Meu
irmão logo cedo me mandou o editorial da Folha, "Protagonismo
perigoso". Achava que pelo menos um dos veículos do golpe de
estado tinha se dado conta que Sérgio Moro havia exagerado no seu
ímpeto e estava preocupada. Não compartilhei do seu otimismo: a
Folha foi apoiadora do golpe civil-militar de 64 e servil aos
ditadores do período até o momento em que sentiu que o regime
começava a fazer água, quando tratou de pular fora - com isso conseguiu construir sua fama de jornal liberal, progressista e
plural, quase de centro-esquerda, que se desfez como diarréia no
Tietê ao longo do século XXI -; ou seja, golpista mas antes de tudo
oportunista, li o editorial do jornalecão dos Frias como um aviso de "golpistas,
volver", ao menos "esperar" - vai que o golpe não
vingue e o governo do PT corte sua publicidade em retaliação por
seu golpismo. Desconfiei que já vislumbravam um grande ato na sexta,
que entornaria ainda mais o caldo para os representados por Sérgio
Moro (que não é advogado mas age como, com o adendo de emitir o
veridicto sobre a própria matéria que defende).
Sobre
o ato de sexta, em defesa da democracia. O filósofo e urbanista
francês Paul Virilio comenta que o verdadeiro poder está na rua,
quem detém o poder da rua é quem deter o poder de fato - daí o
"sistema", o "Poder" trabalhar sempre pelo
esvaziamento das ruas através de suas inovações tecnológicas, do
urbanismo haussmanniano aos condomínios fechados, dos carros aos
shoppings centers, passando pela televisão e pela internet. Isso
ajuda a explicar também a diferença de tratamento da polícia
militar sob o comando do governador Geraldo Alckmin nas manifestações
pelo passe livre ou do MTST e nas contra o PT - um questiona o status
quo que o tucano representa e defende com lealdade protestante,
sendo encarado como inimigo pela polícia militar, a ser dispersado
com violência. Por isso também a tentativa da extrema-direita,
inflamada pela Rede Globo e pelo juiz Sérgio Moro, de calar toda e
qualquer dissidência, agredir qualquer camiseta vermelha que apareça
na frente: mostrar quem domina a rua, quem detem o poder e tentar
forjar, na base do silêncio-amedrontado, uma unidade que justifique
o discurso de "todo o Brasil é contra o PT", "todos
os brasileiros são a favor do impeachment" repetido à exaustão
por Globo e pelos políticos golpistas. Levar cem mil pessoas - como
inventou o DataFolha - à avenida Paulista foi, como disse Sakamoto
[http://j.mp/1TXUADz], um momento de empoderamento da esqueda e dos
democratas de todos os matizes e, se não intimida, ao menos deixa
claro à extrema-direita que não há uma avenida aberta para eles
passarem rumo ao golpe.
Ainda
sobre a manifestação de sexta. Jean Wyllys escreveu em seu Fakebook
um texto em
que explica o óbvio a quem não consegue mais pensar: a transmissão
calhorda da Rede Globo às manifestações, ainda mais se comparado à
cobertura das manifestações de domingo ou de quarta: não teve
entrevista dos presentes, não teve a cobertura integral por parte de
nenhum de seus veículos (se tivesse futebol, aposto que não
deixariam de transmiti-lo), não teve a fala do Lula ao vivo e sem
cortes, pelo contrário, foi um repórter que contou o que o
ex-presidente falou. Como questiona o deputado: "passamos dois
dias inteiros assistindo sem parar pela televisão, em repetição
continuada como no velho cinema, às conversas privadas do
ex-presidente (uma espécie de Big Brother involuntário do qual ele
não sabia que estava participando) e agora não temos direito, como
audiência, público e cidadania, a ouvir o que ele diz num comício
com cerca de cem mil pessoas na avenida Paulista? Não é notícia?
Qual é o medo? Deixem as pessoas assistirem tudo e tirarem suas
conclusões sozinhas!" ("Cadê o Jornalismo?" [http://j.mp/1RbZaIq], recomendo muito!). A Globo não é maluca de divulgar a
íntegra da fala de Lula ou de Haddad, ela precisa insistir na visão
simplista e maniqueísta de que existem apenas dois lado: o do PT ou o
do impeachment. Não por acaso, a Grande Imprensa na maioria dos
casos tem falado em "atos em favor de Lula e da presidenta
Dilma", quando na verdade foram atos em favor da democracia, em
favor das garantias democráticas - de privacidade e de respeito à
vontade da maioria. A fala de Lula - assim como a de Haddad -
mostraria aos globoespectadores que é possível se posicionar contra
o governo sem aderir ao projeto golpista (no grupo de discussão do
partido Raiz há um sem número de pessoas que se dizem
decepcionadas pelo governismo da maioria dos que apóiam o novo
partido). Talvez uma das tarefas mais importantes dos defensores da
democracia seja reforçar o discurso de que há mais do que dois
lados, de que não coadunar com o golpe (via impeachment ou via TSE)
não é aprovar o governo, não é dar carta branca a Dilma: é
aprovar o regime democrático, é saber que em 2018 outro governante
estará no Palácio do Planalto, conforme a escolha sua e da maioria.
Me estendo sobre a má-fé na cobertura da manifestação de sexta, acerca de algo que
ainda não vi nenhum comentário: a comparação entre os atos
do dia 18 e as manifestações do domingo. É um cotejar impudente:
são os atos do dia 31 de março que devem ser comparados aos do dia
13: para ambos houve tempo para organizar e mobilizar seus
partidários - o do dia 13 ainda com propaganda em horário nobre
(com sabe-se lá que dinheiro) e transmissão completa pela Grande
Imprensa. Dia 18 deve ser comparado aos atos de quarta, dia 16,
quando as pessoas foram às ruas pedir o impeachment de Dilma, com
base na sua conversa com Lula. Os atos desta sexta foram organizados
às pressas, em resposta à tentativa de golpe, como um primeiro
combate: os 100 mil da Paulista (que foram muito mais) devem ser
comparados, portanto, aos cinco mil (5.000) de quarta, também mobilizados às
pressas [http://j.mp/1SaGF9V]. Me repito: o ato na Paulista a favor da democracia foi vinte
(20) vezes maior que o da Globo, o dos apoiadores do impeachment.
Sem
força suficiente nas ruas, os golpistas trabalham duro para dominar
o discurso sobre este momento, no intuito de enfraquecer os
legalistas e inflar os abarbados fascistóides golpistas com uma
massa de cidadãos atolados de boa-fé.
19 de março de 2016
PS: para não me alongar aqui e para dormir, escrevo sobre a decisão de Gilmar Mendes amanhã
João Pessoa (PB), com população equivalente a dois distritos de São Paulo, levou 4 vezes mais manifestantes a favor da democracia que a Globo levou à Paulista contra, na quarta. |
Sem comentários:
Enviar um comentário