentão basta para cativar muitos dos que estão "cansados de tudo o que está aí" - e vemos não apenas a falha de politização da população quando o PT esteve no poder federal, como um completo fracasso educacional, incapaz de formar pessoas que enxerguem o óbvio. Sua movimentação política é claramente inspirada em Trump - e para esse tipo de argumentação não me parece que o esquerdismo esclarecido e bem intencionado de um Duvivier tenha qualquer apelo, é convencer as paredes do quarto para dormir tranquilo. Seus eleitores não se pautam em argumentos racionais: o voto em Bolsonaro é um voto feito com as entranhas - com o fígado, com o cu do machão que coça diante de outro homem -, são contra não sabem o que, mas são contra, e não querem pensar - Bolsomito, que também não pensa, fala por mim. Três são os desafios do homem que se afirma detentor do maior pau do certame: manter a pose e reforçar a ideia de alguém que não foge à luta, ao mesmo tempo que não se expõe, não fala, não tem tempo de propaganda para falas cuidadosamente calculadas. Pretendia fugir dos debates e sabatinadas, mas teve que recuar, ao menos diz que irá aos debates, justo porque isso arranha seu principal "capital político", o de valentão; resta saber se a imprensa vai aceitar as regras que ele impuser, ou vai colocar limites à verborragia de ódio do capitão-terrorista - se ele puder falar o que quiser, pode até se sair bem nos debates, se for bem enquadrado, acaba no segundo debate. Ademais terá que aguentar ataque contínuo de todos os adversário, à esquerda, por razões óbvias, e à direita, por estar na mesma raia que PSDB e afins.
Alckmin, como disse, pode ser visto como a Clinton: alguém completamente inserido e aceito pelo sistema - político, econômico, judiciário. A exemplo do que houve em 2002, esta eleição dá sinais de que discurso de mudança, ruptura - e ordem - terá apelo. Um candidato "do bem" não apresenta as credenciais que os eleitores querem - eu não me surpreenderia se numa pesquisa qualitativa Alckmin fosse muito bem avaliado: suas qualidades não são as demandadas pelo momento. Possivelmente vai abusar no discurso da ordem e do apoio irrestrito da mídia. Curiosamente, soa quase um azarão para esta eleição.
Ciro e Marina tentam equilibrar seu discurso entre palatável ao sistema e antissistema ao mesmo tempo - Marina também tenta se pôr como antipolítica. Podem, sem querer, achar um ponto que os catapulte para o segundo turno - algum ponto do fígado dos eleitores desiludidos com Bolsonaro. Marina, correndo como outsider de centro-direita, deve ter menos apelo que Ciro - que corre como semi-outsider de centro-esquerda - entre eventuais desertores de Bolsonaro. Como dito de maneira um tanto infeliz por Ciro, Marina carece da pose de valentão que o momento pede - além de outros preconceitos que tiram votos seus entre os que ela flerta, o fato de ser mulher, negra, do norte. Ciro, é sabido, tem como grande adversário sua própria língua - mas o tom de coronel do sertão que muitas vezes adquire pode ser encarado como valor positivo neste momento. Conforme Luis Nassif, Ciro seria, caso Lula seja deveras alijado da disputa, o nome mais à esquerda capaz de governar.
A presença de Boulos e Manuela tende a elevar o nível dos debates e dar um mínimo alento de política ao pleito, são candidatos antissistema porém políticos - a questão é como desfazer em quarenta dias os anos de doutrinação ideológica (para usar termo que a direita tanto adora) da mídia satanizando movimentos sociais e de minorias. Suas candidaturas devem servir antes para pôr suas bandeiras em evidência, sem chances de vitória - salvo se forem ungidos por Lula -, por mais que sejam bem articulados e devam crescer. Inclusive, penso que uma vitória deles, por mais que sejam bem preparados e qualificados, seria uma vitória de Pirro: dada as correlações de forças atuais e das expectativas que engendrariam, não durariam um ano no Planalto.
E Lula, enfim, a peça em torno do qual se move todo o tabuleiro político, eleitoral, midiático, judiciário, golpista - ele pode ser visto como agnus dei de direitos sociais e um projeto de nação independente. Costuma-se dizer que a diferença entre o veneno e o remédio é a dose. As elites brasileiras, ao que tudo indica, tem se envenenado bastante - e não apenas de agrotóxicos que ela bebe no almoço. Não há como negar o caráter político de Lula - mesmo que durante seu governo tenha sido usado, conforme acusam muitos, para despolitizar a população. Seu tom conciliador - esse que despolitizou a população durante seu governo - tampouco pode ser encarado como antissistema. Ou poderia. Quando se tem uma percepção geral - da esquerda à direita, dos alienados aos ilustrados - de falência das instituições, do sistema, e uma busca de alguém que rompa "com tudo o que está aí", se possível mantendo as partes boas, positivas, pode-se preparar um discurso de "eu sou contra", como Bolsonaro, ou pode ser apresentado em atos, sem necessidades de palavras, como esse pária do sistema - é o que tem sido feito com Lula. Lula é o cara contra tudo o que está aí,  não porque ele afirme sê-lo, mas porque as instituições o dizem, diariamente, em atos. Com uma vantagem: se "sabe", por conta de seus oito anos à frente da nação (quando o Brasil ainda era algo como uma nação e não mera pátria de chuteiras e enxadas high-tech), que ele também traz ganhos. Daí ver muitas pessoas na internet (sem formação específica nem capacidade de compreensão da realidade, mesmo de si própria) defendendo uma chapa Lula-Bolsonaro [http://bit.ly/2uFJxXe]. A implacável perseguição ao líder petista, aliado à narrativa da mídia e aos resultados do golpe perpetrado por mídia, judiciário, endinheirados e políticos têm feito Lula falar dia sim, outro também, mesmo preso, incomunicável: Lula se torna cada dia mais a afirmação da política contra o sistema de privilégios - o que era para ser veneno ao petista se torna remédio, cura até as lembranças das debilidades do seu governo. (Parênteses: se os partidos de direita definham por errarem na dose do antipetismo, a esquerda e forças progressistas precisam estar atentos para ganhar a batalha narrativa, e conseguir enquadrar a mídia, esse quarto poder sem freios ou contrapesos). Para minha surpresa, parece que foi acertado seu se entregar à polícia, apesar do julgamento injusto - e isso não apenas num plano de "a história me absolverá", mas de eleições 2018 -, assim como é forçar sua candidatura até o judiciário assumir mais uma vez seu lado, o golpe, e o ônus à sua imagem. Se deixarem o homem concorrer, sua vitória não apenas parece líquida e certa, como tende a ser acachapante - o que lhe daria mais poder de pressão para reformas profundas (finalmente!) assim que assumisse o poder, desarticulando as forças golpistas. Força que seria ainda maior caso tivesse sido dado a devida atenção às eleições legislativas - esquecidas pela esquerda, como sempre.
A questão agora é quem seria seu vice/plano B, para caso sua candidatura seja registrada e depois cassada. Há três nomes principais sendo alentados: Fernando Haddad, Jacques Wagner e Celso Amorim. Quão inserido no sistema deve aparentar seu vice? Ainda cabe esse tipo de avaliação, ou esse vice seria apenas o cavalo de Tróia do projeto lulopetista de volta ao poder e desarticulação do golpe? Haddad me parece o nome mais "Clinton" e Amorim o mais "Sanders", por dar a impressão de estar não apenas fora dos conchavos do poder, mas acima deles - uma espécie de Eduardo Suplicy sem filhos chatos e ex-mulher traidora. De qualquer modo, independente de quem seja o vice-alçado a cabeça de chapa, será acusado de "petismo" e de ser de "esquerda" - nossa mídia já mostrou incapacidade de reflexão, para notar que essa tática não funciona para além dos 30% que não votarão no PT ou na esquerda de forma alguma -, com fortes chances de vencer. 
É por essa sinuca de bico que, creio, Bolsonaro não será cassado: acreditava nessa possibilidade - até o chamava de "boi de piranha" - por ser um candidato que não agrada ao sistema, com pendências na justiça, e a cassação de sua candidatura permitiria não apenas tirar do jogo alguém que está na frente do Alckmin como tentar passar a imagem de judiciário isento, imparcial: cassou um candidato da esquerda como cassou um da direita. Questão que muitos brasileiros não compreendem o que é esquerda e direita, e vão ver apenas como mais um arbítrio contra alguém que é contra o sistema - e esses votos não devem ir para o PSDB, MDB ou partidos desse espectro.
Para encerrar esta análise de momento, duas observações gerais: da consumação do golpe até abril eu tinha seríssimas dúvidas sobre a realização das eleições. A derrota quase certa dos golpistas e o (des)arranjo institucional me faziam crer no seu adiamento - com qualquer desculpa esfarrapada por conta da intervenção militar no Rio de Janeiro -, ou na mudança do regime para semi-presidencialismo ou qualquer gambiarra mal feita. Creio ser graças a Donald Trump que nossas eleições devem ocorrer - a se conferir se sem grandes fraudes, se de repente Alckmin não dispara sem motivo nas pesquisas de opinião de institutos enviesados e acaba por vencer até mesmo o Lula: ao recusar a entrada do Brasil na OCDE, por falta de respaldo democrático, deixou claro que tipo de relação o Brasil teria caso insistisse na senda golpista (orquestrada pelos democratas ligados a Clinton e ao establishment estadunidense?), e acabou com qualquer clima para uma nova etapa no golpe, ao menos tão descarada.
Estamos aqui, desde sempre, discutindo eleições executivas, tratando as legislativas como perfumaria. O golpe parece não ter nos ensinado da importância de deputados e senadores - que seja das suas funções negativas. É urgente começar campanha de rua, de internet, de Fakebook, boca a boca, whatsapp a whatsapp, para candidatos progressistas ao congresso nacional, senado federal e assembleias estaduais. Se for eleito um congresso como o atual, e se o próximo presidente for do campo progressista, dificilmente conseguirá fazer muita coisa - que seja desfazer as absurdidades golpistas. Vai depender de ser um líder carismático com forte apoio popular, alguém com prática em negociações espúrias para compactuar com as raposas legislativas, ou vai ser derrubado em pouco tempo - na falta de crime de responsabilidade vale até acusação de não ter dado a descarga, é só pro-forma mesmo. Penso que a campanha para legislativo não deva ser uma semana, dois dias antes das eleições postar uma foto e declarar voto, mas desde o início, todos os dias, anunciar candidatos ao qual cabe conhecer melhor e votar.
Por fim, ainda me soa absurdo estar escrevendo isso como se estivéssemos numa democracia minimamente séria. Mas é preciso forçar: ou uma reforma que permita uma democracia de fato, ou mídia, judiciário, donos da grana, políticos, militares assumem de vez o golpe e o escancaram para o mundo.

17 de julho de 2018

quarta-feira, 9 de maio de 2018

"Vice-caução": sobre a função de Alencar e Temer nos governos petistas

É tendência no homem moderno olhar para o passado e reconstruir uma linha causal que não apenas explique como também torne quase que necessário o ponto onde se está. Talvez essa possibilidade passada de prever o que por fim ocorreu nos conforte de nossa angústia presente e nos faça imaginar que podemos, agora, predizer o futuro. Milan Kundera retrata bem esse comportamento em A insustentável leveza do ser, onde as personagens criam causalidades inefáveis, necessidades mágicas emaranhadas nas teias do destino desde quando a ingenuidade dos deuses criara o mundo (como dizia Guimarães Rosa) para justificar casualidades ordinárias.
Esse preâmbulo porque ao querer ver o golpe desferido em 2016 pronto desde 2002, desde que o PT ganhou as eleicões presidenciais, pode ser apenas um forçar causalidade onde há apenas eventos fortuitos. Não digo que em 2002 estava tudo planejado, as elites apenas esperando uma justificativa qualquer para encetar um processo de impeachment e uso abusivo da lei para perseguir adversários políticos convertidos em inimigos. Não estava planejado, porém estava nas possibilidades, e foi precondição para a vitória petista. A chave dessa interpretação está na figura do vice-candidato, seja José de Alencar, seja Michel Temer.
Em 2002, com o esgotamento do ciclo tucano-neoliberal, Lula via novamente grandes possibilidades de vencer a eleição presidencial - a exemplo de 1989. Era preciso, contudo, tornar o sapo barbudo palatável às elites. Daí a contratação de Duda Mendonça, a suavizada no visual com o Lulinha Paz e Amor, a generalidade no discurso "só você querer que amanhã assim será" e a Carta ao Povo Brasileiro. Não havia necessidade do cargo de vice ficar com José de Alencar, político de um partido pequeno - o PL, com 21 deputados -, para mostrar que Lula era paz e amor com o capital. Ainda que não um industrial, o partido possuía quadros capazes de passar a ideia dessa aliança, mesmo que menos enfaticamente - havia, por exemplo, Palocci, que na prefeitura de Ribeirão Preto já demonstrara ser amigão dos mercados, o "PT rosa". Que em 2002 fosse necessária essa mensagem,  ok, o PT ainda era um estranho no Palácio do Planalto, mas em 2006, já bem claro da conciliação lulista, poderia Alencar ter voltado ao senado e outro nome composto a chapa, inclusive um possível nome para sucedê-lo em 2010 - seria até mais "natural" do que a criação do poste-eleitoral que foi Dilma. O ponto de ter Alencar como vice é que o mineiro ficava como fiador do petista: se ele fugisse muito da linha que as elites traçaram como tolerável, bastava removê-lo e tudo voltaria à ordem, garantido por um dos seus. Foi também a função de Temer.
Oficialmente, Temer ser vice na chapa servia, principalmente, para ganho de tempo de propaganda eleitoral - entretanto, tempo por tempo, o PT poderia ter escolhido outro nome do PMDB, como do senador Roberto Requião, por exemplo, muito mais afinado com os ideais do partido. Entretanto, nem Requião, nem qualquer outro nome de esquerda, ou desenvolvimentista, foi alentado, do PMDB ou de qual partido fosse. O argumento de alguém com diálogo com os mercados, que passasse confiança ao capital, tampouco cabia: o coordenador da campanha de Dilma era Palocci, que já havia provado, sem deixar espaço para dúvida, sua total convicção neoliberal fanática. Era preciso alguém de vice do mercado para que este tivesse a faca sempre no pescoço da ex-presidenta.
Lula, conforme reportagem da época, preferia Henrique Meirelles como vice, de modo a ter um avalista menos sujo [http://bit.ly/2rrx9bD] (eu de início tinha escrito também "menos traiçoeiro", e ainda que seja verdade o "menos", o ex-tucano, rapidamente convertido a best friend petista e tão rápido quanto a grande estrela temerosa, mostra que suas convicções não possuem barreiras partidárias, e trairagem não é um desabono no seu léxico). Salvo ingênuos seguidores do pato, é sabido de longa data quem é Temer. Sua escolha não foi bem uma escolha, mas uma imposição - sob a ameaça de apoiar José Serra [http://bit.ly/2Il8j7T]. Tio Sam garantia ali um emissário seu no Planalto, mais cedo ou mais tarde - foi questão de surgir a oportunidade. Mais que isso: o vice-caução era do gosto da parte da elite alijada do poder central desde 2002: bastava a fabricação de um novo  escândalo como o do "Mensalão petista" e eles voltariam ao poder, sem precisar de aprovação popular - afinal, quem votou na Dilma votou também no Temer, como se a eleição fosse mera questão de escolha da cara, e não do programa.
Poderia ter sido diferente? Poderia o PT prescindir dessa aliança tão maléfica? Difícil dizer. Há muito dos bastidores que desconhecemos, que nos é escondido - por razões de Estado, por cálculo político ou por deficiência democrática, mesmo. Não dá para acreditar em Dilma quando diz que acreditava que ele era do "centrão democrático" [http://bit.ly/2I6C24U] - desde FHC, Temer sempre se moveu na base da chantagem rasa. 
Creio haver quatro fatores que nortearam essa aliança, que fez com que o PT aceitasse Temer (desde sempre caracterizado como o mordomo que irá cometer o crime, lembro de piadas do CQC nessa linha): 1) a leitura equivocada das elites brasileiras, predominante no partido, 2) a falta de experiência eleitoral de Dilma, 3) a desmobilização da militância petista e de movimentos populares, fruto dos anos Lula, 4) o poder intocado do oligopólio midiático, que já havia dado um golpe branco no PT, em 1989, e tentado outros quatro, em 1994, 1998, 2002, 2006 e tentaria de novo (como de fato tentou) em 2010; 5) a necessidade de manter uma saída rápida e ao agrado das elites, para que pudesse vencer as eleições, assumir e governar sem maiores dificuldades, desde que dentro do que as elites toleram. O PT, na "escolha" das alianças em 2010, começava a arcar com o alto custo de seus erros no governo - em especial na omissão de um enfrentamento aberto a determinados setores, mídia e oligarquias, em especial. Seria muito mais difícil construir a vitória eleitoral de Dilma sem Temer, mas até as tais jornadas de junho de 2013, a governabilidade do arranjo era satisfatória - o que legitimaria essa situação. Para 2014, houve um total equívoco de leitura do contexto nacional - coisa  primária, constrangedora -, que fez com que insistisse não só com Dilma para um segundo mandato, como com Temer, para "vice decorativo" e de permanente ameaça (ainda acho que parte da história é escondida por parte de Dilma e do PT, que culminou, inclusive, com a nomeação de Levy para .o ministério da economia). Diante de toda a instabilidade vivenciada desde 2013, um vice como Temer - mesmo desconhecendo seu pendor para Marcos Junio Brutus (ou para Pinochet, se quisermos uma referência mais atual) - era um preço excessivamente alto, praticamente impagável - de onde o PT ter de fato aceitado o impeachment sem usar todo seu potencial mobilizador.
Mas a questão que realmente importa agora é: em caso de eleições em outubro - e não sendo como as que elegiam Saddam Hussein no Iraque -, é possível um candidato progressista - Boulos, Manuela, Ciro, Lula - vencer as eleições e - fundamental - assumir e governar a partir de 2019? Ou será preciso aceitar um vice-caução, que irá assumir o poder se as elites se desgostarem do presidente? Se for preciso um vice fiador, qual o valor desse caução? Um Cunha? Um novo Temer? Um Meirelles? Um Skaf? Ou basta um nome mais light, um industrial da velha escola, daqueles que produzem algo e não apenas especulam no mercado imobiliário e financeiro? Mais importante: estão as elites (na verdade, algumas facções das elites) dispostas a uma nova conciliação com forças progressistas, e permitir um governo de esquerda, com ou sem vice-caução?

fevereiro-maio de 2018

quinta-feira, 29 de março de 2018

Só sobreviverá quem não reagir? Alckmin e os próximos passos do golpe

Ouso dizer que Alckmin é um dos principais personagens a ser observado para entender os caminhos que o golpe desenha para o futuro - para além dos que estão na ribalta. Sua declaração inicial sobre o atentado ao ex-presidente Lula, durante a caravana no Paraná, não parece ter sido um mero "escorregão", como classificaram alguns jornalistas. Teria sido se as eleições de 2018 fossem correr em condições normais - livres com tentativas de golpes brancos. Não é o caso. Por isso a fala de Alckmin pode sinalizar um cálculo político além do eleitoral.
Alckmin, é evidente, é o nome do establishment - econômico, midiático, judiciário-policial, político. Reparem que falo "nome" e não "candidato": ainda que tecnicamente lhe caiba a condição de candidato, de alguém que almeja um cargo, falar em candidatura daria a falsa impressão de normalidade democrática, com eleições livres e disputa aberta entre concorrentes. Ele é o nome porque já foi escolhido para assumir o Planalto em 2019, falta apenas achar um jeito de dar um verniz legal a essa escolha das elites.
Em novembro de 2017, quando Alckmin mostrou tirou do páreo Dória Jr, ficou clara a estratégia para dar legitimidade ao escolhido pelos donos dos poderes, ao emergir como o moderado, diante dos extremistas Bolsonaro e Lula (?!). Houve até aproximação desse político santo com a esquerda (?!) do seu partido - sinal a ser interpretado como altamente positivo, mesmo sendo evidente toda sua hipocrisia: nestes tempos em que o fascismo avança e esquerda se torna não apenas palavrão como condição suficiente para violência "legítima" contra o outro, fazer o papel de político aberto a dialogar e ouvir todos os lados é um exemplo de avanço civilizatório.
Mas, ao que tudo indica, esse avanço civilizatório é dispensável para os rumos que se pretende impôr ao país, e Alckmin pôde dar vazão a uma persona mais autêntica, ao dizer os tiros de ruralistas-fascistas contra a caravana de Lula eram a colheita daquilo que o líder popular plantara. Alguém que não tem apreço pela vida de uma pessoa não precisa de esforço para não ter apreço pela vida de mais outra. Alckmin, redundante dizer, nunca demonstrou maior respeito pela democracia (fora dos pleitos) e pelos direitos humanos, ao legitimar assassinatos extra-judiciais, por parte de seus subordinados, de pessoas inocentes (lembrem-se que num Estado de Direito, até que se prove a culpa, a pessoa é inocente), desde que fossem pretos pobres periféricos. Dizer que Lula colhera o que plantou foi apenas uma nova apresentação para seu "quem não reagiu está vivo", ensaiado dois dias antes pela "jornalista" Eliana Cantanhede, quando esta expressou sua preocupação com a caravana estar reagindo aos ataques sofridos - ataques legítimos, pelo que ficava claro no não-dito da frase. Sobrou por parte de outros políticos, expressar o pathos democrático surgido do golpe desde Curitiba: quem provoca pode apanhar e levar tiro - e por provocação pode-se entender querer fazer uso do direito constitucional de ir e vir por vias públicas de acordo com as leis de trânsito.
Contudo, não creio ser apenas o desabrochar da crisálida tucana, há ali cálculo político. A ida e vinda, de se desdizer no dia seguinte, não deixa de ser majoritariamente positiva para o bom moço da Opus Dei. Dois cenários justificariam a frase de Alckmin - e seu recuo.
O primeiro, mais positivo, vamos dizer assim, o governador paulista faz um cálculo visando as eleições previstas de outubro: sem Lula no páreo e ainda sem força para encostar em Bolsonaro (supondo que este também não será impedido de concorrer, possibilidade factível para dar verniz de imparcialidade ao judiciário), sua frase mostra o abandono do corte de político de centro para um mais à direita, imaginando que a disputa seria com Bolsonaro - se não pela vitória, por uma vaga no segundo turno. Seu recuo posterior pode ser reinterpretado na temporada eleitoral como um ceder ao "patrulhamento ideológico" das esquerdas - num segundo turno contra um nome progressista. Ou pode ser usado - se for para buscar votos na esquerda - como um mero lapso, e melhor votar nele que em Bolsonaro.
O outro cálculo que o governador pode estar fazendo seria o de agradar não o eleitorado geral, mas de um possível colégio eleitoral. É certo que não há nada na lei que fale em eleições indiretas para presidente, entretanto tampouco há o crime de não possuir um imóvel, e isso não impediu a condenação de Lula por não ter adquirido um imóvel que um juiz e uma emissora de tevê queriam que fosse dele.
A frase de Alckmin tanto contribui para a construção da narrativa da prisão de Lula - necessária até para a segurança do ex-presidente -, como o gabarita para uma eleição via congresso ou senado - que se não for o atual, será tão ou mais conservador, ao que tudo indica -, e o legitima perante as forças repressivas que detém o poder de fato no país (judiciário, polícia, militares). Em suma e em conclusão: o "quem não reagiu está vivo" deve ser a palavra de ordem dos golpistas, com o ponto que quem define o que é reação são os reacionários - como reportagem sobre a caravana de Lula no Rio Grande do Sul, quem foi armado intimidar partidários do ex-presidente foram policiais da brigada militar [http://bit.ly/2Ijhxha], se um destes tivesse reagido, teria pedido... como pediu a democracia, ao reagir contra o 1% dando voz à população, reagiu: foi alvejada, e agora luta para não morrer. Bem feito.

29 de março de 2018




segunda-feira, 12 de março de 2018

Lula (e o Brasil) em aporia

Fico a imaginar o tamanho do drama que vive Lula por estes dias. Sua prisão é certa: assim como o TRF-4 e o STJ, o STF é um teatro, não um tribunal, as falas já foram dadas de antemão - e não estão na constituição ou qualquer código do direito nacional. A demonstração de que o golpe não faz concessões ao populacho, com a encenação do TRF-4 em janeiro, mesmo com toda a pressão popular, teve o esperado efeito de reduzir essa mobilização. A insistência na narrativa das (previstas) eleições de outubro corroboram com a desmobilização: "perdemos agora, mas daremos o troco nas urnas". Duro que estamos sempre esquecendo de combinar com os russos, digo, com a elite brasileira. Com a rua limpa, mandar a polícia levar o ex-presidente, ainda que traga o perigo de uma convulsão social, seu risco é menor do que um ano atrás; e Lula na prisão não poderá ser cabo eleitoral de ninguém.
No fundo, cabe a Lula agora decidir se será preso ou resistirá, e se tal resistência será baseada na mobilização popular e num frágil escudo humano ou em um pedido de asilo político no exterior. Está numa aporia: qual seja sua escolha, arcará com perdas. Não vejo mais que essa três alternativas - por parte dele, nunca duvidemos de uma ainda maior radicalização das elites (Paulo Henrique Amorim já há um bom tempo tem alertado para ações mais drásticas da direita e seguidores fanáticos do Pato).
Preso se tornará um mártir, o Nelson Mandela destes Tristes Trópicos. Acontece que Lula não tem mais idade para ficar vinte anos na prisão e depois ainda retornar para ser presidente. Sem contar que estamos num estado de exceção. Sua prisão pode durar só até passarem as eleições, ou pode se tornar prisão perpétua: depois do triplex, o condenam pelos pedalinhos, pelo Instituto Lula, pelas greves de 79-80: não há prescrição de crime quando se julga um inimigo político em "tempos excepcionais", e não há lei que não possa retroativamente criar crimes (ou absolver criminosos amigos). Se preso, Lula não poderá fazer campanha para  seu candidato nas (imaginadas) eleições de outubro, ou seja, não poderia dizer qual será um dos nomes que estarão no segundo turno. Passará a mensagem de republicanismo, de respeito às instituições e às leis do país, mesmo que sejam injustas - assim como quando teve o passaporte apreendido. É uma mensagem pacifista, de crença na possibilidade da mudança por dentro, porém, ao mesmo tempo, uma exemplo de conformismo. E àquele jargão que muitos gostam: "a história julgará", não é mais que discurso dos que fracassaram e desistiram, pois a história se faz agora.
A possibilidade de resistir à prisão traz mensagem no sentido oposto: de que a um judiciário injusto (não se pode sequer falar em leis injustas neste caso) não nos resta outra coisa que a desobediência civil, o não cumprimento de suas ordens; de que a uma situação injusta se deve lutar por todos os meios. A possibilidade de permanecer no país e ser defendido pelo povo pode trazer grandes abalos sociais, mártires anônimos, mas com pouca possibilidade de reverter a prisão. No exílio, tentarão impingi-lo a pecha de covarde, a chance de convulsão social é menor, e a possibilidade de interferir nas eleições permanece.
Desconfio que Lula esteja pesando qual saída escolherá - bem gostaria que ele achasse alguma outra, mais alentadora. Ainda que seja um grande homem público, de aguçado faro político, Lula não é infalível, sendo que, sem dúvida, sua maior falha foi na avaliação das elites brasileiras, na qual baseou tanto sua política de acomodação política quanto sua política econômica: não é um Romanée Conti que te faz ingressar na elite tupiniquim, e sim a rejeição ao povo e a tudo o que é brasileiro. Pela dimensão que teve, e que ainda foi acrescida com toda a perseguição atual, Lula precisa abandonar o republicanismo e o respeito às instituições - se o próprio STF não cumpre a constituição, porque ele deveria cumpri-la, prejudicando de si próprio e a todo o país? Essa luta perdida (ao menos para agora), deve deixar para o PT, que é um partido institucional e deve pautar sua luta dentro da legalidade e dos princípios democráticos e republicanos - seja lá o que isso signifique no Brasil. No futuro, Lula estará entre os maiores da história da América, não resta a menor dúvida quanto a isso, o que precisamos é que ele permaneça ativo na história agora, antes de mártir, precisamos de sua liderança.



12 de março de 2018.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Desabafo impotente para um dia crítico

Acreditei por um instante que haveria uma mínimo de bom senso no TRF-4 no julgamento de Lula. Não digo justiça - e talvez o placar de três a zero tenha sido bom para eu não me iludir quanto a isso -, acreditava em algum bom senso dos juízes diante dos próprios interesses: como muitos analistas políticos e mesmo analistas financeiros menos cabeça de planilha tem dito, Lula é a saída mais barata para a crise - sua ameaça de radicalismo não iria além de um reformismo republicano em um ou dois setores mais visíveis, com conciliação com o resto da elite. Era com esse bom senso que eu contava, não com justiça. Achava que mesmo a despeito de todo o corporativismo judiciário, um dos desembargadores teria um mínimo de consideração pela Constituição Federal e pelas leis do país - pelo direito moderno, que seja -, e votaria pela absolvição, afinal, justiça é feita com base em provas e não em convicções pessoais de magistrados - digo, isso no mundo dito "civilizado". Nossas elites empurram o Brasil para o abismo porque crêem que antes de caírem todos, os mais fracos vão aceitar ceder tudo - ou se não aceitarem, serão os primeiros a serem jogados abismo abaixo pelas forças da lei e da ordem. Esquecem-se que a lei e a ordem, a partir de agora, nesta terra sem rei e sem lei - mas com fé, uma fé que se não move montanhas, queima hereges e não hesitaria em empalar Jesus Cristo -, é de quem grita mais alto; e ainda que as chances sejam pequenas, nada impede que a lei e a ordem - num contexto revolucionário fora de controle - mude de direção e os primeiros a serem empurrados sejam o que hoje se julgam protegidos - pelo Estado e seu aparato repressor (do qual fazem parte), apoiados por seguranças privados, carros blindados, condomínios fechados. Essa violência, um horror!, e nossas elites sem entender porque a horda dos perdedores tem tanta raiva dessas pessoas de bem, sempre olhando para o bem de todos, muitas vezes em detrimento do seu bem próprio... ou, se formos sinceros: praticam o bem para si próprios em detrimento do seu próprio bem. Soa ilógico? A "sentença irrepreensível" de Moro nos mostra que lógica não é o que juízes tupiniquins têm de melhor - ainda que seja invejável diante de seus conhecimentos de direito moderno, e toda sua indigência intelectual e cultural. O judiciário, que antes de resolver assumir a cabeça do golpe, de capitão do mato, ainda conseguia manter uma aura de poder razoável, respeitável, com seus pontos fora de curva - simbolizado por Coronel Mendes, no STF -, se desvela como um poder corrupto, mesquinho, corporativista, sem qualquer interesse pela nação, muito menos pela sua população - com alguns pontos fora da curva. Por falar nisso, um judiciário corporativista - o voto foi político e corporativo, já que não havia base jurídica, sequer base lógica para sustentar a sentença de Moro -, uma mídia corporativista, um legislativo corporativista, políticos de centro-direita que agem com espírito de corpo, grandes empresas idem... não sei, alguma época na história tinha o Estado baseado em corporações - com a diferença que na Itália dos anos 1930 a massa da população, ainda que não toda, era incluída como cidadã desse estado corporativista; nestes Tristes Trópicos do século XXI tem acesso à cidadania plena somente os sinhôs da casa grande e alguns escolhidos, ignorando que a senzala fica logo à porta, os escravos trabalham também dentro da própria casa grande, e não são poucos. Se valem de que nunca houve problemas com revoltas maiores da criadagem para crer que nunca haverá. Não sei se será agora (não me parece), mas a bomba está armada. Como já escrevi: "primeiro o golpe formalizou o Apartheid, com as reformas trabalhistas, dos gastos públicos e (para breve) da previdência; agora, com a condenação do Lula, nos premia com nosso Nelson Mandela para estes Tristes Trópicos. A elite tupiniquim e seus asseclas queria ser EUA, Europa Ocidental, mas o Brasil não passa de uma versão hipócrita da África do Sul dos anos 1950". Claro, algo nos distingue da África do Sul do século passado: estamos discutindo se a Terra é plana e se pretos pobres e periféricos seriam humanos e possuiriam alma, ou podem ser mortos feito frango de abate - os índios, esses já foram declarados não-humanos, aptos para serem caçados ou confinados em zoológicos para visitação pública. 24 de janeiro de 2018: o judiciário proclama de vez seu golpe - são os novos capitães do mato, em favor dos donos do poder de sempre -, confirmando sem nenhum pudor sua neoditadura (ou seria ditabranda, conforme o ditadômetro da Folha?). A sensação que eles querem passar à população é de impotência - porque sabem da potência que o povo é capaz de ter. Muita coisa está fora da ordem, cabe resistir e lutar por um amanhã que não seja a continuação de hoje.

24 de janeiro de 2018

PS: Em tempo, tenho cantado que não vai ter eleição de verdade em 2018 desde agosto de 2016, ao menos (http://bit.ly/2rEEJTw)

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Retrato de momento para 2018 (se houver eleições)

Capas da Veja, da Isto É, da Isto É Dinheiro, entrevista na TV Bandeirantes: a direita do atraso dá mostras de agir coordenadamente com vistas a 2018, tanto no plano partidário quanto midiático - ainda chamado de jornalístico, quando na verdade é mera agencia de publicidade oficiosa de interesses razoavelmente bem definidos e pouco falados.
Em tese é um tanto cedo tentar traçar um cenário para 2018, ainda mais quando nem se sabe haverá eleições e em que condições elas acontecerão - se terão relevância maior ou menor para o país -, contudo, mesmo assim, parece importante mapear estratégias - da esquerda e da direita.
Começo pelo campo mais bem organizado, a direita.
Há mostras de medo da possibilidade de Lula vir a concorrer, sem ser impedido pela justiça. Certamente esse medo vem não pela questão da justeza da justiça, que isso ninguém mais tem dúvidas, mas por possível cálculo político desta, e notar que barrar Lula seria jogar o país em um estado de confronto social que exigira a presença do exército - o que implicaria em pôr o judiciário em segundo plano, fazendo com que a casta perdesse muito do poder político que hoje possui. A questão que permeia o judiciário, ao que tudo indica, é se é melhor um presidente do qual não gosta mas está acuado e tentando reagir, ou um "presidente" mais afim aos seus propósitos que, pelo argumento das baionetas, vai enquadrar o judiciário.
Enquanto o judiciário não se decide, resta tentar desqualificar Lula - mais um pouco. Isto É ataca mais genericamente, anuncia que "começa a cedo a campanha da mentira" (certamente quem lê essa revista não vai notar que a campanha da mentira está a galope desde 2014, pelo menos), pondo no seu site Lula, Ciro, Bolsonaro e Marina (ela ainda está viva?). Bola levantada para, na mesma semana, Veja ("A política que assusta") e de Isto É Dinheiro ("Eles assustam o mercado") chutarem. Ambas tentam criar uma polarização não mais entre PT e PSDB, como de 1994 até 2014, mas entre Bolsonaro e Lula, com um sendo o antípoda exato do outro - dois extremistas, um de direita, outro de esquerda. Vamos assim descobrindo que a função atribuída pelos donos do poder a Bolsonaro é a de boi de piranha - função cumprida por Russomano nas últimas duas eleições de São Paulo. A questão é se vão conseguir pôr o monstro de volta na caixa, uma vez Bolsonaro não é um apresentador televisivo com discurso genérico, e as ideias que defende começam a ecoar na sociedade e nos grandes partidos - Doria Júnior que o diga.
Bolsonaro tenta se gabaritar como político sério, o que é muito difícil de conseguir. É político de discurso de extrema-direita belicista, sem qualquer proposta legislativa ou sucesso de vida para mostrar e sem qualquer estofo para discutir questões nacionais. Ganha destaque em certos estratos sociais mais altos, por se pintar como anti-político, por "dizer o que pensa" (como se pensasse), porém, já disse alhures, sua verve belicista não me parece encaixar no ethos da maioria tupiniquim, seu patriotismo se encerra na caça ao inimigo interno, e sua tentativa de formar uma equipe econômica o leva para se tornar uma espécie de Doria Júnior Troglodita e fracassado, um PSDB Jr. Talvez a grande validade da sua candidatura seja cacifar-se para barganhas futuras.
Por falar no João Trabalhador que usa o cargo de prefeito (prefake) para se promover, este claramente recua da estratégia adotada desde a eleição do ano passado. Portas fechadas no DEM e sem ânimo para arriscar no Novo, se adequa ao novo figurino PSDB-Mídia. Ademais, deve ter sido avisado pelo seu pessoal de marketing que sua administração (que ele chama de gestão) catastrófica à frente de São Paulo vai desqualificando-o para qualquer novo vôo político, e que na disputa pelo coração anti-petista como o mais bronco, machão e valentão da boca para fora, o almofadinha que joga flores no chão não é páreo para o ex-militar que faz flexão de pescoço [https://youtu.be/4RSs-6XeIrI]. Para anunciar sua nova fantasia, duas horas de publicidade travestida de entrevista na TV Bandeirantes, onde ele reafirma o mito de PSDB de centro, põe a si como alguém cordato e de centro, e se vangloria de sua humildade em aceitar ser vice de Alckmin.
Nessa briga de raposas, a velha raposa Alckmin parece estar mostrando ao seu pupilo que a coisa é menos simplória do que o "self-made man com dinheiro do papai e do erário público" e seus marqueteiros imaginavam. O bom moço da Opus Dei e da pena de morte extra-judicial autorizada para seus subordinados ("quem não reagiu está vivo"), começa a tentar se situar mais à esquerda do seu partido, como a provar seu centro, de equidade diante dos extremos (Lula e Bolsonaro), e participou recentemente de evento de corrente de esquerda do PSDB (?). Não dá para acreditar que seja algo além de estratégia de marketing, porém o gesto não deixa de ser importante para o momento atual de florescência neofascista. Se esse caminho de moderação fortalece Bolsonaro por um lado, por outro o isola ainda mais e ajuda a romper com a radicalização plantada pela mídia até agora. Em afinidade com essa mídia, a construção do bom moço firme de centro pode garanti-lo como nome da direita, sem espaço para aventureiros (pretendo escrever mais sobre esse movimento de Alckmin em outra análise).
Outro que ameaça despontar, parece estar apenas aguardando o melhor momento, é Luciano Huck, pelo DEM. Esse melhor momento deve ser o mais próximo possível das eleições: quanto menos se expuser enquanto candidato, menos chance de ser "desconstruído". Ventila seu nome vez ou outra, mas não sai em campanha. Ao mesmo tempo que é sua inspiração, Doria Júnior pode ser o seu calcanhar de Aquiles: se se forçar uma similitude entre os dois apresentadores, os resultados do João Trabalhador à frente da prefeitura podem desmerecer o novo não-político na disputa. Por seu lado, diferentemente do discurso de gestor, self-made man de sucesso, tecnocrata, Huck pode vir com discurso mais família: o bom pai de família, carinhoso e atencioso (sic) com a mulher e os filhos, ao mesmo tempo alguém que conhece os problemas do povo mais simples, nos seus anos e anos de quadros com assistencialismo hipócrita em seus programas, ou seja, alguém que sabe ser carinhoso e compreensivo, que gosta de ajudar a todos, e, quando preciso, sabe ser duro e firme para evitar que o filho se perca em seu caminho.
Marina Silva perdeu completamente o tempo político. Queimou pontes com eleitorado progressista ao apoiar Aécio "Um que a gente mata antes da delação" Neves em 2014 e ao se ausentar das grandes questões ambientais desde então. Na verdade, ao se ausentar de praticamente toda questão desde então - e quando apareceu foi discretamente, para ficar em cima do muro, queimando também as pontes com a direita. Agradava a um eleitorado reacionário que gostava de posar de prafrentex porque compartilhava denúncias de desmatamento na floresta amazônica (ao mesmo tempo que aplaudia e apoiava o agronegócio), porém é pouco para uma candidata à presidência. Talvez ainda imagine que possa ser alçada à condição de grande líder do centro, na falta de nome melhor, mas há muitos nomes para a vaga, e uma mulher negra do norte nunca será a opção preferencial das elites brasileiras.
Não me parece que Henrique Meirelles, Rodrigo Maia ou algum nome do PMDB sejam atores relevantes na ribalta - o são, sem dúvida, nos bastidores, e não será surpreendente se embarcarem em um candidatura de direita e, diante de uma vitória evidente de Lula, trocarem de lado no meio do processo eleitoral.
No espectro da direita, da reação, a estratégia está mais ou menos traçada, até para o caso mais terrificante (Lula poder disputar a eleição; na ausência desse, imaginam que vencerão fácil, pelas urnas ou pelos coturnos), no campo progressista e/ou de esquerda, os cenários e estratégias estão ainda sendo rascunhados, aparentemente com desorganização e velhas falhas, com o narcisismo das pequenas diferenças aflorando com vigor.
Lula, Ciro, Manuela D'Ávila (PCdoB), e Psol (por ora com Boulos) são os nomes ventilados neste campo. As discussões internas ao espectro já começaram: traição, favorecimento das direitas, necessidade de candidatura única - conversa muito similar à eleição de São Paulo, quando Erundina decidiu disputar a prefeitura. Vale lembrar que nesse caso, não fosse Erundina e seria bem provável que a vitória de Doria Júnior no primeiro turno seria ainda mais acachapante. Falta à esquerda entender que primeiro turno é momento de todos apresentarem suas ideias. O grande ponto é evitar o que Erundina fez ao menos em um debate de 2016: bater na própria esquerda. Candidatos próprios, com propostas independentes, mas o compromisso de cerrar fileiras contra a direita e os golpistas, denunciando os retrocessos sociais aprovados por Temer, PMDB, PSDB e demais, evitando ao máximo críticas dentro do espectro - por mais que sejam críticas pertinentes e em grande medida necessárias -, deveria ser esse o compromisso dos candidatos deste campo.
Muitos dizem que essa fragmentação das esquerdas, em especial com a possibilidade de candidatura própria do PCdoB como decadência do PT, perda de seu poderio. Não é o que demonstram pesquisas. Apesar de todo o ataque, Lula segue com um terço do eleitorado, e o PT ainda é o partido mais admirado. É de acreditar, contudo, que muitas pessoas fiquem em silêncio diante de toda essa campanha de massacre midiático, mas votem no partido que trouxe grande melhoria na sua qualidade de vida - um voto racional. À pecha de corrupto, haveria a alegação de que todos são, mas o PT faz; ou mesmo o descrédito de todas essas denúncias - uma mentira repetida um milhão de vezes se torna uma verdade, dizia Goebbels, mas é preciso saber mentir com propriedade, ou o efeito pode ser o oposto. Ainda sobre a tal decadência, vale lembrar que o PT nunca foi unanimidade - nem mesmo no próprio partido, havia correntes contrárias aos rumos do partido -, e apesar de talvez ter perdido a hegemonia no campo da esquerda, o PT segue como principal força.
PT como principal força, e Lula como principal candidato. Além do risco da condenação em segunda instância, o judiciário já deu mostras de querer podá-lo por outros caminhos se for necessário - como a acusação no TSE de campanha antecipada, por conta da sua caravana. Se não o condenarem, a campanha mal feita para torná-lo a encarnação do mal irá levá-lo à presidência - salvo algum outro golpe muito baixo, o que não deve ser descartado. O PT diz não trabalhar com plano b, porém é evidente que Haddad figura como alternativa natural - e, contrariamente a Dilma, um quadro politicamente capacitado. Faz caravana com Lula e dá entrevistas - se não for para presidente, é nome forte para o governo de São Paulo, sem nenhum grande nome até agora, visto que Doria Júnior seria um dos nomes, mas resta saber se vai conseguir reverter a deterioração de sua imagem.
Ciro Gomes (PDT) costuma ser posto no campo progressista. Tenho várias reticências quanto a isso, mas diante do quadro atual do Brasil, sim, ele é do campo progressista. Ciro é um candidato que perdeu seu momento. Se conseguir deslanchar, não precisará de nenhuma nova frase infeliz: as que possui já são suficientes para fazer com que naufrague, como em 2002, quando sua frase infeliz sobre o papel de sua esposa nas eleições custou-lhe não apenas a liderança nas pesquisas como a participação no segundo turno. Para 2018, já soltou a frase infeliz sobre o momento testosterona e Marina - convenientemente descontextualizada e manipulada à esquerda e à direita -, e novas devem vir, se deixarem ele falar. Teve sua segunda chance em 2006: se se anunciasse como um voto crítico à esquerda ao governo Lula, poderia ter se gabaritado para 2010. Manteve-se leal ao líder, e agora tenta se descolar de um modo até raivoso. Pelo momento atual, novembro de 2017, não entra em 2018 para vencer. Na verdade, fora do PT ainda não apareceu nome algum cuja vitória na eleição (se houver) seja factível.
A exemplo de todas as outras eleições, o Psol deve lançar candidatura própria. Desde sua criação é  bastante claro a quem quiser ver com alguma imparcialidade que o Psol é uma dissidência intelectual-acadêmica do PT, um PT sem base social. Promete começar a mudar essa escrita - finalmente - em 2018, ao aventar o nome de Guilherme Boulos, do MTST, como candidato. Com remotas chances por enquanto, sua presença seria um grande ganho para o debate, dado seu histórico de militância e sua sólida formação intelectual, ao trazer um líder de um movimento popular em plena efervescência para o centro do debate eleitoral.
O PCdoB, surpreendendo a muitos, pretende lançar a deputada gaúcha Manuela D'Ávila. Outro nome que deve enriquecer o debate - desde que saiba quem atacar, e não tente disputar eleitorado na base de desqualificação de quem está mais próximo. Gilberto Marigoni, do Psol, louvou a pré-candidatura, chamou de "desprendimento grandioso" a troca de uma eleição certa para a câmara dos deputados por uma candidatura com remotíssimas chances - diz o professor acadêmico que essa troca é importante para discutir projetos de país. Ouso discordar de Maringoni. Por mais que a política brasileira seja altamente personalista, é de se questionar se precisamos aceitar esse padrão. Convém lembrar que a eleição de Collor ao senado, em 2006, pode ser creditada na conta do Psol e de Heloísa Helena, mesmo que indiretamente; e se se trata de discutir projetos de país, é de se imaginar que o PCdoB possua um projeto para além de quem seja o candidato. 
Esse desdém para com o legislativo (e, consequentemente, com as eleições para deputado e senador) mostra o quanto a esquerda ainda patina em estratégia para 2018 (caso haja eleições). Vencer a majoritária e acabar refém de um novo Eduardo Cunha e de uma câmara reacionária como a atual será uma vitória de Pirro - a história recente do país deveria ter nos ensinado, porém ignoramos. Enquanto a direita trabalha também candidatos para o legislativo, com MBL, ou o tal do "Fundo Cívico" de Huck, Diniz e Guanaes, a esquerda abdica de nomes capazes de trazer votos - e coerentes com as bandeiras progressistas: alguém do naipe de um André Sanchez (que recentemente propôs a cobrança de mensalidade no ensino público), é um desserviço que se presta ao país (neste caso, o PT, mas Psol, PCdoB, PDT não deixam nada a desejar nesse quesito) -, em nome de campanhas propositivas e com poucas chances de vitória. Diante de todos os retrocessos sociais vividos desde o golpe, a esquerda não pode se dar ao luxo beletrista de promover o debate em detrimento de vitórias efetivas - até porque o debate pode ser conduzida por outra pessoa, sendo o próprio Maringoni um exemplo de ilustre desconhecido que disputou eleição majoritária.
Como disse, trata-se de um panorama do que se projeta a partir de um momento bem específico: novembro de 2017, e uma nova estratégia da direita e da mídia para o PSDB. Até a eleição, cabe antes garantir que ela acontecerá, e acontecerá sem um golpe judiciário - ou seja, que fique apenas suscetível a um golpe midiático branco, a exemplo de 1989, 1998, e do que se tentou em 2002, 2006, 2010, 2014. E além de pensar em disputa institucional, é preciso encontrar modos de ampliar a mobilização popular, na tentativa de evitar maiores retrocessos e engajar as pessoas nas eleições, ou mesmo na sua defesa. Se parte da esquerda permanecer deitada em berço esplêndido esperando a eleição chegar, quando se der conta, mesmo que ganhar a presidência, não vai ter muito mais a fazer que administrar o caos e os cacos de um resto de país.

09 de novembro de 2017

sexta-feira, 25 de março de 2016

Breve pausa para novo ataque golpista [O Brasil em tempo de cólera e golpe]

O refluxo golpista desta semana, antes de comemoração inspira atenção. Não que seja uma retirada planejada - parece antes que foram realmente surpreendidos e tiveram que recuar momentaneamente -, mas certamente algo planejam, pois a aposta que fizeram foi alta demais e é difícil - se não impossível - voltar atrás.
Insisto na minha tese de que a entrada de Lula no governo, ainda que passado o momento ideal, foi um contra-golpe genial num golpe que já era considerado como certo por tucanos e marinhos [http://j.mp/cG160316]. Noto pela cobertura da imprensa internacional: até a entrada de Lula no governo, a narrativa estrangeira seguia muito próxima da linha da Grande Imprensa brasileira, tratando a crise brasileira como uma conjunção de crise econômica com crise política causada por um escândalo de corrupção. Desde a semana passada a imprensa internacional vem se descolando da narrativa golpista e buscado entender melhor o que se passa. Ainda falam da crise financeira e da Petrobrás - elas existem, a despeito de qual seja a causa -, porém não tardam a notar que há um quarto poder extra-legal e extra-constitucional no Brasil, que derrotado na vitória tida como certa em 2014, decidiu fazer valer sua vontade, democraticamente apresentada ao país em horário nobre. A desfaçatez é grande demais, a ponto de muitas vezes virar piada: na linha sucessória de uma presidenta chamada de corrupta apesar de não ter nenhuma acusação contra si, notórios corruptos; na oposição, o partido que criou as práticas perpetuadas pelo PT e seus satélites extremistas e limpos como a água do rio Tietê depois de vinte anos e mais de um bilhão de dólares em despoluição. Em tom de sarcasmo ou de denúncia, ficou difícil justificar o golpe ao mundo "civilizado", ou mesmo aos nossos vizinhos argentinos. No plano interno, o PMDB segue discutindo o novo governo, como forma de abastecer o noticiário de fofocas, e tucanos já até prepararam uma festa de inauguração do Novo Governo em Portugal, num pretenso congresso de direito. As ameaças de Temer e Cunha já não causam o mesmo frisson de quinze dias atrás - Lula articula com os principais caciques da sigla, e o silêncio destes tem sido suficiente para não permitir sorrisos largos de Bonner e congêneres na cobertura da crise política. Dilma, por seu turno, saiu finalmente para o combate, e denuncia dia sim, outro também, o golpe em curso, tentando acuar os golpistas. Entretanto, o principal trunfo no plano interno do contra-golpe foi a força demonstrada nas manifestações contra o golpe e pela democracia organizada pelo PT, dia 18: ali ficou claro aos golpistas que haveria enfrentamento sério, e por mais que eles queiram dizer que mobilizaram mais pessoas no domingo, sentiram no moral o desmoronar da crença global de que eram praticamente unânimes.
O alerta de que vêm mais golpe baixo por me despertou uma mensagem no Fakebook de Eduardo Kawamura, que desconheço quem é e o que faz:
"Spoiler: O novo governo já está planejado. Ele até será defendido em Portugal no final de março (aliás, com o nosso dinheiro). Há quem tenha ficado feliz com os editoriais dos grandes jornais afirmando o caráter 'perigoso' da atuação do Moro para o estado democrático de direito. É apenas a terraplanagem do golpe. O governo Dilma cai, a Lava Jato será duramente questionada pela imprensa, a Lava Jato acaba... Ninguém contava, porém, que alguém iria divulgar a lista da Odebrecht que inclui TODO o 'Novo governo'. A imprensa terá muito trabalho para fazer a lista desaparecer da memória dos brasileiros (ou não)."
Realmente faz muito sentido: as manifestações de domingo, dia 13, seriam a comprovação da vontade popular de fim do ciclo petista - e praticamente do PT - e a volta dos homens direitos e probos e da meritocracia (ganha mais quem pode mais). O juiz/justiceiro/jagunço Moro já havia alcançado seu objetivo e era hora de fingir distanciamento e denunciar exageros pouco antes do golpe, para quando consumado, dar um fim a qualquer perigo a quem não fosse petista, e atestar que não era de ocasião a crítica à Lava Jato. As ruas dia 18 contradisseram os donos da voz, Odebrecht denunciou mais do que a Lava Jato queria saber (ainda não se sabe se as doações são legais ou ilegais, vale ressaltar), o vazamento seletivo vazou errado, Janot deu uma prensa em seus subordinados e Teori Zavascki decidiu pôr um freio ao coronel Gilmar Mendes (eu ainda me pergunto o que falta para tirar esse criminoso do STF e julgá-lo como ele merece) e seu pupilo paranaense. O pior para os golpistas não é isso: como disse, a aposta na queda de Dilma foi alta, e está difícil dar o passo atrás: a manutenção da ordem democrática pode significar não o fim do PT, mas o fim do PSDB (com possível crescimento de uma extrema-direita puro sangue, como o PSC); o corte de vez de verba federal para a imprensa que tentou derrubar Dilma (a tentativa da presidenta, ao assumir, de fazer as pazes com essa imprensa através de publicidade oficial merecia ser destacado ao fim desse imbróglio todo), além do acirramento de cobranças pela cassação da concessão pública da rede Globo.
PSDB, coronel Mendes, Rede Globo e demais patrocinadores do golpe têm muito a perder com a manutenção da democracia e não vão, portanto, se entregar tão fácil. Não consigo imaginar os próximos passos, gostaria de estar errado, mas penso que logo vem mais chumbo grosso contra o PT, a esquerda e a democracia.


25 de março de 2016.


segunda-feira, 21 de março de 2016

Esperando o primeiro cadáver [O Brasil em tempo de cólera e golpe]

Eu bem gostaria de dizer que os próceres do golpe encenam uma peça de teatro do absurdo, mas seu irrealismo ganha realidade no moderno aparato espetacular: a realidade material é secundária diante de interpretações fantasiosas, esquizofrênicas, paranóicas que a Grande Imprensa - rede Globo à frente - oferece para o consumo acrítico de parte da população. Praticando com esmero os ensinamentos de Goebbels, a mentira repetida um milhão de vezes ao dia se tornar verdade a uma parcela significativa da população, que se perdeu da realidade em teorias universitárias e jornalismo-novela; seu consumo, contudo, não é passivo: tem gerado reações extremistas em pessoas que vêem um futuro de herói nacional ao agirem com mais realismo que o rei.
O PSDB assumiu a dianteira do golpe, mesmo depois de serem escorraçados do ato que promoveram - acreditam, com base em si próprios, que o que aconteceu com Carlos Lacerda não acontecerá com eles, e tanto o judiciário quanto o povo (que não os elegeu) os carregarão nos braços, no dia da redenção golpista, no dia da rendição da democracia.
Em almoço José Serra e Gilmar Mendes parecem ter decidido os próximos passos do golpe - indiferentes ao que se passa nas ruas das cidades do país. Não encenam teatro do absurdo: brincam de jogo de estratégia em tempo real, algo como Warcraft, sem se importar que as forças que mobilizam são pessoas de carne e osso e não exércitos impalpáveis. Com a justiça preocupada em dar verniz legal ao golpe e não em agir como poder o mais próximo da neutralidade, logo menos deve aparecer o primeiro cadáver do discurso de ódio da rede Globo e seus asseclas - e nada garante que será o único. Não que seja novidade: o discurso de ódio contra minoria há tempo produz vítimas, só não era tão democrático como agora, a englobar qualquer pessoa que use vermelho, mesmo que seja camisa da Coca-Cola.
A decisão de Gilmar Mendes de devolver o processo para o justiceiro de província, Sérgio Moro, deixa o Brasil na beira de um conflito civil. As manifestações de sexta-feira, dia 18, na avenida Paulista e em diversas cidades brasileiras foram uma mostra de que haverá resistência popular ao golpe. Os neofascistas da "morolidade global" até então se sentiam legitimados em apedrejar qualquer Maria em nome de Jesus, quem sabe agora passem a apedrejar eventuais viventes que decidam imitar o filho de deus - agora que sabem que são a maioria, como o eram desde as eleições, a despeito do discurso da Grande Mídia e dos golpistas - e pedir um mínimo de bom senso. Acontece que nenhum é Jesus e é provável reações da turma da democracia.
Mas a situação pode piorar para além de brigas de rua entre proto-gangues neofascistas e anti-fascistas: Geraldo Alckmin deixou explicitado que usará a Polícia Militar de São Paulo como milícia pró-golpe a serviço do projeto de poder do PSDB-Globo-judiciário: já havia sido constrangedor o tratamento diferenciado dado aos seguidores do Pato da Fiesp, que bloqueiam por 40 horas a avenida Paulista sem serem incomodados (em compensação, se é adolescente reivindicando educação, dez minutos de interrupção de via pública é motivo para espancamento geral da gurizada, sob aplausos da mesma classe-média que apóia o golpe); a forma como a polícia militar interveio na PUC-SP nesta segunda, em que apenas observava o protesto dos alunos quando era pró-golpe, e mudou drasticamente de atitude quando esses foram calados pelos pró-democracia, com direito a balas de borracha, bombas de efeito moral e tratamento de choque para proteger neofascistas, mostra que Alckmin não tem qualquer compromisso com a ordem pública ou com a segurança dos cidadãos (o que não é novidade para um governador que estimula assassinatos extra-judiciais por parte de seus comandados), pelo contrário: são as ações de sua polícia que na grande maioria das vezes instigam a desordem e a violência - palavras de ódio e incitação à violência, tudo bem, reivindicar direitos ou exigir respeito à democracia, aí vira baderna, tudo homologado por Datenas, Bonners e afins.
Já desde ano passado comento que o exército está com muita vontade de entrar no palco e resolver a situação. Entretanto, contrariamente ao que pedem golpistas e porta-vozes da Grande Imprensa, as forças armadas não vão derrubar presidente nenhum: se entrarem em ação será para reprimir golpistas: mais de um ano da casa pegando fogo, com pedidos de intervenção militar, com acusações mil de comunismo ao PT e as forças armadas caladas, nenhum pio sequer dos seus generais de pijama. Foi só semana passada que um oficial se manifestou, para dizer que o exército respeita a constituição, ou seja, se subordina à comandante suprema das forças armadas do Brasil, isto é, Dilma Rousseff (amigo meu disse que o exército chegou a entrar em cena ano passado, para liberar pontos principaia de estradas do país durante o locaute dos caminhoneiros). A vontade das forças armadas entrarem em cena é simples: cobrar a fatura com o respeito à ordem democrática e constitucional agora com o enterramento definitivo de todo questionamento sobre a ditadura civil-militar de 1964-85. Na atual situação, se preciso for, penso ser um preço amargo, mas válido.
A prisão de Lula pode ser o estopim para revoltas populares e sua repressão pela milícia oficial (que atende pelo nome de polícia militar) paulista e pelas milícias paralelas. Do lado da reação, além dos defensores da democracia é possível que detone uma bomba de revolta e ressentimento contra o sistema repressor do Estado (principalmente em São Paulo), e esses não irão para as ruas protestar com gritos. Gilmar Mendes, Serra, os irmãos Marinho, Sérgio Moro e outros, protegidos em suas mansões, apostam que o governo não resistirá a um derramamento de sangue. A responsabilidade (ou irresponsabilidade) dos golpistas é preocupante para nós, pessoas comuns, sem direito a foro especial e guarda-costas pagos pelos cidadãos.

21 de março de 2016.

Eles fingem que estão jogando War

sábado, 19 de março de 2016

Sexta-feira: o contra-golpe está na rua, a mentira está no ar.

Meu irmão logo cedo me mandou o editorial da Folha, "Protagonismo perigoso". Achava que pelo menos um dos veículos do golpe de estado tinha se dado conta que Sérgio Moro havia exagerado no seu ímpeto e estava preocupada. Não compartilhei do seu otimismo: a Folha foi apoiadora do golpe civil-militar de 64 e servil aos ditadores do período até o momento em que sentiu que o regime começava a fazer água, quando tratou de pular fora - com isso conseguiu construir sua fama de jornal liberal, progressista e plural, quase de centro-esquerda, que se desfez como diarréia no Tietê ao longo do século XXI -; ou seja, golpista mas antes de tudo oportunista, li o editorial do jornalecão dos Frias como um aviso de "golpistas, volver", ao menos "esperar" - vai que o golpe não vingue e o governo do PT corte sua publicidade em retaliação por seu golpismo. Desconfiei que já vislumbravam um grande ato na sexta, que entornaria ainda mais o caldo para os representados por Sérgio Moro (que não é advogado mas age como, com o adendo de emitir o veridicto sobre a própria matéria que defende).
Sobre o ato de sexta, em defesa da democracia. O filósofo e urbanista francês Paul Virilio comenta que o verdadeiro poder está na rua, quem detém o poder da rua é quem deter o poder de fato - daí o "sistema", o "Poder" trabalhar sempre pelo esvaziamento das ruas através de suas inovações tecnológicas, do urbanismo haussmanniano aos condomínios fechados, dos carros aos shoppings centers, passando pela televisão e pela internet. Isso ajuda a explicar também a diferença de tratamento da polícia militar sob o comando do governador Geraldo Alckmin nas manifestações pelo passe livre ou do MTST e nas contra o PT - um questiona o status quo que o tucano representa e defende com lealdade protestante, sendo encarado como inimigo pela polícia militar, a ser dispersado com violência. Por isso também a tentativa da extrema-direita, inflamada pela Rede Globo e pelo juiz Sérgio Moro, de calar toda e qualquer dissidência, agredir qualquer camiseta vermelha que apareça na frente: mostrar quem domina a rua, quem detem o poder e tentar forjar, na base do silêncio-amedrontado, uma unidade que justifique o discurso de "todo o Brasil é contra o PT", "todos os brasileiros são a favor do impeachment" repetido à exaustão por Globo e pelos políticos golpistas. Levar cem mil pessoas - como inventou o DataFolha - à avenida Paulista foi, como disse Sakamoto [http://j.mp/1TXUADz], um momento de empoderamento da esqueda e dos democratas de todos os matizes e, se não intimida, ao menos deixa claro à extrema-direita que não há uma avenida aberta para eles passarem rumo ao golpe.
Ainda sobre a manifestação de sexta. Jean Wyllys escreveu em seu Fakebook um texto em que explica o óbvio a quem não consegue mais pensar: a transmissão calhorda da Rede Globo às manifestações, ainda mais se comparado à cobertura das manifestações de domingo ou de quarta: não teve entrevista dos presentes, não teve a cobertura integral por parte de nenhum de seus veículos (se tivesse futebol, aposto que não deixariam de transmiti-lo), não teve a fala do Lula ao vivo e sem cortes, pelo contrário, foi um repórter que contou o que o ex-presidente falou. Como questiona o deputado: "passamos dois dias inteiros assistindo sem parar pela televisão, em repetição continuada como no velho cinema, às conversas privadas do ex-presidente (uma espécie de Big Brother involuntário do qual ele não sabia que estava participando) e agora não temos direito, como audiência, público e cidadania, a ouvir o que ele diz num comício com cerca de cem mil pessoas na avenida Paulista? Não é notícia? Qual é o medo? Deixem as pessoas assistirem tudo e tirarem suas conclusões sozinhas!" ("Cadê o Jornalismo?" [http://j.mp/1RbZaIq], recomendo muito!). A Globo não é maluca de divulgar a íntegra da fala de Lula ou de Haddad, ela precisa insistir na visão simplista e maniqueísta de que existem apenas dois lado: o do PT ou o do impeachment. Não por acaso, a Grande Imprensa na maioria dos casos tem falado em "atos em favor de Lula e da presidenta Dilma", quando na verdade foram atos em favor da democracia, em favor das garantias democráticas - de privacidade e de respeito à vontade da maioria. A fala de Lula - assim como a de Haddad - mostraria aos globoespectadores que é possível se posicionar contra o governo sem aderir ao projeto golpista (no grupo de discussão do partido Raiz há um sem número de pessoas que se dizem decepcionadas pelo governismo da maioria dos que apóiam o novo partido). Talvez uma das tarefas mais importantes dos defensores da democracia seja reforçar o discurso de que há mais do que dois lados, de que não coadunar com o golpe (via impeachment ou via TSE) não é aprovar o governo, não é dar carta branca a Dilma: é aprovar o regime democrático, é saber que em 2018 outro governante estará no Palácio do Planalto, conforme a escolha sua e da maioria.

Me estendo sobre a má-fé na cobertura da manifestação de sexta, acerca de algo que ainda não vi nenhum comentário: a comparação entre os atos do dia 18 e as manifestações do domingo. É um cotejar impudente: são os atos do dia 31 de março que devem ser comparados aos do dia 13: para ambos houve tempo para organizar e mobilizar seus partidários - o do dia 13 ainda com propaganda em horário nobre (com sabe-se lá que dinheiro) e transmissão completa pela Grande Imprensa. Dia 18 deve ser comparado aos atos de quarta, dia 16, quando as pessoas foram às ruas pedir o impeachment de Dilma, com base na sua conversa com Lula. Os atos desta sexta foram organizados às pressas, em resposta à tentativa de golpe, como um primeiro combate: os 100 mil da Paulista (que foram muito mais) devem ser comparados, portanto, aos cinco mil (5.000) de quarta, também mobilizados às pressas [http://j.mp/1SaGF9V]. Me repito: o ato na Paulista a favor da democracia foi vinte (20) vezes maior que o da Globo, o dos apoiadores do impeachment. 
Sem força suficiente nas ruas, os golpistas trabalham duro para dominar o discurso sobre este momento, no intuito de enfraquecer os legalistas e inflar os abarbados fascistóides golpistas com uma massa de cidadãos atolados de boa-fé.

19 de março de 2016

PS: para não me alongar aqui e para dormir, escrevo sobre a decisão de Gilmar Mendes amanhã

João Pessoa (PB), com população equivalente a dois distritos de São Paulo, levou 4 vezes mais manifestantes a favor da democracia que a Globo levou à Paulista contra, na quarta.


Relato da manifestação de sexta (sem maiores pretensões)

Meu plano era ir do início da Paulista até seu fim. Chego à manifestação de sexta às 18h. Até a avenida Brigadeiro Luís Antônio trata-se de uma sexta-feira normal. É a partir da avenida que a CET faz o bloqueio e a manifestação acontece. Logo na esquina da Paulista com a Brigadeiro, três manifestantes apontam a três policiais militares uma janela com a bandeira do Brasil, no alto do edifício Nações Unidas: "foi daquela da bandeira, tenho certeza!", diz um dos manifestantes aos policiais que olham com pouca vontade - afinal, o que é uma tentativa de homicídio que não passou de uma tentativa?, ainda se o objeto atirado tivesse acertado a cabeça de um daqueles comunistas. É o que temo para manifestação, violência dos que se acham do lado do bem contra nós, que nos achamos do lado da democracia liberal burguesa - com tudo o que ela tem de mal. Por garantia, não visto vermelho, mas a camisa do Paraná Clube - até para mostrar que não sou bairrista. Na quadra seguinte é que a aglomeração começa de verdade - e é curioso que o próprio ar da avenida parece mudar radicalmente. Batucadas, gritos de "não vai ter golpe", carros de som, pessoas de vermelho, bandeiras do PT, bandeiras da Dilma, bandeiras da CUT, bandeiras do Brasil. Desisto de chegar ao fim da Paulista na alameda Casa Branca: levo cerca de vinte minutos para atravessar a rua, quase uma hora para avançar uma quadra, tamanha a aglomeração de pessoas próximas ao carro de som onde discursavam políticos e lideranças diversas, e onde poderia acontecer o discurso do ex-presidente Lula. Algumas das falas denunciam o golpe, convocam a manter a mobilização; outros, veladamente cobram o governo federal de abandonar a adesão ao projeto vencido nas eleições de 2014-2016 (levando em conta que a oposição conseguiu forçar um terceiro turno e a gestão Dilma ainda não pôde começar de fato); Haddad faz um discurso ressaltando que não se trata de defesa de um governo ou de um partido, mas da democracia. O público presente vibra com o prefeito, como se as pesquisas de opinião não dissessem que ele é muito impopular. A DataFolha fala em cem mil pessoas, diante de 350 mil no domingo, apesar das fotos - uma ainda do início da manifestação de sexta, outra do ápice da de domingo - não apontarem tamanha diferença de concentração de pessoas - vai ver o DataFolha adota as idéias liberais de Stuart Mill, que dá maior peso ao voto das pessoas de posses, de modo que um manifestante do Jardim Europa vale por três do Jardim Ângela. Enquanto atravesso a rua, é anunciado que Lula comparecerá, sim, à manifestação - o público vibra. Vibrará mais em pouco tempo, quando o ex-metalúrgico subir no palanque. Lula não fala em conflito, mas em respeito - respeito à democracia, ao Estado de Direito, às últimas eleições, ao adversário político. Ele parece crer também que boa parte dos que vociferam junto com a rede Globo contra a corrupção do PT são apenas parvos, e não neofascistóides. Eu torço para que as ações do governo não sejam tão conciliadores - o momento de tensão não convida a instigar ainda mais a população, entretanto nas instâncias legais é preciso fazer valer os seus direitos e os da população que participou da grande farsa da democracia em 2014. Encontro alguns conhecidos ao fim da manifestação, a sensação geral é de certo alívio: não estamos sozinhos, e temos muita força para resistir à "morosidade" da justiça. Em 2016 o golpe não vai ser tranqüilo como foi em 1964.

19 de março de 2016