Meu
plano era ir do início da Paulista até seu fim. Chego à
manifestação de sexta às 18h. Até a avenida Brigadeiro Luís
Antônio trata-se de uma sexta-feira normal. É a partir da avenida
que a CET faz o bloqueio e a manifestação acontece. Logo na esquina
da Paulista com a Brigadeiro, três manifestantes apontam a três
policiais militares uma janela com a bandeira do Brasil, no alto do
edifício Nações Unidas: "foi daquela da bandeira, tenho
certeza!", diz um dos manifestantes aos policiais que olham com
pouca vontade - afinal, o que é uma tentativa de homicídio que não
passou de uma tentativa?, ainda se o objeto atirado tivesse acertado
a cabeça de um daqueles comunistas. É o que temo para manifestação,
violência dos que se acham do lado do bem contra nós, que nos
achamos do lado da democracia liberal burguesa - com tudo o que ela
tem de mal. Por garantia, não visto vermelho, mas a camisa do Paraná Clube - até para mostrar que não sou bairrista. Na quadra seguinte é que a aglomeração começa de
verdade - e é curioso que o próprio ar da avenida parece mudar
radicalmente. Batucadas, gritos de "não vai ter golpe",
carros de som, pessoas de vermelho, bandeiras do PT, bandeiras da
Dilma, bandeiras da CUT, bandeiras do Brasil. Desisto de chegar ao
fim da Paulista na alameda Casa Branca: levo cerca de vinte minutos
para atravessar a rua, quase uma hora para avançar uma quadra,
tamanha a aglomeração de pessoas próximas ao carro de som onde
discursavam políticos e lideranças diversas, e onde poderia
acontecer o discurso do ex-presidente Lula. Algumas das falas
denunciam o golpe, convocam a manter a mobilização; outros,
veladamente cobram o governo federal de abandonar a adesão ao
projeto vencido nas eleições de 2014-2016 (levando em conta que a
oposição conseguiu forçar um terceiro turno e a gestão Dilma
ainda não pôde começar de fato); Haddad faz um discurso
ressaltando que não se trata de defesa de um governo ou de um
partido, mas da democracia. O público presente vibra com o prefeito,
como se as pesquisas de opinião não dissessem que ele é muito
impopular. A DataFolha fala em cem mil pessoas, diante de 350 mil no
domingo, apesar das fotos - uma ainda do início da manifestação de
sexta, outra do ápice da de domingo - não apontarem tamanha
diferença de concentração de pessoas - vai ver o DataFolha adota
as idéias liberais de Stuart Mill, que dá maior peso ao voto das
pessoas de posses, de modo que um manifestante do Jardim Europa vale
por três do Jardim Ângela. Enquanto atravesso a rua, é anunciado
que Lula comparecerá, sim, à manifestação - o público vibra.
Vibrará mais em pouco tempo, quando o ex-metalúrgico subir no
palanque. Lula não fala em conflito, mas em respeito - respeito à
democracia, ao Estado de Direito, às últimas eleições, ao
adversário político. Ele parece crer também que boa parte dos que
vociferam junto com a rede Globo contra a corrupção do PT são
apenas parvos, e não neofascistóides. Eu torço para que as ações do
governo não sejam tão conciliadores - o momento de tensão não
convida a instigar ainda mais a população, entretanto nas
instâncias legais é preciso fazer valer os seus direitos e os da
população que participou da grande farsa da democracia em 2014. Encontro alguns conhecidos ao fim da manifestação, a sensação geral é de certo alívio: não estamos sozinhos, e temos muita força para resistir à "morosidade" da justiça. Em
2016 o golpe não vai ser tranqüilo como foi em 1964.
19 de março de 2016
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